Por muito tempo o trabalho das empresas e seus núcleos de marketing foi razoavelmente simples: identificar o ‘target’, delinear os grupos que o formam e, a partir de seus perfis, pensar as melhores campanhas para eles. Esta espécie de compartimento pré-pronto de características no entanto está hoje totalmente revirado, a tarefa de defini-los se tornou muito mais complexa e o principal culpado tem nome: smartphone.
É esta a tese central do antropólogo Michel Alcoforado, sócio-fundador da empresa de pesquisas e tendências comportamentais Consumoteca. “Sabe aquele seu briefing ‘mulher de 30 a 50 anos da classe C’? Pode esquecer”, provocou o empresário durante palestra apresentada no segundo dia do Conarec 2016, em São Paulo. “Nós estamos redefinindo hierarquias no Brasil. Os padrões que temos em mente para cada um desses recortes se foram pelo ralo e hoje tudo é muito mais misturado do que isso”.
Com humor, Alcoforado usou a história de sua faxineira – Angélica, moradora do subúrbio carioca – para ilustrar o fenômeno que tentava explicar. “Desde que comprou um smartphone, há pouco tempo, Angélica passou a acompanhar blogs de moda, aprendeu penteados e dicas de maquiagem com expoentes do movimento negro, segue a BBC, o New York Times e o Le Monde no Facebook e faz diversos posts temerosos sobre a ascensão de Trump nos Estados Unidos”, contou, mostrando fotos e postagens reais de Angélica em seus perfis nas redes sociais. E como ela lê todas estas coisas? “É só clicar no botão ‘traduzir’, seu Michel”, explicou a moça certa vez.
A trajetória de Angélica comprova o que as constantes pesquisas da Consumoteca rastreiam: com a facilidade de acesso promovida pelos smartphones, as fontes de informação foram democratizadas, e o fosso que separava com os diferentes grupos sociais, de gênero ou de geração foi enfraquecido. Isso, ao mesmo tempo em que abre um mercado exponencialmente maior para as marcas, também embute o desafio de saber como defini-lo.
“Antes, para saber o que era Hermes e Louis Vuitton tínhamos que comprar a Vogue, a Elle, a Exame. Hoje o conhecimento está em qualquer lugar, e a Angélica, uma empregada doméstica do subúrbio do Rio, pode conhecer as mesmas coisas que a minha mãe, típica mulher da classe média alta brasileira”, disse. “E o conhecimento é ainda a mola mestra do consumo. Porque a gente só pode desenhar o que a gente conhece.”