A Inteligência Artificial (IA) tem transformado diversos setores da economia, e a negociação de dívidas não é uma exceção. Em um cenário econômico desafiador, onde a inadimplência e o endividamento atingem níveis alarmantes, a tecnologia surge como uma aliada poderosa para empresas e consumidores. A aplicação de IA nas estratégias de recuperação de crédito oferece soluções inovadoras, capazes de analisar grandes volumes de dados, personalizar abordagens e aumentar a eficiência dos processos de cobrança.
No mercado de crédito e cobrança, a Inteligência Artificial é usada há cerca de cinco anos, segundo Fábio Toledo, CEO do Intervalor. Ele reforça que a mudança que nasce com o surgimento da IA generativa. Enquanto a IA tradicional contribuiu com a automação, na redução de chamadas em atendimento e para tornar a cobrança mais eficaz, a tecnologia generativa chega para trazer agilidade em tudo que tem sido tentado nos últimos oito anos, de uma forma impressionante.
“O papel da Inteligência Artificial na negociação de dívidas” foi tema de painel do Seminário Credit and Collection Experience (CCX), que reuniu especialistas, empresas e executivos para discutir e propor soluções para o cenário desafiador de crédito e cobrança brasileiro, que já alcança mais de 72 milhões de pessoas em situação da inadimplência.
Aurelio Léo, gerente de Inteligência e Cobrança e Arrecadação na YDUQS, pontua que a IA generativa ainda tem sido um grande mistério e que as empresas estão em uma curva de aprendizado. A empresa trabalha com a Rose, Inteligência Artificial da rede de ensino que contribui com os modelos de propensão e renovação dos alunos.
“A YDUQS, que é instituição de ensino superior, procura sempre entender qual é o melhor caminho para poder fazer a retenção desses alunos”, explica o executivo. “Em determinados momentos será encontrada uma resposta financeira e outra acadêmica. Esse é o grande mistério, e a Inteligência Artificial nos ajuda muito a entender qual o melhor caminho para fazer essa retenção, já que ela consegue ter uma escalabilidade absurda, além da quantidade de variáveis que conseguimos trazer para o modelo de propensão”.
Apesar do potencial da Inteligência Artificial ser bastante conhecido, bem como onde é possível chegar com tamanha capacidade de processamento, falar sobre o uso da Inteligência Artificial no dia a dia ainda é tabu, frisa Rafael Yukio, head of Collection Strategy do Banco Neon.
“A aplicabilidade ainda passa por alguns desafios, como integrar, conectar, organizar dados e informações, o investimento se justifica no curto prazo. Temos muita iniciativa, muita ideia de como fazer, mas a implementação e a utilização prática ainda dependem de uma série de fatores que estão em estudo”, afirma. “No momento zero, em um cenário econômico de margem bastante estreita, ainda esperamos o melhor momento para fazer investimentos e entender de forma mais pragmática onde aplicar IA. De fato, existem dois grandes pilares onde podemos aplicar: o primeiro é em atendimento, para ganhar escala e qualidade; o segundo é em como melhorar a inteligência de crédito, oferta, e até mesmo direcionar o cliente nas jornadas de autoatendimento para vender melhor nossos produtos de crédito”.
Desafios culturais de IA
Jacques Meir, diretor de Conhecimento no Grupo Padrão e mediador do painel, frisa que a Inteligência Artificial generativa, com todas as possibilidades que abre, significa uma ruptura cultural muito profunda na maneira pela qual gerenciamos negócios hoje. “Ela afeta, em larga escala, todo tipo de trabalho intelectual que se julgava criativo, mas que na verdade era sistemático, porque mostrou como o trabalho intelectual é possível de ser sistematizado”, frisa.
Nesse sentido, a questão é: quais são os obstáculos culturais e gargalos para adoção de Inteligência Artificial no dia a dia de uma corporação?
Segundo Rafael Yukio, o primeiro ponto está no ganho de capacidade da IA ser 10 vezes maior que o processamento a cada semestre. Assim, o conhecimento sobre ela se defasa em pouco tempo e, com isso, capacidade de processar dados, informação, e extrair insights a partir disso é inimaginável.
“Hoje, temos equipes gigantes para julgar modelos, extrair informação, capturar insights, criar correlação de dados, enquanto a Inteligência Artificial tem capacidade de fazer isso através do seu processamento, com um bom modelo, em pouquíssimo tempo. Então, hoje, o grande paradigma é entender até onde chegar, com a velocidade que temos para aplicar isso”, comenta o executivo.
Na YDUQS, os obstáculos estão em entender a cultura e garantir que a equipe está cada vez mais imersa nela, pontua Aurelio Léo. Ele reforça que todos os dias surgem novos conteúdos, com uma grande velocidade de atualização. Por isso, a dificuldade está em acompanhar esse ritmo, além de ser difícil também encontrar pessoas que entendam como utilizar essa ferramenta de forma adequada.
O caminho crítico e a barreira cultural, segundo Fábio Toledo, do Intervalor, está na confiança. “Quando falamos de uma inteligência sistemática, é mais fácil eu controlar. Então, até agora, fazíamos uma árvore de decisão em que era possível controlar o caminho a ser seguido. Óbvio, que a IA – a sistemática ou tradicional – aprendia com dados que eram colocados lá e evoluía, mas era sistemático. A partir de agora, é preciso oferecer um contexto para que a IA possa trabalhar para a empresa. É preciso confiar na tecnologia, no time que cuida dela e testar”, frisa.
IA na prática
No mundo acadêmico, o aluno pode sentir dúvida se está na carreira certa. Paralelo ainda, esse estudante pode estar com outro problema: dívida com a instituição de ensino. Nesse cenário, dentro da YDUQS, a IA tem a capacidade de fazer segregações de grupos de alunos, trazendo quem tem o aspecto acadêmico mais forte, ou o aspecto financeiro mais fraco.
“Conseguimos transferir essas informações para as assessorias, que tratam isso em campanhas e ofertas. Hoje, o grande desafio é fazer a oferta adequada, entendendo qual é o momento daquele aluno“, explica Aurelio. “É importante saber se o aluno está inadimplente porque tem engajamento baixo, ou se tem engajamento baixo porque está inadimplente. Com a tecnologia que estamos conseguindo criar com os nossos parceiros, conseguimos fazer um acompanhamento do histórico do aluno e entender em que momento passou a ser um inadimplente e em que momento passou a não ter o engajamento acadêmico alto. Quando começamos a entender essas personas, conseguimos trabalhar a motivação real do aluno, criar a negociação e impedir a evasão”.
No Banco Neon, o melhor estágio de utilização da IA hoje é como copilot. Com a tecnologia, quando bem ajustada, em dado momento o operador pode clicar no botão, solicitar ajuda e, com o material de treinamento, receber orientação de ações em relação ao cliente. “O copilot hoje é a maneira mais real implementada no dia a dia. Ele ainda não dá plena autonomia para a IA, para tomar decisão e negociar, mas ampara o negociador”, explica Rafael.
Já no Intervalor, o foco, onde tem sido feito maior investimento, é no autoatendimento, em buscar realmente a capacidade de fazer uma negociação bem feita, empática e com muita eficiência. Os primeiros resultados que a empresa teve, junto à YDUQS, foi ao comparar uma inteligência sistemática com uma generativa. Com isso, houve um aumento de 30% no indicador de cobrança e de 45% na conversão.
“A IA generativa é, na saudação, muito mais empática que a IA sistemática que eu tinha”, aponta Fabio. “Ela foi melhor na negociação, e negociou melhor do que a árvore de decisão, além de conseguir converter mais e obter mais pagamentos no final. Acreditamos realmente que podemos fazer, com a IA generativa, um atendimento na ponta, substituindo a IA sistemática e boa parte do humano. Com a IA generativa, vamos bem mais longe”.