Ao nosso redor, desde acordar até dormir, temos práticas rotineiras em que utilizamos produtos e serviços com os quais, devido à rotina, acabamos naturalizando. Em cada atitude que tomamos estamos consumindo algo. E nem estamos levando em consideração o oxigênio ou a energia de que precisamos para sobreviver… Pois isso é básico e necessário para existirmos.
Ou seja, o consumo, ao contrário do que muitos pensam, não pode ser observado somente pelo caráter de luxo, consumismo (exagero), ostentação ou pela carência de bens. Segundo a antropóloga Lívia Barbosa, em todas as sociedades, o consumo é o mediador de práticas e de relações sociais. O uso de bens e até as nossas experiências podem ser considerados consumo. Consumir é uma das atividades mais básicas do ser humano – pode-se viver sem produzir, mas não sem consumir.
O consumo sacia nossas “necessidades” e media relações sociais, “construindo” identidades, status e fronteiras sociais, autoconhecimento e formação de nossas expressões pessoais.
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No senso comum, ainda é muito forte a noção pejorativa do consumo. Ao falar sobre isso, sempre levamos para as questões morais e econômicas. Mas precisamos entender que o consumo é mais que isso; ele vai além do simples uso, posse e fruição de bens; ele permeia todas as dimensões da nossa vida social. É por meio do consumo que nos identificamos com algo, construímos nossos gostos, estilo de vida e marcamos nossas posições políticas na sociedade.
A Antropologia tem um papel importante nessa nova abordagem do tema. Na verdade, o que se observou é que o viés economista e utilitário do ser humano como ser maximizador de suas satisfações é limitado; a preponderância de se debruçar somente no processo produtivo não consegue dar conta de outras dimensões sobre o gosto, o estilo de vida e a reafirmação de identidades.
Como podemos entender o mundo de bens e serviços se ele não produz nada palpável? Como observar as relações sociais sobreposta num bem de consumo? Como entender o consumo de signos, experiências, algo intangível e imaterial? O consumo somente existe numa sociedade capitalista? E como entender outros tipos de satisfações e obrigações que temos em nossas vidas e são satisfeitas com o ato de consumir? Como entender os anseios mesmo tendo certa consciência de consumo e papel ativo em nossas escolhas? Aí entra a discussão dos aspectos simbólicos e culturais do consumo. É preciso muito mais do que ter respostas, precisamos acompanhar o processo de suas construções, entender uma teia de significados entrelaçados nas atitudes decisórias, usabilidade e rituais de consumo conscientes ou não.
É pra isso que existe a Antropologia aplicada, para fazer a ponte entre significados e valores que estão dentro das relações, e é isso que me proponho a fazer aqui com essa coluna que começa hoje. Que eu seja uma ponte.
Hilaine Yaccoub (@hilaine) é PhD em Antropologia Social (UFF/RJ) e tem como propósito compartilhar com as marcas tudo o que aprendeu em seus quase 20 anos de experiência como pesquisadora, palestrante, consultora e especialista em antropologia do consumo.