Claudio Galeazzi é um especialista em crises. Sem exageros. O executivo de 77 anos já foi responsável por conduzir empresas do porte do Grupo Pão de Açúcar, da BRF e Lojas Americanas. Mais do que comandar essas companhias, Galeazzi chefiou verdadeiras reestruturações nelas, com direito a pesados cortes de custos e de pessoas. Ele mesmo define a sua gestão como mais pragmática do que criativa. “A criatividade é fantástica, mas também precisa ser muito racional”, diz ele, que atualmente trabalha como conselheiro de empresas como BTG Pactual e Smiles, além de tocar com o seu filho a consultoria Galeazzi & Associados, especializada em reestruturações.
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Em entrevista para a Consumidor Moderno, Galeazzi dá a sua visão sobre como unir inovação e responsabilidade financeira, ainda mais em tempos de crise, as suas lições de gestão após quase cinco décadas comandando empresas e até mesmo sobre o conflito de gerações dentro das corporações. Confira:
No ambiente de inovação, especialmente no mundo de startups, muitas empresas queimam caixa em busca do crescimento. Algumas dão resultado e outras não. Na sua opinião, é possível aliar uma gestão responsável à inovação?
Os gestores sempre precisam ser responsáveis com os seus investimentos. Eles não podem ser levianos. Eu acredito que dá para ter inovações no seu próprio negócio, mas sem necessariamente precisar reinventar a empresa. Um exemplo é a Gillette. Desde que comecei a me barbear, há 60 anos, a Gillette sempre renova os seus próprios produtos. Ou seja, está inovando e mantendo a empresa à frente, mas sem mudar o seu modelo de negócio. Eu fico muito preocupado, no entanto, quando a inovação sai da esfera do próprio negócio da companhia.
Como o sr. enxerga esses movimentos de empresas queimando caixa continuamente em busca de crescimento? É sustentável?
Quando você tem esses investimentos, no início há uma necessidade de investir para desenvolver um novo negócio. Faz parte. Veja a Amazon, que tinha valorização na bolsa somente pelo seu potencial, e hoje é uma realidade. Mas ela tinha um caixa que permitia esses investimentos. Não era um investimento sem responsabilidade.
Trazendo o problema para o Brasil: ainda estamos longe de superar as crises econômicas e políticas. Como aliar essa gestão de criar novas maneiras de faturar e manter uma estrutura resiliente?
É a procura que toda a empresa faz: buscar novas formas de ampliar o seu próprio negócio. Ou mesmo para sobreviver em tempos difíceis. Nenhuma empresa, hoje, pode simplesmente não inovar o seu próprio negócio. É só ver a Kodak, que era dona absoluta do mercado. Ela mesma inventou toda essa modernidade, a deixou de lado e foi à falência. Tem que buscar novas condições, mas sempre dentro do próprio negócio. Se for para fora, é outra coisa totalmente diferente. E eu acho que é difícil esse tipo de coisa dar certo. Há espaço para criar novas formas de faturar dentro do seu próprio negócio.
Na sua experiência como CEO, como você aliava responsabilidade financeira e inovação? É possível?
Normalmente, eu não estava nos processos de criar coisas novas. O que geralmente eu tinha que fazer era consolidar a empresa e fazer com que ela se perpetuasse. Muitas vezes sacrificando o futuro para consolidar um presente. Só dessa forma algumas empresas poderiam ter um futuro. Era muito mais pragmático e mais fisiológico. O negócio era gerar caixa e existem várias maneiras de fazer isso, como vendendo ativos. O BTG foi assim. Teve um momento de crise crítica e a opção do banco foi, na verdade, adotar o pragmatismo. Vender negócios, ativos financeiros e tentar consolidar aquele presente. Não foi exatamente algo novo, mas as vezes o seu passo para o futuro é diminuir de tamanho.
É possível ser pragmático e inovador ao mesmo tempo?
Depende da situação. Em um caso que nem o BTG, o pragmatismo prevaleceu à inovação. Mas na Gillette, por exemplo, é um pragmatismo inovador. Ela continua criando novos produtos, mas mantém o seu próprio modelo de negócio.
E como fazer isso em um momento de crise, em que a empresa precisa reduzir os custos?
A redução de custos precisa ser racional. Não é, simplesmente, você decidir de maneira linear: preciso cortar 20%. Isso é errado e prejudica a empresa.
E como está enxergando o atual momento das empresas brasileiras?
Em qualquer setor, claro, vão ter empresas que se sairão bem e outras que afundarão. Na verdade, o que difere uma empresa de outra não é a inovação em si, mas a gestão. Por isso que, diante de uma crise, eu acredito que é necessário adotar uma postura mais pragmática e as vezes menos criativa. A criatividade é fantástica, mas também precisa ser muito racional.
O sr. passou por varejo, indústria, banco, entre outros. Existe algo que é comum em todos os setores?
A busca por resultado, claro. Todas as empresas têm as suas características e suas peculiaridades, mas todas têm algo em comum que é a gestão. Você precisa ter uma boa administração e conhecimento do negócio. Isso é fundamental.
Na sua opinião, uma boa gestão de hoje é diferente das décadas atrás?
Sem dúvida. A gestão também teve um processo de modernização e o desafio também aumentou. A comunicação, agora, é muito mais rápida. A velocidade que qualquer assunto fica conhecido é altíssima. É necessário que o gestor tenha uma velocidade muito grande para acompanhar essas mudanças, muitas vezes bruscas. A principal mudança foi a rapidez com que as coisas acontecem no mundo dos negócios.
E o que o sr. fazia antes e não faria hoje se voltasse a comandar uma empresa?
Lá atrás, eu cortava os custos de forma draconiana. Hoje em dia, não faço mais isso. Apesar dos cortes serem profundos, eles têm um racional atrás da implementação de redução de custos. Admito que era irracional cortar linearmente. Hoje em dia, você tem que cortar analisando cada área. Ou seja, um gestor pode até cortar uma área e aumentar outra. Se não houver um processo racional, a empresa não terá um efeito positivo em sua recuperação ou na melhora de performance. Antigamente, se pensava sempre em reestruturação forte.
E o contrário? O que o sr. faz hoje e que não costumava colocar em prática antigamente?
Bem lá atrás, não aproveitava as expertises que tinham dentro da empresa. Não é possível você entrar com uma equipe nova e não utilizar as competências dentro da empresa. Eu só fazia isso quando realmente não encontrava a qualidade necessária dentro da companhia. Mas foram raras as vezes que eu fazia isso.
Aos 77 anos, como o sr. enxerga a questão geracional para você dentro das empresas? Há um conflito entre diferentes gerações?
Normalmente, nas grandes empresas têm jovens com uma escolaridade fantástica e uma maturidade pessoal bastante boa. Mas falta, muitas vezes, quilometragem. É a tal da maturidade profissional, que não é instantânea. O que eu vejo em muitas empresas são jovens extremamente bem formados passarem a administrar empresas da economia real com a cabeça de finanças. E isso não é possível. Outro exemplo é quando uma empresa é comprada por um fundo e o responsável por esse fundo tenta impor a sua racionalidade ao fundador, que provavelmente é mais velho do que ele. Desta maneira, a empresa perde todo o fundamento que fez ela crescer. Em outras palavras, os jovens têm muito conteúdo, mas há momentos em que não conseguem colocar esse conhecimento em prática pela forma que tentam aplicar.
É questão de soberba, na sua opinião?
As vezes um jovem pensa que o dono de uma empresa não sabe nada, mas precisa lembrar que ele construiu uma empresa do zero. O jovem pode até ensinar algo e o empresário mais experiente até pode querer aprender. Mas tudo depende da forma de passar o conteúdo. Essa é a maior crítica que tenho aos jovens.
E o maior elogio?
A inteligência. Eu tive que me adaptar às modernidades, desde iPad até celulares, enquanto vejo a minha neta de sete anos fazendo tudo com facilidade. Os jovens tiveram um preparo muito maior do que as gerações antigas. Existe muito mais material hoje do que antes.
O sr. tem algo que se arrepende em sua carreira?
A gestão dos negócios de hoje começa pela gestão da própria pessoa. Eu, durante muitos anos, trabalhava muitas horas por dia, sábados, domingos e feriados, e existem épocas da minha vida nas quais não lembro dos meus filhos. Eu não lembro dos meus filhos quando eles tinham sete anos, pois eu não tinha tempo para isso. Quando eu dou uma palestra e falo com jovens, sempre digo que eles têm que ter ambição e trabalhar muito, mas não podem esquecer da própria vida. Um profissional tem que cuidar de si mesmo. Desde o cuidado com a família até alimentação e exercícios. Existem momentos para trabalhar e momentos para cuidar da sua própria vida.