Assim como na série Deuses Americanos, baseada no livro de mesmo nome de Neil Gaiman, as tradições antigas podem estar abrindo espaço aos novos “deuses” da era moderna: a Internet, as novas tecnologias, a mídia e a globalização.
Por mais que as religiões e a espiritualidade pareçam díspares à tecnologia, os meios digitais estão fornecendo mais possibilidades para exploração da espiritualidade fora dos templos.
Mas se engana quem pensa que a espiritualidade virtual se resume a aplicativos de meditação e mindfulness, ou versículos online – existem infinitas opções no mercado, que vão desde recursos virtuais de leitura da sorte, planners digitais para jejum devocional, podcasts místicos e celebrações via hangout.
Oito usuários contam suas experiências com o paradigma espiritual e digital
Para membros das gerações X, Y e Z e suas rotinas aceleradas, os recursos digitais aparecem como fortes aliados para inserir as práticas no cotidiano.
Conversamos com oito pessoas que não abrem mão dos meios virtuais na hora de praticar suas crenças, para entender como a fé se intersecciona com o digital.
Para a agente de atendimento Adria Costa, de Brasília, as redes sociais são mais um jeito de expressar a sua fé. “Utilizo a minha rede social para falar da minha espiritualidade.” Ela conta que tem uma página no Facebook e uma conta no Instagram para compartilhar imagens relacionadas à religião, mas é discreta em relação a isso. “Faço tudo com privacidade. Minhas redes sociais são fechadas, e os meus amigos virtuais são pessoas que eu conheço”, conta.
João Arruda, joalheiro do Rio de Janeiro é usuário assíduo de aplicativos de tarô, e acredita que as pessoas deveriam se abrir mais ao misticismo conectado. “Percebo que muitas pessoas nutrem certa animosidade em relação a usar esse tipo de ferramenta, por não se tratar de uma prática tradicional.” Para o carioca, vale a pena experimentar de tudo um pouco: “Acredito que tudo que torna nossas vidas mais práticas deve ser experimentado. Procuro facilitar minha vida ao máximo, e na prática espiritual isso não é exceção.”
A psicóloga Francini Gervaes, de São Paulo, concorda que os recursos digitais facilitam suas práticas religiosas: “Relaciono minha vida espiritual com o meio digital com praticidade. Aplicativos e sites fazem com que eu consiga lidar com as demandas do dia a dia, e ao mesmo tempo me conectar com o divino.”
Já Thania Werneck, designer e ilustradora de Brasília, encontrou na Internet meios de aprimorar seus estudos de tarô e astrologia. “Ouço leituras de tarólogos e astrólogos para melhorar meus conhecimentos.” Para Thania, a tecnologia possibilita novas fronteiras para o desenvolvimento espiritual. “Acredito que a nossa plasticidade é fantástica. Conseguimos usar a tecnologia como ferramenta que nos permite chegar a lugares impensados. Conseguimos também criar coisas e conteúdos de maneira incrível.”
Minerva, irmã de Thania e companheira de estudos de tarô, concorda que a tecnologia deixou a sua vida espiritual mais prática. “[Aplicativos] me ajudam a carregar menos coisas e ter respostas mais rápidas no dia a dia. Por exemplo, não preciso andar com um tarô, toalha de tarô, runas, velas etc na bolsa, basta acessar o aplicativo e resolver a questão.”
“Acredito que a nossa plasticidade é fantástica. Conseguimos usar a tecnologia como ferramenta que nos permite chegar a lugares impensados”
Thania Werneck, designer e ilustradora
As mídias sociais também funcionam como rede de apoio e troca de informações entre novatos nas práticas místicas. Guilherme Arthuso, webdesigner de São Paulo, descobriu suas crenças através da Internet. “Acredito que, como cresci com um computador à disposição, e uma vontade de explorar religiões, a Internet me ajudou a estudar e conhecer pessoas para tirar dúvidas.” Ele complementa: “o meio digital proporciona cursos, debates e troca de ideias. Por trabalhar com computador o dia todo, acabo misturando minha vida espiritual com o digital frequentemente.”
Já Rodrigo Carvalho, historiador e tarólogo, é usuário de oráculos digitais por compreender que a habilidade da leitura da sorte não vem do objeto em si, mas de quem o opera. “Uso aplicativos para ler tarô, runas, geomancia e principalmente astrologia há muitos anos. Nunca tive o menor problema em usá-los, porque entendo que a conexão com o oráculo não se dá pelo meio, mas pela prática do próprio oraculista.” Sobre o paradigma entre o mundo digital e as esferas espirituais, ele complementa: “a experiência espiritual é, antes de tudo, algo que acontece de modo interno a nós. Ela passa pelo plano dos significados. Então, todo e qualquer meio que você utilize como processo de input e output entre nossa psique e o mundo externo, vai estar integrado necessariamente às nossas práticas espirituais.”
Aileen é praticante de Wicca, uma religião influenciada pelas práticas pré-cristãs da Europa, e se viu distante de sua comunidade após uma mudança repentina para Bruxelas, na Bélgica, para trabalhar com pesquisa acadêmica.
Para ela, as práticas litúrgicas online – que são comuns dentro do seu grupo – permitem não apenas que ela continue envolvida com seus companheiros, mas que pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo sejam incluídas lá dentro. “Frequentemente fazemos hangouts para colocar as práticas em dia. O nosso grupo possui pessoas de todas as regiões do Brasil, além da Bélgica e do Canadá. Uma vez que a espiritualidade está dentro de nós, esses limites geográficos não existem.”
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