Oportunidade é uma palavra que acompanha pessoas pretas, seja pela falta dela ou por alguma possibilidade favorável. Quem atesta é quem vos escreve: sou jornalista e negra que entende o peso das camadas criadas pela falta de oportunidade em vários setores da sociedade. À medida que avançamos em diálogos, dados e reflexões, vamos percebendo – a ritmo lento – alguns movimentos positivos. No entanto, a luta é grande e há ainda um longo caminho a percorrer.
No mês em que celebramos a Consciência Negra, marcada pela figura de Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes da libertação escravista e símbolo da resistência negra, o dia 20 de Novembro vem promover uma importante reflexão sobre a história do país e a promoção de igualdade racial na sociedade. Ocupar espaços como este, não apenas para escrever sobre este tema, mas tantos outros, é a tal da oportunidade abraçada, deseja e conquistada.
Nunca se falou tanto sobre inclusão, representatividade e em oportunidades sem precedentes num país em que a disparidade econômica, a desigualdade racial e a exclusão social avançam. Empresas, entidades, associações e o poder público, têm feito esforços estratégicos para ampliar a igualdade racial e combater o racismo estrutural. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), compilados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mostram que o número de alunos negros e pardos saltou de 41% em 2010 para 52%, em 2020. Porém, uma pesquisa do Instituto Ethos mostrou que somente 4,7% dos cargos executivos das 500 maiores empresas brasileiras são ocupadas por negros. Outro dado mais recente, do Índice de Equidade Racial nas Empresas, indica que o racismo nos negócios mantém mulheres negras na base das empresas. Elas continuam a ser minoria em cargos de diretoria e liderança, ocupando apenas 1,6% das posições.
É preciso refletir sobre esses dados: se há 13 anos o número de pessoas pretas com acesso ao Ensino Superior aumentou, por que ainda existe uma lacuna tão grande nos cargos de liderança em serem ocupados pessoas pretas? E será que esse acesso basta, uma vez que foi impulsionado pela Lei de Cotas? Vale a reflexão inclusive sobre a disparidade de ensino até a entrada na Universidade. Ou seja, mais do que estar matriculado, é preciso que o aluno esteja apto a acompanhar aqueles que, ao longo da vida, tiveram um ensino mais qualificado por terem oportunidades diferentes até esse ponto.
Os negros representam 56,1% da população brasileira, de acordo com dados do IBGE, mas são minoria nos espaços de destaques e cargos de liderança. A verdade é que os dados são claros e nos mostram que ainda é preciso muito diálogo, maior conscientização para que se abram oportunidades para negros especialistas, como médicos, advogadas, economistas, engenheiros e tantas outras profissões.
Mulher negra, nordestina e pioneira
Em uma entrevista exclusiva para a Consumidor Moderno, uma voz eloquente entre os conselheiros do mercado brasileiro e internacional merece destaque: Jandaraci Araújo. Ela é conselheira emérita do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, conselheira independente do Instituto Inhotim e Museu Afro e da Women in Leadership in Latin America (WILL). Foi a primeira mulher a ocupar um cargo de destaque desde a criação do Banco do Povo em1997.
Além disso, Jandaraci é co-fundadora do Conselheiras 101, programa que busca incluir mulheres negras e indígenas em conselhos de administração, e foi uma das convidadas a falar na ONU sobre Finanças Sustentáveis. Também é professora de Finanças Corporativas de pós-graduação e escritora, lançou 2 livros em 2021 em co-autoria, como “Mulheres nas Finanças e Mentores e suas Histórias”. Recentemente foi reconhecida como Top Voice Linkedin na pauta de Equidade de Gênero.
Ter um currículo tão extenso exigiu resiliência, foco e determinação. A executiva nos conta que além do machismo e racismo, a solidão e a invisibilização são desafiadores para ocupar essas posições.
“Um dos maiores problemas hoje são as oportunidades no mercado de trabalho. As pessoas negras se formam e se especializam, mas os profissionais continuam sendo invisibilizados. O racismo no Brasil tem essa característica cruel e sutil de criar barreiras que é difícil a gente combater. É uma tendência a não incluir” explica.
Na sociedade é muito comum o reconhecimento do problema que pessoas pretas enfrentam, no entanto, para muitos ainda é muito difícil o reconhecimento de atitudes e falas racistas, principalmente dentro de organizações.
“O nosso papel é não abrir frente ou não sucumbir as estratégias dos negacionistas, a estratégia do silenciamento ou a essa falsa democracia racial que tentam nos vender. Contra dados e fatos não há argumentos, as pessoas até se comovem, mas tentam arrumar uma estratégia para desqualificar o discurso e a fala das pessoas pretas. Recentemente temos visto um movimento das pessoas dizerem que essa agenda já passou, como se já tivéssemos resolvido o problema de 56% da população que está à margem da sociedade e que ainda não está nas posições de liderança, seja no setor público ou privado”, alerta a executiva.
“Isso é o grande ponto, os negacionistas vão continuar negando, e temos que continuar atuando e desenvolvendo estratégias para ocupar espaços. Enquanto não tivermos pessoas negras com o poder da caneta, ainda vamos ficar à margem. Esse sistema que tenta nos corromper fala que nós vivemos nos vitimizando, e para eles digo uma coisa: a agenda não passou e só vai passar quando tivermos indicadores melhores em relação a população negra, seja indicadores sociais ou em relação ao mercado corporativo, esse assunto não se acaba. Precisamos inviabilizar os negacionistas e dar visibilizar a população negra e aos movimentos negros que estão fazendo a diferença”, enfatiza Jandaraci.
Não podemos esperar 167 anos
Um estudo feito pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), organização sem fins lucrativos, pioneira no Brasil e comprometida com a aceleração da promoção da igualdade racial, evidencia que as desigualdades no mercado de trabalho brasileiro, resultaram em uma previsão sobre quando a igualdade racial poderá ser alcançada, caso as políticas governamentais e as ações das empresas não sejam aceleradas. A estimativa aponta que o cenário do mercado de trabalho do Brasil só deve se tornar mais igualitário por volta de 2190. Nesse ritmo, levaria 167 anos para que o desemprego entre pessoas negras e brancas se equilibre.
“A desigualdade racial persistente no mercado de trabalho brasileiro é um fenômeno estrutural que requer ação imediata e coordenada”, afirma Luana Génot, fundadora e diretora do Instituto Identidades do Brasil. “Este estudo não apenas destaca a urgência de abordar essa disparidade, mas também reforça o papel fundamental das práticas de D&I para criar uma sociedade mais equitativa e ajudar as organizações a atingirem seus objetivos estratégicos”.
“Ações que estão em processo de mudança”
Reverter essa realidade é tarefa urgente para as organizações. É necessário começar o quanto antes,. Quem ainda não colocou o tema em pauta, ou ao menos não se preocupa em entender seu quadro de diversidade e contribuir para um mundo mais equitativo, está no mínimo atrasado.
Tudo começa pelo diagnóstico, afirma Carine Roos, mestre em Gênero pela London School of Economics and Political Science e CEO da Newa, empresa de consultoria especializada em DE&I e saúde emocional para organizações.
“Antes de elaborarmos qualquer atividade relacionada a este tema, precisamos realizar um censo interseccional, envolvendo gênero, raça e classe, para entendermos, por exemplo, como as mulheres negras estão se sentindo dentro dessa empresa e como a organização está olhando para ela. A partir destes dados interseccionais, é possível criar processos mais assertivos e inclusivos para essas mulheres”, aponta.
Empresas como Mercado Livre, Sanofi e Aegea criaram no último ano políticas com programas de aceleração de carreira e metas atreladas à emissão de títulos financeiros para aumentar a proporção de lideranças negras. Recentemente, o Grupo Casas Bahia registrou um aumento no número de lideranças negras como resultado de um programa de ações afirmativas para promover a igualdade racial. Hoje, a varejista tem 33% de lideranças pretas, frente a 26% em 2021. De acordo com a empresa, a meta é chegar a 45% de pessoas negras em cargos de liderança até 2025.
A Carine Roos explica que é preciso olhar para o processo de como essas vagas são criadas e oferecidas ao mercado. “Depois do diagnóstico fica mais claro quais são as sensibilidades das organizações e quais problemas devemos resolver. Por isso, todo o time de recrutamento e de líderes precisa estar alinhado com esse diagnóstico e com as ações que estão em processo de mudança, para depois trabalhar o olhar para que o processo seletivo seja mais diversos, cuidadoso e eficaz”, comenta a CEO.
Mudar a realidade é missão para hoje, pois só assim veremos mais oportunidades acessíveis à pessoas negras. Não se pode normalizar o fato de grandes empresas, centenárias, premiadas, não terem um (a) CEO negro, por exemplo. Na verdade, isso precisa gerar incômodo e questionamento, ‘onde estão as lideranças negras dentro da minha organização?’
Aproveito este espaço para compartilhar algo. Eu acredito muito na educação e ao ler um livro nos tornamos todos aprendizes. É como diz uma frase que ouvi recentemente e faz total sentido: “Ninguém volta o mesmo depois de ler um livro”, por isso deixo aqui uma indicação para entendermos o tema em águas mais profundas. Vale a leitura da filósofa e ativista Djamila Ribeiro no livro “Pequeno Manual antirracista”, somente para aqueles querem atuar na transformação da sociedade.