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Os desafios do açougue em tempos de transformação digital

Os desafios do açougue em tempos de transformação digital

O Walmart deu início a um movimento pelo fim da manipulação de carne na loja nos EUA e, dessa forma, passou a bola para a indústria. Os frigoríficos aceitaram o desafio, mas já enxergam do retrovisor a aproximação de startups de olho nesse negócio

Foi em 2001 que o Walmart, nos Estados Unidos, adotou uma posição de negócio que mais tarde seria acompanhada por outros varejistas norte-americanos – e até mesmo mundo afora. A maior rede de supermercados dos EUA simplesmente decidiu interromper o corte de carne nos fundos da própria loja e, dessa forma, passou a vender carnes de todo o tipo (boi, frango e suíno) já cortado e embalado em bandejas recobertas por uma rígida camada de plástico. Isso mudou a relação do dono do supermercado com a indústria e virou sinônimo de um novo tipo de negócio naquele momento: o case-ready meat ou carne pronta para o consumo.

A ideia é que a carne pronta para o consumo seja colocada em uma geladeira e, dessa maneira, possa ser facilmente manipulada por um consumidor. Isso, no entanto, teve sérios desdobramentos na rotina dos supermercados. Nesse sentido, não estaríamos vendo o fim do açougue?

Há quem diga que esse processo de sumiço de açougues vai ocorrer e será inevitável. E olhar o mercado norte-americano ajuda a entender esse movimento.

A mudança do ground beef

A carne moída ou ground beef, segundo o nome dado pelos americanos, tem uma importância semelhante ao arroz e feijão no Brasil. Ele não é apenas usado apenas para a produção do hambúrguer, mas também em outros alimentos como o bolo de carne.

Segundo um levantamento produzido pela consultoria Statista, cada um dos 325 milhões de americanos deve consumir, em média, 27 quilos de carne até o fim deste ano. Desse total, 42,1% representa o consumo de carne moída nos EUA.

No entanto, há um detalhe, por vezes negativo, que envolve o ground beef e que preocupa o governo americano – e, claro, o próprio consumidor. Esse produto, vez ou outra, está relacionado a casos de contaminação pelos mais variados motivos. Um dos mais conhecidos ocorreu em 1993 e se deu a partir do consumo de hambúrgueres da rede Jack in the Box – uma concorrente do McDonald’s. Ao todo, foram registradas quatro mortes e cerca de 700 internações em 11 diferentes estados americanos.

Existiram outros registros similares de identificação de contaminação. Houve um caso em 2004 e outro em julho deste ano e que envolveu a empresa Cargill: ela foi obrigada a recolher quase 12 toneladas de carne do varejo dos EUA.

Em muitos casos a identificação da causa é difícil e pode estar relacionada a problemas no manejo da carne feito pelo varejo, a indústria e até mesmo o próprio consumidor – afinal, um quarto dos americanos, por exemplo, consome o ground beef a uma temperatura abaixo do nível de cozimento seguro ou que poderia eliminar certas bactérias.

Esses acontecimentos levaram o poder público a editar normas de proteção do consumo de carne.  Uma delas ficou conhecida como pelo apelido de “COOL” e passou a valer em 2013. Em linhas gerais, a norma exigia informações no rótulo com a origem e a maneira foi abatida o animal. A lei, no entanto, acabou revogada naquele mesmo ano por iniciativa do próprio congresso americano e, entre tantos argumentos contra ou a favor da lei, a partir do fato que teria que desembolsar quase um U$ 1 bilhão na rotulagem, uma vez que ela é a última milha antes do consumidor.

Além disso, o varejo percebeu que a situação ficaria cada vez mais complexa (sob a ótica legislativa) e cara nos EUA, especialmente quanto ao valor pago aos seus funcionários. O próprio mercado estima uma perda de 20% do total de um boi abatido desde o processo industrial até a manipulação da carne no varejo. Sendo assim, o jeito foi deixar esse processo para a indústria. E, ao que tudo indica, esse será o caminho.

Bricket

A Consumidor Moderno foi aos EUA a convite da brasileira JBS e viu de perto essa mudança pelo fim do açougue e prestígio ao case-ready, seja para carne, suíno ou frango.

A JBS atua no mercado EUA há 11 anos, mas apenas a cinco decidiu investir nesse tipo de alimento. “Há cinco anos, a empresa não produzia nenhum case-ready de ground beef (carne moída) nos EUA. Hoje, temos três plantas exclusivas para esse fim. Esse movimento ganhou força com o Walmart e, de lá para cá, alguns varejistas adotaram um caminho parecido”, lembra André Nogueira, presidente da JBS norte-americana, companhia que se tornou uma das líderes da indústria de proteína nos EUA e mundo afora.

Reprodução/ Youtube

A produção hoje de uma carne pronta para o consumo e já embalada na JBS supera os 200 milhões de pounds por ano (algo em torno das 90 mil toneladas). Essa preocupação com o mercado consumidor resultou no desenvolvimento de novas embalagens por diversos players da indústria, inclusive a empresa brasileira.

A bandejinha com a carne, por exemplo, não deve ter uma vida longa no varejo americano. Uma das apostas é  embalagem conhecida como bricket. “O grande crescimento não é mais na bandejinha. Agora é no bricket, uma espécie de tijolinho feito de carne e embalado a vácuo. Ele tem um shelf of life (tempo de vida) muito melhor. É nisso que estamos investindo”, afirma André.

Reprodução/ internet

Ao que tudo indica, o varejo gostou da novidade e o número de adeptos está crescendo. Além do Walmart, a Target é outro grande varejista que optou por não manipular a carne no açougue da loja. Mas existem outros varejistas.

Outro estudo, desta vez produzido pela Foundation for Meat and Poultry Research and Education, entidade sem fins lucrativos ligada à indústria de proteínas dos EUA, conversou com 55 grandes varejistas e concluiu que, sem exceção, todos estão de olho no comércio de alimentos nesse formato. A diferença entre elas está no estágio de implementação do projeto.

De acordo com o estudo, 24% vendem apenas a carne pronta para o consumo. Os demais 76% vivem estágios diferentes de implantação, mas todos seguem na mesma direção: 22% estão em um estágio considerado avançado, 39% deram o primeiro passo e os outros 15% ainda pensam na melhor forma de oferecer o produto no mercado.

Açougue on-line

O processo de industrialização de corte em larga escala, no entanto, não será fácil. Em tempos de transformação digital e do uso de dados para identificar gostos cada vez mais específicos (quase íntimos) de cada consumidor, há um processo de customização em massa. Nesse sentido, a carne não é exceção. Ela está passando por um processo de “descomoditização”, algo que lembra o recente movimento da “do it yourself” que ocorreu com a cerveja.

Há alguns indícios de que isso pode estar ocorrendo. A Amazon, por exemplo, adquiriu a Whole Foods não apenas pensando em entrar no varejo físico de alimentos. Ela também quer expandir o seu negócio de venda de alimentos, que no último ano foi de US$ 4,7 bilhões. À primeira vista, esse valor parece razoável para o mundo dos negócios, mas significa apenas 1,8% do seu faturamento anual da empresa de Seattle.

A ideia, segundo dizem alguns especialistas americanos, é que a Amazon teria comprado a confiança que existe entre a Whole Foods e o seu consumidor por US$ 13,7 bilhões. Dessa forma, ele poderia transportar essa confiança para dentro do e-commerce, rompendo assim o que alguns dizem ser a última resistência do consumidor com a venda de produtos pela internet: os alimentos frescos.

Startups

Enquanto esse elo não se entrelaça de fato, há interessantes iniciativas que unem o mundo digital e físico quando o assunto é venda de carne. Um exemplo é o trabalho feito pela Porter Road, uma espécie de startup do setor de açougue e que, de certa forma, vai na contramão ao movimento de industrialização de corte e manipulação de proteína.

A história da empresa, inclusive, lembra o roteiro de muitas startups que surgiram no Vale do Silício. Um dia dois amigos, os co-fundadores James Peisker e Chris Carter, se conheceram em um restaurante de Nashville, nos Estados Unidos, e notaram que a carne pedida do cardápio não condizia com a promessa por escrito do cardápio. Juntos, os dois experts em carne, passaram a visitar alguns restaurantes e até açougues. Ao longo desse tour da proteína, eles notaram um gargalo importante: poucos lugares sabem manusear a carne. “Fizemos uma longa pesquisa e notamos um gap nesse setor. Não havia onde recorrer a carne e corte local de alta qualidade”, afirma James.

Na foto, Chris (esq.) e James (dir,) Crédito: Porter Road/ divulgação

Essa percepção virou o negócio da dupla. Assim, a empresa virou nicho: especializou-se na curadoria do processo de escolha e corte de carne para o consumidor final. James lembra que o problema do corte foi imediatamente resolvido pela empresa, mas faltava o essencial: a escolha de uma carne de qualidade. Dessa forma, a dupla também se dedicou a criação do gado e também partiu em busca de pequenas fazendas que utilizavam o mesmo processo. Em 2017, outro passo corajoso da empresa: transportou a Porter Road para o mundo on-line.

“Somos capazes de supervisionar todas as etapas do processo, desde o check-in de nossos agricultores até o corte de pedidos personalizados. O consumidor quer a customização e, de alguma maneira, isso vai impactar o mercado”, acredita James.

É difícil imaginar como vai ocorrer a uberização da indústria de carne. No entanto, é inegável que o próprio setor de proteína está à procura de inovação. E a JBS, apesar do seu faturamento global e crescente de US$ 55 bilhões, não será exceção.

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