Os jovens da geração Z não querem seguir protocolos que nortearam o trabalho como as gerações anteriores conheceram. Eles priorizam saúde mental, são comprometidos com sua própria independência, flexibilidade e têm aversão a propósitos, planos de carreiras e horários definidos. Querem ser donos de suas própria força de trabalho, querem se aposentar mais cedo.
A rigor, trata-se da primeira geração que entendeu que o trabalho é, normalmente, um fardo e um meio para se obter independência e recursos para viver. Por força da pandemia, esses jovens perceberam que poderia realmente trabalhar de qualquer lugar, controlando seu próprio tempo e suas demandas, justamente no momento em que ingressavam no mercado de trabalho.
Essa visão dura e desencantada do trabalho permeia boa parte das discussões sobre negócios e comportamentos da atualidade. Vários exemplos foram coletados no SXSW. Vários painéis e pesquisas procuraram ilustrar essa dinâmica que soa um tanto ultrajante para espíritos mais tradicionais. Porém, é inegável que a Geração Z representa já cerca de 1/3 da força de trabalho disponível nos diferentes mercados mundiais. Obviamente, a geração Z compareceu em peso ao evento, com uma obtura diferente dos millennials e suas crises de identidade eternas.
O fim do espírito de dono
Sim, não adianta empregar as velhas técnicas de engajamento para seduzir o jovem a “vestir a camisa” da sua empresa. Eles querem flexibilidade, organizam-se mais rapidamente por redes sociais e dispensam sindicatos. Odeiam intermediários, e não veem valor em nada que não possa ser resolvido pelo celular. Logo, não tente chamá-los para se “sentirem donos” da sua empresa. Eles são e só querem ser donos do próprio destino.
Por outro lado, estamos diante de um conjunto de pessoas que valoriza diversas formas de educação, que quer aprender e experimentar mais atividades, não exatamente se sentindo na obrigação de conhecer profundamente nada do que interessa.
Ser um potencial freelancer, na verdade, é uma forma de buscar esse aprendizado e estar aberto a novos estímulos. É a busca intensa por dopamina para suplantar um certo desencanto e apatia na vida. Vários trabalhos podem satisfazer sua busca por emoção, gratificação e significado como se disputassem um jogo no qual devem apostar em várias alternativas para obter a recompensa esperada.
Para a geração Z, o uso intenso de Inteligência Artificial é visto de forma positiva, como forma de permitir trabalho mais rápido, menos operacional e com capacidade para dar a a esses jovens mais tempo livre.
Reinventar e redesenhar o formato de trabalho será praticamente obrigatório. Nesse sentido, o uso de IA para acelerar os testes sobre formatos que permitam um trabalho mais flexível e maleável, que acomode a inquietação e o talento natural dos jovens, é obrigatório. Ao mesmo tempo, o uso de softwares convencionais, como os clássicos Word, Powerpoint e Excel serão contestados, na medida em que um ChatGPT poderá assumir esse trabalho de uma forma mais rápida e prática (para os jovens, obviamente).
Trabalhar para viver
Encarar a vida a partir do trabalho não faz parte da consciência da geração Z. Da mesma forma, eles estão longe de aceitar um emprego que se assemelhe a um playground. Preferem trabalhar em qualquer lugar que não seja todos os dias dentro de um escritório com a obrigação de se relacionar com pessoas com as quais não têm afinidade.
Essa nova mão de obra trabalha para viver e não vive para trabalhar. Para eles, “trabalhar duro” não guarda relação com muitas horas de atividade, mas sim investir tempo, energia, habilidades para conseguir resultados sem sacrifícios. Essa noção perdeu o sentido. Por quanto tempo? Quando esses jovens envelhecerem não sentirão o tempo perdido renunciando ao trabalho duro?
Lidando com a incerteza
Diante de um mundo tomado pela incerteza, pela polarização e pelo cinismo corporativo, a geração Z está aberta a investir tempo e dinheiro (e seu celular) em projetos pessoas. Internamente, as empresas terão de adaptar seus valores para se adaptar a uma força de trabalho com habilidades inexistentes nos colaboradores mais velhos. Eles já escrutinam metodicamente as empresas que os procuram oferecendo vagas (e também as que eles almejam trabalhar). Porque o alinhamento de valores e as expectativas precisam ser convergentes para retirar a incerteza ao menos da relação de trabalho.
Provavelmente a “festa da firma”, “o almoço com o chefe” e a viagem de negócios para lugares que sejam desinteressantes não fazem brilhar os olhos dos jovens. Se estas ocasiões eram disputadas intensamente pelas gerações anteriores, vale a pena considerar que o jovem prefira ficar em casa jogando videogames…
É muito importante tentar esclarecer porque uma ocasião de networking profissional seria importante. Considerando que o plano de carreira, a medida de sucesso que as gerações anteriores cultivaram parecem vazias para pessoas que pensam apenas em trabalhar, receber exatamente o que merecem pelo que fizeram sem mais vínculos ou obrigações.
Os impactos dessa maneira de pensar e de agir serão imensos, até porque, como se viu acima, não sabemos como os jovens de hoje se comportarão quando forem os sêniores de amanhã. O fato é que num horizonte próximo, o trabalho será ressignificado, ganhará novos indicadores de eficiência e engajamento e resultará em empresas diferentes.
Os diferentes painéis e debates do SXSW que envolvem o comportamento da Geração Z ajudam a compor um cenário corporativo em mutação. Quais serão os impactos e consequências dessa visão pragmática e árida do trabalho ainda estão por serem descobertas.