As tribos foram as primeiras organizações humanas similares aos formatos que conhecemos hoje: elas tinham liderança, regras e rituais e formavam uma unidade razoavelmente coesa. As tribos evoluíram para instituições, religiões, escolas, governos. A partir da Revolução Industrial, a humanidade passou a se organizar em mercados até chegarmos às redes que dominam a nossa percepção e atenção atualmente.
Vivemos em um mundo no qual as redes se entrelaçam e moldam todas as dimensões da vida – do consumo à política, da cultura à economia. Redes que geram fluxos e paradoxos, enquanto ampliam possibilidades sem fazer concessões às certezas. É indiscutível que as redes e seus nós e pontos de conexão tornam tudo mais instável e imprevisível. Aprender a conviver e extrair valor das redes foi uma das boas provocações do primeiro de workshop do Consumidor Moderno Experience Summit 2025, na fantástica cidade de Istambul, na Turquia.
A escolha da histórica cidade que une Ásia e Europa tem ligação com o fato dela espelhar uma convivência saudável com paradoxos: Ocidente e Oriente, tradição e modernidade, rio e mar. Um balé paradoxal de mentalidades abrindo fissuras para novas formas de pensar o presente e projetar o futuro.
A apresentação inicial procurou mostrar que as arquiteturas de Customer Experience (CX) estão, muitas vezes, presas em um mosaico desalinhado – fragmentadas, reativas, incapazes de orquestrar jornadas que sejam, ao mesmo tempo, gratificantes e significativas. Essa forma de enxergar problemas e questões também domina a lógica de decisões diversas nas organizações. Logo, o caminho para sair desse modelo mental exige mais do que tecnologia; exige uma adaptação da nossa forma de pensar para aceitar o VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) não como ameaça, mas como uma condição permanente. Em resumo, as lideranças da atualidade devem abraçar a incerteza.
A curadoria do desejo
Outra questão que sinaliza a complexidade da realidade envolve a desconstrução da ideia de liberdade de escolha. O que temos é uma liberdade aparente, moldada por algoritmos invisíveis e processos de seleção induzida, em acelerado grau de sofisticação, nas plataformas digitais. E, nesse ponto, a curadoria, vista como uma espécie de atestado de qualidade para orientar escolhas e decisões, surge como um problema que retira sentido do excesso.
Sim, a era da “liberdade de escolha” deu lugar à era da “liberdade de seleção”: a curadoria do desejo, cada vez mais algorítmica, cada vez mais induzida. Gostamos da minissérie “Adolescência” pelo que ela é ou pelo que fomos induzidos a pensar?
O cliente, nesse tabuleiro, não está no centro por acaso – está no centro de sistemas que são ao mesmo tempo plataformas e orquestras, interfaces e filtros.
Sociedade de redes
O keynote de Tim Lucas, da Hyper Island, expandiu essa tensão. Ele enfatizou, com humor e pertinência, a ideia de que as redes, hoje, são mais confiáveis para as pessoas do que as próprias instituições. Isso cria um novo tipo de poder – difuso, volátil, paradoxal – que desafia líderes e empresas a abandonar certezas e cultivar plasticidade. Não se trata apenas de adotar Inteligência Artificial ou de integrar múltiplos canais; trata-se de aprender a liderar dançando com a complexidade, gerenciando polaridades que antes pareciam inconciliáveis:
- Especialista e facilitador;
- Tático e visionário;
- Constante e adaptável.
Logo, as habilidades técnicas, o carisma e o talento empreendedor, bem como a obsessão por comando e controle são habilidades que precisam incorporar também metaskills – habilidades que não são apenas técnicas, mas cognitivas e emocionais –, como flexibilidade, curiosidade, empatia, resiliência e a capacidade de imaginar futuros alternativos.
Isso pressupõe renúncia e desapego. Nesse momento transitório entre formas, visões e práticas de mundo, abandonar o que não serve mais representa aceitar que crescer também envolve lidar com o paradoxo da escala: mais clientes não significa necessariamente mais lucro, mas quase sempre mais complexidade.
Essas ideias se entrelaçam com uma provocação ainda mais profunda: a economia da indiferença. Em mercados saturados, nos quais a atenção é fragmentada e a confiança se dissolve, a relevância de uma marca não vem do discurso, mas da sua capacidade de criar experiências que sejam ao mesmo tempo desejáveis e surpreendentes. Isso exige desapego também ao script pré-estabelecido.
Adotando a máxima de Uri Levine, “Apaixonar-se pelo problema” envolve enquadrar e classificar esse problema, qualquer que seja ele, em um framework: simples, complicado, complexo, caótico ou confuso. Em resumo, a liderança hoje é menos um trono e mais um cockpit – sempre em revisão, sempre em adaptação, sempre disposta a lidar e a resolver problemas.
Ao longo desse primeiro dia do CM Summit, ficou evidente que a verdadeira transformação não é tecnológica – é mental. O que separa as empresas que prosperam das que ficam para trás não é o acesso a dados ou a automação, mas a disposição de romper com velhas mentalidades e de criar espaços nos quais a experimentação é tão valorizada quanto a execução disciplinada. Cada insight se torna um convite à ação e cada ação é, por si só, um experimento.
No final, o que nos move é uma pergunta que carrega em si todas as outras: como transformar a inquietação em arquitetura? Como criar experiências que não apenas resolvam problemas, mas também abram novas perguntas – mais humanas, mais significativas? Este é o momento de perguntar mais e entender que as respostas estejam justamente na aceitação do mundo de redes. Estamos todos conectados e emaranhados em relações e paradoxos, o que, convenhamos, é incrivelmente excitante.