Este mês comemoro quatro anos morando na Espanha e, quando penso em inovação e nas diferenças com o Brasil, noto mais semelhanças do que distinções. Porque o ato de inovar é sobre cultura, não sobre continente. Neste sentido, a Espanha é muito mais parecida com o Brasil, do que com a Holanda, país onde morei para descobrir o mundo da inovação.
Os diferentes países que compõem a cultura latina compartilham o medo do erro e a aversão à concorrência, tendendo a serem pouco adeptos a trocas de conhecimento e à vulnerabilidade que isso implica. Latinos “não choram e tão pouco erram”.
Quanto mais nos abrimos, mais expostos a ouvir opiniões contrárias ficamos. E, normalmente há um desconforto em discordar do consenso. Historicamente são culturas protecionistas e que demoraram mais em se industrializar. Somado a isso, aos latinos lhes faltam a visão de longo prazo, pela desconfiança de tudo que possa dar errado. Focam no “ver para crer”, com o objetivo de enxergar resultados rápidos que ofereçam algum conforto em seguir adiante. É esse imediatismo e a aversão ao risco que acabam dificultando o processo de inovação, que exige uma mentalidade contrária.
Já as culturas asiáticas sabem lidar melhor com a dualidade do curto e do longo prazo, e com o medo de errar. No livro Fora de Série (Outliers, no título original), Malcolm Gladwell explica que a cultura do arroz (típica da região) é vinte vezes mais complexa que o cultivo do milho, por exemplo. E que essa complexidade exige um trabalho intenso durante os 365 dias do ano. Para obter uma boa safra, o solo tem que ser irrigado cuidadosamente dia a dia, para que não fique nem muito úmido, nem muito seco. A essa capacidade de focar no trabalho a cada dia (para manter a umidade ótima da terra), e a de visualizar a colheita a longo prazo, é a que confere aos asiáticos as habilidades necessárias para lidarem melhor com essas dualidades, fundamentais em uma cultura de inovação.
Culturas de ascendência germânica, por outro lado, têm em comum a liberdade de opinião, a abertura em discordar, pelo respeito às suas diferenças entre as pessoas. Daí surge a famosa honestidade holandesa, que para culturas latinas pode parecer grosseira e rude. No entanto, o cultivo dessa franqueza acabou permitindo a convivência de diferentes opiniões. Em culturas assim, divergências são bem-vindas e ajudam a construir diferentes pontos de vista. Se todos concordamos em tudo, dificilmente pensaremos em algo de novo. Discordar é o que nos faz sair do consenso fácil – aquele que valoriza a previsibilidade. Essa capacidade de discordar é mais importante do que imaginamos, e pode determinar a capacidade de inovar de uma cultura, como explico neste artigo-vídeo, no qual abordo como uma cultura, seja de um país ou empresarial, afeta a pré-disposição para inovar. Assim como a Holanda, os países escandinavos, a Áustria e a própria Alemanha, além dos anglo-saxões, compartilham da capacidade de expressarem sinceramente suas opiniões, celebrando a discordância e a inovação que vem a partir dela.
Em termos de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, o panorama confirma a semelhança entre culturas latinas. Enquanto a Espanha investe 1,24% do seu PIB em P&D, o Brasil investe 1,16%, sendo 0,55% oriundo de investimento privado, e 0,61% de investimento público. Enquanto países nórdicos, como a Dinamarca ou a Alemanha, investem 3% em inovação tecnológica. Recentemente o cenário europeu recebeu uma onda de novas apostas, com investimentos que buscavam alternativas ao caro Vale do Silício norte-americano. Tanto é assim que a Europa saltou de 30 unicórnios, em 2014 para 134, em 2022.
Entre as principais cidades na Europa, podemos mencionar três que mais se destacam. A cidade de Estocolmo, que conta com o maior número de Unicórnios per capita, depois do Vale do Silício, e que tem o apoio do Governo na estruturação da sua Internet de alta velocidade, além de um sistema de creche subsidiado, com horários flexíveis para apoiar as mulheres no trabalho, além do importante papel de tirar crianças da pobreza (infográfico). Berlim também se destaca, por ser a cidade onde mais se abrem startups, superando Londres – desde que a questão do Brexit se instaurou, e seu custo de vida relativamente mais baixo. A cidade, que se destacava por seus mais baratos aluguéis de imóveis, sofreu um aumento nos últimos anos, que estimulou o Governo a adotar uma medida radical de congelamento dos preços, estabelecendo um teto para o aluguel. E, finalmente, Lisboa, representando o ressurgimento da cultura latina, com mais de 700 empresas de alta tecnologia criadas em dois anos (entre 2014 e 2016), e com um fundo de capital de mais de 200 milhões de dólares para alimentar o ecossistema de startups. Além de estar sendo submetida a uma revitalização geral de prédios antigos, sendo transformados em coworkings. Desde 2016, Lisboa é a sede da maior conferência de empreendedorismo e tecnologia na Europa, o Web Summit, que representa um forte impacto na cidade e no país.
Este contexto, que expõe as diferenças e semelhanças entre as distintas culturas, permite entender algumas das principais características que formam culturas inovadoras. Há que se ter uma liderança que pense a longo prazo, oferecendo um ecossistema de infraestrutura e estímulo para sustentação financeira, somado a uma força de trabalho talentosa e com forte conhecimento, graças à existência de centros de excelência em educação locais (por exemplo, o Vale do Silício tem a Universidade de Stanford, dentre muitas outras). Nenhuma startup se sustenta sem um apoio financeiro que suporte as incertezas, e o tempo que o seu modelo exige para amadurecer – justamente pelo modelo mental destas empresas estar focado no valor, contrário ao usual foco no lucro financeiro. Por isso a necessidade de estrutura e estímulos que nutram este ecossistema ao longo do tempo.
Ao Brasil falta uma liderança com consciência a longo prazo (cada Governo implementa ações desconexas com o Governo anterior, com a visão tão curta quanto o prazo do seu mandato). Falta a criação de um ecossistema consistente, que ofereça uma forte estrutura financeira, que apoie alianças público-privada (governo, universidades e empresas) e, principalmente, que estabeleça um sistema educacional de qualidade e mais igualitário. A infraestrutura precisa ainda eliminar o peso da burocracia e o excesso de impostos. Ao pesquisar para escrever O Efeito Iguana, um empreendedor alemão no Brasil compartilhou: “No Brasil, quando você tem sucesso, você tem que dividir tudo com o Governo, mas quando você quebra, você quebra sozinho.”
No entanto, uma vantagem natural do brasileiro, herdada das suas distintas origens, é sua capacidade de resolver problemas, o jogo de cintura da sua criatividade espontânea – tão diferente de culturas mais rígidas. Mas, a história nos ensina como olhar de forma otimista para o futuro. Analisando em retrospecto vemos o que aconteceu quando à cultura latina se somou um robusto sistema de financiamento. Foi o que Orson Welles imortalizou no seu famoso filme “O terceiro homem“, em que revelou que os 30 anos de guerra, sangue e conflito na Itália geraram os gênios do Renascimento no país. Enquanto os 500 anos de paz e fraternidade na Suíça só foram capazes de produzir o relógio-cuco. Welles só esqueceu de mencionar um aspecto fundamental: o Renascimento só foi possível graças ao investimento da burguesia da época (ricos comerciantes e banqueiros), além de príncipes, condes e bispos, que financiavam a produção de arte como forma de alcançar reconhecimento e prestígio na sociedade. É importante destacar a mentalidade de “crer para ver”, já que tinham que manter os investimentos, enquanto se esperava anos para que a obra ficasse pronta.
Fica claro, portanto, que como cultura, temos alguns desafios fundamentais que lidar para impulsionar a inovação no país: visão curto prazo (crer para ver) e de longo prazo (crer para ver); autocentrismo e empatia; errar e aprender; manutenção e inovação; consenso e opinião. Saber lidar com essas (e outras) dualidades é tanto um desafio quanto uma oportunidade.
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*Por Graziela Di Giorgi, CGO e diretora Brasil da SCOPEN.
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