A inteligência artificial virou o assunto da moda no meio corporativo, mas há quem desconfie da eficácia dessa expressão conhecida simplesmente por I.A. Programadores e alguns especialistas no assunto afirmam que o termo é uma “meia verdade” e teria sido lançado por marqueteiros dispostos a vender uma solução que deveria ter outro nome. O correto, segundo alguns, é cognição automática ou, em outras palavras, um mecanismo que apenas produz conhecimento produzido de forma automática com base em dados. E isso não é o mesmo jeito de raciocinar de um ser humano, que possui uma maneira singular, abstrata, súbita ou que poderia ser resumida pelo chamado momento “eureka”.
Um dos defensores dessa contundente crítica à inteligência artificial é Fabio Gandour, médico de formação e amante das novas tecnologias. Ele ocupou o cargo de cientista-chefe da IBM e fundou o primeiro centro tecnológico da companhia. Ao longo dos seus 28 anos totalmente dedicados à tecnologia, ele foi um primeiros brasileiros a ter um e-mail e se juntou a um seleto grupo de pessoas que trocavam e-mails sobre trabalho com Stephen Hawking, o falecido e mundialmente famoso físico teórico.
Gandour falou sobre esses assuntos com a Consumidor Moderno. Veja:
Consumidor Moderno – O senhor é uma das conhecidas vozes contrárias ao uso da expressão “inteligência artificial”. Por que ela não é correta?
Fábio Gandour – Primeiro, precisamos falar sobre a real necessidade de soluções sofisticadas baseadas em tecnologias e que são usadas para ajudar as pessoas a tomar uma decisão. Elas são necessárias, pois o mundo está cada vez mais complexo. Diante dessa complexidade crescente e inexorável, decidir está cada vez mais difícil. Antes, eu preciso deixar claro o que quero dizer sobre a complexidade: eu não estou me referindo de algo como lançar um foguete em direção a Marte. Eu me refiro a coisas do nosso cotidiano como, por exemplo, criar um filho ou simplesmente tomar uma decisão de como vamos para o trabalho. É cada vez mais difícil tomar uma decisão porque temos diversas pequenas escolhas diárias. Esse cenário favorece o uso de soluções baseadas em tecnologia, que auxiliam as pessoas nesse processo decisório.
Mas aí vem o marketing e se apropria dessa necessidade e põe um rótulo charmoso em cima dela: a inteligência artificial. E todo mundo acha que a máquina tem algum grau de inteligência artificializada, o que não é verdade. Mas essa é uma briga perdida. Os meios de comunicação adoram a expressão inteligência artificial. Por uma questão de preciosismo técnico cientifico, eu prefiro chamar essa solução de cognição automática.
CM – Mas o que é cognição automática e qual a diferença com a I.A?
Gandour – Cognição é um mecanismo que produz conhecimento e esse conhecimento é produzido de forma automática. A máquina produz cognição de forma automática a partir de dados. Um exemplo é quando você entra no Waze e ele sugere “vire à esquerda”. Por que ele te diz isso? Porque ele tem um saber não inteligente decorrente de um levantamento de dados. Essas informações sugerem que a melhor decisão é você virar à esquerda, evitando o congestionamento. Isso é inteligência artificial? Não! Isso é cognição automática. O ser humano é inteligente, pois pensa de maneira mais abstrata. Nem sempre ele é orientado por dados, mas por outro motivo.
CM – Mas essa impressão do senhor diz respeito ao presente ou isso poderá mudar no futuro?
Gandour – Como eu disse, sou avesso a essa designação de inteligência artificial. No entanto, eu acho que essa cognição automática vai se sofisticar a um determinado nível que muita gente não irá perceber que ela é apenas uma cognição automática. Muitos estarão convictos que estão diante de uma inteligência artificial. Aliás, tem muita gente que já acha isso. Tem muita gente que conversa com chatbots e não percebem que conversam com uma máquina.
CM – Então, pensando assim, o ser humano também está passando por uma transformação. Queremos ser máquinas?
Gandour – É exatamente isso. A sofisticação da máquina segue na direção do ser humano e nós seguimos na direção da máquina.
CM – Por falar em inteligência, o senhor manteve um estreito relacionamento com o físico teórico Stephen Hawking…
Gandour – Foram momentos breves motivados pela própria limitação dele. A primeira vez que eu o encontrei foi por acaso, em um corredor da Universidade de Cambridge. Isso foi na virada do século e eu me perdi em um corredor da instituição. No fim, eu conversei com ele por 15 minutos e algumas outras vezes, algumas delas por e-mail. Em uma dessas conversas, ele disse uma frase que me marcou: “A única que eu consigo fazer é pensar”. Essa observação vale para toda a humanidade: fomos feitos para pensar.