Há duas certezas na vida. Uma delas é óbvia (e a outra também, apesar de você ainda não saber disso). Não apenas sabemos que vamos morrer algum dia como, garanto, jamais veremos a seguinte mensagem na embalagem de um produto exposto em prateleiras por aí: “Deixamos 1% das bactérias vivas”. Apesar de matematicamente equivalente à “Eliminamos 99% das bactérias”, a escolha do conteúdo transmite um objetivo – a de nos convencer sobre a capacidade de proteção do produto. Ainda que exatamente iguais, o segundo argumento é evidentemente mais eficaz por responder melhor as nossas expectativas.
Essa certeza é apoiada pelo atual prêmio Nobel de economia, Richard Thaler, pai da economia comportamental, área que une os conhecimentos da psicologia com os da economia para estudar nossos desvios de decisão. Um deles atende pelo nome de Enquadramento, ou Framing, e revela que a maneira como uma ideia e? apresentada influencia como ela será percebida. Por exemplo, a forma como nos vestimos vai influenciar a abordagem do vendedor da loja, indicando nosso potencial de compra, ou a forma como apresentamos uma ideia a um investidor ou ao nosso chefe pode determinar sua aprovação.
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A afirmação “As chances de sobreviver um mês após a cirurgia são de 90%” e? mais tranquilizadora do que a afirmação equivalente de que “a mortalidade no período de um mês após a cirurgia e? de 10%.” Apesar de idênticas, o nosso comportamento diante de cada afirmação e? diferente. E é por isso que se queremos que a nossa ideia se desenvolva, temos que nos preocupar com quem irá percebê-la. Colocar-se no lugar de quem está do outro lado é o primeiro passo para aumentar o seu potencial de aceitação. E a preparação da ideia é fundamental para causar a melhor impressão possível nesse momento inicial. Como já se sabe popularmente, “A primeira impressão é a que fica”.
É o que defende o autor Tom Peters em seu livro ‘The Project 50’. Peters argumenta que, tradicionalmente, há pouco esforço nas etapas iniciais de um projeto. Segundo ele, existem quatro fases ao longo do seu desenvolvimento: criação, venda, implementação e finalização. Na abordagem tradicional, os esforços estão concentrados em duas etapas somente: 10% na criação e 90% na implementação, diferentemente da orientação sugerida por Peters, que seria a de reforçar as fases iniciais, distribuindo 30% para a criação, 30% para a venda, 30% para a implementação e 10% para sua finalização. Dessa forma, o seu projeto final terá mais chances de ser mais bem sucedido, pelo foco maior em seus pontos críticos. Com o esforço maior na preparação, a ideia tem mais chance de ser bem aceita ao se mostrar mais tangível, oferecendo credibilidade e possibilidade de execução.
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Como exemplo, cito as apresentações de startups a investidores, conhecidas como pitch de venda (discurso que a empresa faz a investidores para conseguir investimento). Nessa apresentação, cada startup tem um tempo bastante limitado, entre 5 a 7 minutos, ao longo do qual tem que justificar por que existe e por que merece o investimento pedido. Pela pressão do tempo, é fundamental uma boa preparação inicial de forma a deixar evidente sua relevância ao negócio.
Logicamente, o conteúdo de cada discurso varia de empresa para empresa, de acordo com a natureza de cada negócio. No entanto, após ver algumas apresentações se torna claro o que há em comum entre todas elas. O ponto central de qualquer uma das narrativas está focado em “Qual necessidade estou atendendo?”. Toda startup nasce de um problema a resolver. E evidenciar essa necessidade latente é a melhor forma de mostrar sua relevância e seu potencial de crescimento.
Um ótimo exemplo é o Airbnb, startup fundada em 2008, em São Francisco. Do aluguel de colchões infláveis com direito a café da manhã (razão pela qual seu nome original era AirBed&Breakfast), muita coisa mudou. Ao longo desses anos, foram sete rodadas de capital que acumularam mais de US$ 2 bilhões em investimentos, tendo seu valor de mercado estabelecido hoje em US$ 31 bilhões. Como o Airbnb conseguiu mostrar que era um negócio interessante desde o início? A resposta pode estar em seu deck original de venda apresentado por seus fundadores, então estudantes de MBA.
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A narrativa contou com uma sequência simples, objetiva e vencedora e deu tão certo que o Airbnb já conta com 21 escritórios no mundo, com dois mil colaboradores e presença em 34 mil cidades. E se prepara agora para um novo passo. Está projetando, em parceria com uma incorporadora imobiliária, um prédio de apartamentos com 324 unidades na Flórida, que será chamado de Niido Powered by Airbnb.
Outra referência bem interessante que analisa o potencial das ideias serem bem sucedidas vem do livro ‘Made to Stick’ (‘Ideias que Colam – Por que Algumas Ideias Pegam e Outras Não’, em português), dos autores Chip Heath e Dan Heath. Segundo eles, uma ideia de sucesso é aquela que consegue atender a seis pilares principais, representados pelo acrônimo S.U.C.C.E.S. São eles: 1) Simplicity (Simplicidade), 2) Unexpectedness (Inesperado), 3) Concreteness (Concreto / Tangível), 4) Credibility (Credibilidade), 5) Emotions (Emoções), 6) Stories (Histórias). Contar com alguns desses ingredientes ao enquadrar a ideia pode ser importante para que ela seja mais bem aceita, principalmente credibilidade, tangibilidade e simplicidade.
Seguindo o ditado popular “Contra dados não há argumentos”, é preciso construir credibilidade a partir de dados genuínos, que justifiquem a ideia e lhe dê embasamento. Qual é o tamanho do mercado? Quais os concorrentes? De onde surgiu a necessidade? Outro ponto crucial é mostrar que a ideia é tangível. Nesse ponto, há inúmeras ferramentas que podem ser usadas para prototipar melhor a ideia, simulando como ela seria na prática. Desde um aplicativo que te permite programar as telas da sua ideia (por exemplo, o ótimo e gratuito aplicativo: POP Prototype) a um deck de powerpoint ou keynote, como fiz para apresentar o meu livro à editora.
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Na época, queria entender se o que estava escrevendo era mais interessante para alguém mais além de mim mesma. Para isso, organizei as ideias centrais do livro em uma apresentação, que se transformou em palestras que comecei a dar para receber feedback e validar o interesse das pessoas. Além disso, aproveitei o deck da apresentação para submeter o livro à editora, em vez de levar somente as páginas escritas. Agendei uma reunião, que se transformou em um pitch de venda ao editor, a partir da apresentação de um protótipo (em forma de keynote), que materializava clara e objetivamente o conteúdo do possível livro. Algumas semanas depois o editor me liga com uma pergunta apenas: “Só uma coisa não ficou clara para mim. Em qual prateleira da livraria vamos colocar O Efeito Iguana?”.
O enquadramento está em todos os lugares, inclusive no título desse artigo. O grau de interesse despertado pelo título certamente influenciou para sua leitura até chegar aqui.
“Assim é, se lhe parece”
Luigi Pirandello, dramaturgo e romancista italiano. Vencedor do Nobel de Literatura de 1934
*Graziela Di Giorgi é sócia da Wake Insights, diretora Brasil da SCOPEN, autora do livro O Efeito Iguana, professora do IED e da ESPM e mentora do Programa InovAtiva Brasil