Até pouco tempo atrás vista como algo a acontecer no futuro, a crise climática tem dado cada vez mais sinais de que já é algo do presente. Só em 2024, um habitante qualquer da localidade “planeta Terra” pôde vivenciar – ou ao menos tomar conhecimento – de diversos acontecimentos climáticos extremos, como secas intensas, incêndios, chuvas destruidoras, furacões, etc. Nesse cenário alarmante, a Inteligência Artificial (IA) pode ser uma aliada para a manutenção da vida como conhecemos hoje?
“Ela vem comprovando suas funcionalidades no âmbito sustentável”, afirma o professor Dirceu Matheus Junior, coordenador dos cursos de especialização Lato Sensu na área de TI da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Como qualquer nova tecnologia, pode causar resistência, mas no geral a sociedade já percebeu que a IA é uma aliada importante em todos os setores da economia, educação e cultura, por isso com o meio ambiente não seria diferente”.
Como sustentação, ele cita o estudo “Accelerating Climate Action with AI”, realizado ano passado pela consultoria Boston Consulting Group, que concluiu que a Inteligência Artificial é uma das melhores alternativas para ajudar a equilibrar o clima, uma vez que é capaz de dimensionar e articular tecnologias a fim de reduzir as emissões globais em pelo menos 10% até 2030.
Suas aplicações são diversas e já estão ocorrendo. O especialista entrevistado pela Consumidor Moderno ajuda a mapeá-las e compreendê-las.
Principais aplicações da IA no combate à crise climática
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje quase 4 bilhões de pessoas em todo o mundo já vivem em áreas com alto índice de vulnerabilidade em relação às mudanças climáticas. Esse tipo de constatação faz com que ações de mitigação e combate a essa crise sejam cada vez mais urgentes.
Nesse sentido, o Fórum Econômico Mundial destacou algumas aplicações da IA que, segundo o professor Dirceu Matheus Junior, já estão em uso e resultando em efeitos positivos para o meio ambiente, como monitoramento ambiental de modo geral e dos biomas, mapeamento dos ecossistemas para verificar condições e possíveis riscos, previsão climática avançada e otimização das energias renováveis.
“Outro benefício visível da IA é mitigar as alterações climáticas, reduzindo as pegadas de carbono em vários setores da economia, por exemplo, planejamento de rotas de transporte, verificação de quantidade de CO2 emitido e auxílio na adoção da eficiência energética”, cita ele.
O professor ainda salienta alguns outros usos relevantes:
- Monitoramento e previsão de desastres naturais: a IA pode ser aplicada para melhorar a previsão de riscos para eventos regionalizados de longo prazo, como elevação do nível do mar, e para eventos extremos imediatos, como furacões, entre outras possibilidades. Essas aplicações incluem o gerenciamento de vulnerabilidade e exposição, como por meio do desenvolvimento de infraestrutura que possa minimizar os eventuais impactos;
- Eficiência energética e transição para energia limpa: ao considerar vários fatores, como demanda, oferta, preço e condições da rede, os algoritmos de IA determinam os melhores momentos para armazenar energia, quando liberá-la e quanto distribuir. Isso ajuda a tornar as energias renováveis mais confiáveis e menos dependentes das condições climáticas;
- Gestão de recursos hídricos: a IA já está sendo utilizada na automação digital das empresas concessionárias de distribuição de água para realizar a manutenção preventiva de equipamentos e infraestrutura de gerenciamento na rede de distribuição onde atua. Desse modo, os gestores preveem situações de risco no sistema, equipamentos ou possíveis falhas no abastecimento. Outra funcionalidade é prever a demanda por água e otimizar o fornecimento ao longo do dia em diferentes regiões. Isso ajuda a reduzir o desperdício, sem comprometer o fornecimento;
- Agricultura sustentável: o uso da IA na agropecuária está contribuindo para uma produção mais eficiente e sustentável, por isso tem realizado uma verdadeira revolução no campo. Já estão em uso técnicas como detecção de doenças em culturas, sistema de irrigação preciso, vigilância aérea assistida por drones, análise preditiva para rendimento de colheitas etc;
- Vida cotidiana: casas e edifícios transformados em Smart Homes são essenciais na busca pela eficiência energética, pois a tecnologia transforma os equipamentos e eletrodomésticos em ecossistemas energeticamente eficientes.
Medidores inteligentes e dispositivos IoT (Internet of Things) trabalham em harmonia com a IA, a fim de criar sistemas inteligentes e responsivos. Dessa forma é possível monitorar continuamente o consumo de energia em tempo real, diminuindo consideravelmente a utilização inadequada.
Projetos que utilizam IA para mitigar impactos
Apesar de recentes, algumas iniciativas de grandes empresas já estão em andamento para potencializar o uso da IA no combate à crise climática. O coordenador da Universidade Presbiteriana Mackenzie cita três projetos neste escopo que têm chamado a atenção.
É o caso da colaboração entre a IBM e a NASA, que desenvolveram uma tecnologia de IA destinada à análise de dados capaz de identificar áreas com maior risco climático futuro, de modo a conseguir mais assertividade nas medidas preventivas.
Já a HugginFace – plataforma de código aberto criada por grupos e empresas que desenvolvem ações e modelos colaborativos de IA, conjuntos de dados e aplicativos – tem apostado em projetos voltados ao meio ambiente, por exemplo, a realização de análises obtidas a partir de imagens de satélites que verificam inundações, incêndios florestais, rastreio de desmatamento e monitoramento da geração de gases de efeito estufa.
“Por sua vez, no Brasil, uma das primeiras iniciativas comprovadas e publicizadas foi desenvolvida pela Cleantech Bion, empresa com foco na criação de soluções que reduzam os problemas decorrentes da crise climática. A instituição desenvolveu a primeira ferramenta de IA do Brasil, chamada de ClimAI, com o objetivo de promover a educação climática entre a população”, completa a lista.
Tendências tecnológicas aliadas à sustentabilidade
“A IA não tem uma fórmula mágica para modificar os efeitos decorrentes da crise climática, mas pode contribuir para prevenir, educar e identificar situações incorretas promovidas por indústrias ou empresas”, afirma o professor Dirceu Matheus Junior.
Por isso, acredita que as inovações neste campo podem e devem vir de parcerias entre os players da área de tecnologia, especialistas em meio ambiente e também governos nacionais. “Inclusive, ao apoiar a implantação e integração de sistemas de aplicações de IA para o clima, os participantes da agenda 2030 da ONU conseguirão cumprir boa parte dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, diz.
Além disso, quando pensa em tendências, o especialista indica o desenvolvimento e uso cada vez maior da IA Agentic, sistema de Inteligência Artificial capaz tomar decisões autônomas, que pode ser treinado para coletar dados, analisar padrões e iniciar ações preventivas em resposta a perigos.
Outras pesquisas em andamento ainda apontam que a Inteligência Artificial terá bastante a contribuir em aspectos diversos, desde na escalabilidade de tecnologias preventivas até na capacitação e no suporte político voltados ao objetivo de lidar com a crise climática e reduzir ao máximo a emissão de CO2 na atmosfera.