Ele é marrento, temperamental, cumprimenta colegas com tapinhas no rosto, esconde marcas de patrocinadores, e pode estar se relacionando com uma modelo trans. (O amor também pode ser disruptivo. Afinal, quantos homens cis já assumiram publicamente um relacionamento com parceiros trans?) No campo de futebol, é um fenômeno. Veloz, driblador, insinuante, ótimo finalizador, já campeão do mundo pela seleção de futebol da França. Este é Kylian Mbappé, o craque do Paris Saint Germain, onde joga ao lado de Neymar (de quem está um tanto longe de ser colega) e de Lionel Messi.
Mas o jovem francês, que fará 24 anos em 20 de dezembro, apenas dois dias após a final da Copa do Mundo do Catar (taça que ele pode levantar pela segunda vez seguida), é, também, mais um exemplo do poder da Geração Z – aquela que vem confrontando e desconstruindo tradições e redefinindo os padrões de consumo, vida social, afetiva, identidade e sustentabilidade.
Esportivamente, Mbappé é espetacular. Pelo Paris Saint Germain, anotou 169 gols em 193 partidas. Pela seleção, já tem 25 tentos em 41 jogos, 9 em Copas (até o dia 12/12, data original desse texto). São mais de 220 gols e mais de 110 assistências na carreira. Um jogador completo, que atua em todas as posições do ataque. Só que este cracaço da bola é uma pessoa polêmica, com especial apreço por confrontar comportamentos pré-estabelecidos (ele é Zed afinal).
O jogador esconde a marca de cerveja patrocinadora do Mundial da FIFA nas coletivas, se recusa a dar entrevistas obrigatórias quando convocado e assume, do próprio bolso, as multas dirigidas à Federação Francesa de Futebol em consequência dessa desobediência.
Mbappé, segundo a imprensa francesa, também estaria se envolvendo com a modelo Ines Rau, a primeira mulher trans capa de Playboy. Há fotos do casal obtidas durante o Festival de Cannes de cinema em maio deste ano. No caso da cerveja, o camisa 10 da França apenas reiterou o cuidado de não associar sua imagem a produtos nocivos (no seu entender), como bebidas alcoólicas, fast food e casas de apostas. Como todo integrante da Geração Z, o intrépido Mbappé não tem medo de pautar a sua narrativa, e de assumir posições “fora da caixinha”.
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Imprevisível nos campos e fora dele, o francês evoca as características de sua geração: defende a sustentabilidade de forma ligeiramente superficial, é nativo digital, ostentando mais de 75 milhões de seguidores no Instagram (distante ainda dos mais de 190 milhões de Neymar Jr, campeão absoluto nessa mídia, porém, com 7 anos a menos), não esconde sua insatisfação e não faz a menor questão de fazer o que, no seu entender, não se relaciona com sua atividade (como dar entrevistas durante a Copa ou falar de seus relacionamentos). Mbappé não parece depender de medicamentos (comuns aos jovens, ansiolíticos, antidepressivos, etc) mas deve ter lá seus ataques de ansiedade, considerando sua postura normalmente impaciente em campo. Dificilmente, ele tenta a jogada mais cerebral, busca sempre o jogo vertical, incisivo, para “quebrar linhas”, como se diz no futebolês atual.
Também há comentários de que Mbappé pediu a cabeça de alguns companheiros de elenco durante a renovação do seu contrato com o PSG (incluindo Neymar). De todo modo, ele vem ocupando espaço como um novo tipo de atleta, que não se furta a polemizar é que dificilmente será controlado por media trainings e dará respostas previsíveis para perguntas sonolentas.
Há vários ‘Mbappés’, com mais ou menos talento, nas empresas do mundo todo. Mas todos apresentam certa dificuldade de se relacionar, são personalistas, muitos vivem em bolhas cognitivas, se pautam pelas mídias sociais e sofrem de ansiedade crônica. Ao mesmo tempo, reafirmam que ser é mais importante do que ter e buscam alinhamento de valores com empresas, para trabalhar ou consumir. Eles têm pressa, urgência e mudam de direção como o craque indo em direção ao gol, em velocidade desconcertante. Também querem assumir identidades distintas ao longo da vida e gostam de recompensas imediatas, como se a vida fosse um game acelerado, no melhor estilo Fortnite.
Entender esses jovens, como se manifestam, como constroem narrativas, como encaram amor, vida, afeto e sociedade, é hoje um desafio crucial para qualquer empresa que busque algo mais do que simplesmente garantir o direito de sobreviver. Os dados são abundantes e ganham escala exponencialmente. Isso porque os “Zeds” produzem muita informação, viram seu radar e sua atenção para muitos assuntos simultaneamente, encampam e descartam causas em sequência. São contraditórios e definitivamente estão dispostos a deixar sua marca no mundo. Sim, podemos apreciar sua arte nos campos, com as jogadas de M’Bappé, que substitui Messi e Cristiano Ronaldo na galeria dos supercraques, atropelando o ótimo Neymar Jr, que fica numa faixa intermediária, tanto em termos de conquistas, números, quanto de influência. Podemos apreciar a arte da Geração Z nos NFTs, nas moedas sociais (os criptoativos), na explosão de polêmicas e novas ideias que surgem e irão surgir com a Web3, em novos e poderosos negócios com muita tração que veremos aparecer, em novos formatos familiares…
Enquanto isso, assistimos à final da Copa do Mundo sem nossa seleção, pela quinta vez seguida, talvez por não nos darmos conta de que é preciso entender melhor as transformações do mundo. Olhamos para trás há muito tempo, buscando refúgio contra um mundo que insiste em propor novidades e novos comportamentos. Estamos pagando o preço. Mbappé é o começo, um representante legítimo de uma era onde mudança é regra e que se choca com aqueles que defendem o miram o passado. O resultado é tensão crescente, até o momento em que as forças se reacomodam, mas aí todas as referências terão mudado.
Abram alas, a Geração Z vai passar com tudo. E com muitos gols de Mbappé e dos futuros craques do nosso futebol.
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