*Por Jacques Meir – Enviado especial ao Cannes Lions
O Festival de Criatividade Cannes Lions teve um dia voltado para a defesa da diversidade e, particularmente, da afirmação do poder feminino. Dois painéis em especial foram destaque da programação pela força dos argumentos em favor de uma nova postura de respeito às mulheres. O primeiro painel – “Jefferson Hack snd Samantha Morton – Champion Female Creative Talent” trouxe uma conversa incrivelmente sensível e envolvente do jornalista Jefferson Hack, Diretor Editorial e Publisher da revista Dazed com a artista e diretora Samantha Morton (Minority Report, Amor para Sempre, Elizabeth – A Era de Ouro, Decoding Annie Parker). Samantha é uma ativista em favor da expansão das oportunidades das mulheres no outro lado da câmera. Isto é: como diretoras de cinema.
Em sua carreira, resolveu aventurar-se por trás das câmeras, mesmo diante de uma estatística assustadora. Apenas 6% dos grandes filmes lançados em 203 tinham mulheres como diretoras. Samantha então segue o propósito de ser uma artista mais engajada, mais crente em seus princípios, mesmo respeitando Hollywood e sua enorme capacidade técnica. Ela diz se identificar muito mais com Steven Spielberg do que com Tom Cruise, com quem trabalhou no famoso Minority Report, de 2002. Ela foi veemente em valorizar mais a postura de um profissional engajado como Spielberg do que uma celebridade como Tom Cruise. E exatamente por isso que ela evita ser vista como uma celebridade. Samantha não perde conexão com a realidade e gosta de priorizar seus valores, livros, andar pela cidade e de fazer suas próprias escolhas, seja como atriz, seja como diretora.
Samantha gosta de fazer cinema independente porque tem maior liberdade de escolha. Em Hollywood, profissionalismo extremo a parte, tudo é orientado ao business. Ela respeita e valoriza essa postura mas quero ter suas escolhas sobre as histórias a serem contadas. “Em Hollywood sempre há 6 ou 7 pessoas dizendo o que você deve fazer. Isso é difícil de lidar. Eu penso que quando estou um contexto qualquer, imagino novas situações que não necessariamente são normais”.
Essa postura engajada a levou a integrar o Female Firsts – iniciativa da revistta Dazed, comandada por Jefferson Hack, para apoiar a causa das mulheres na indústria cultural de maneira geral e no cinema em particular. Há enorme disparidade de gêneros na indústria de cinema, de um modo sem similar em outras atividades. Por meio da Female Firsts, Samantha enfatiza que precisa e que pode inspirar jovens mulheres a participar ativamente da indústria. Mas é possível ter educação de cinema? A artista é enfática: “o que precisamos é educar mais mulheres sobe cinema para que possamos despertar nelas o interesse e o talento de executar e de ser melhor e melhor na atividade”. jJefferson complementa: “será um risco dar um filme de orçamento significativo para mulheres? Esse é um problema real. A opinião masculina prevalece e o filme não chega até uma mulher”. Samantha complementa: “a iniciativa é sobre fazer de nossas crianças cientistas, diretoras ou o que elas quiserem e não pensarem em seguir carreiras de “mulheres” Temos o poder de mudar e podemos fazer.
Ao final do painel, Jefferson Hack deixou seu próprio número de celular para a platéia, colocando-se à disposição de quem quiser apoiar a causa. O editor foi muito aplaudido e deixou bem claro que o ideal era sempre buscar engajamento em tempo real.
Injetando vida na arte
Samantha Morton apontou um problema real. Viola Davis, atriz excepcional, hoje à frente da série “How to get away with murder” (no Brasil exibida pelo canal Sony, nas TVs por assinatura), apontou muitos outros. O painel “Criatividade é a única maneira de sobreviver” foi um mergulho nas inspirações e motivações dos criadores das séries americanas, hoje um reduto de criatividade, talento e ousadia na produção cultural americana.
Viola Davis participou de um debate com Betsy Beers, produtora executiva de “Grey’s Anatomy”, “Scandal” e “How to get away with murder” Pete Nowalk, criador e produtor-executivo da série “How to get away with murder” e Scott Roxborough – Editor edição europeia da revista The Hollywood Reporter.
O debate foi extremamente rico, enfocando como a capacidade de criar histórias reais, oou de profunda capacidade de retratar a realidade vem modificando a cena artística americana. Hoje grandes atores e roteiristas preferem conceder seu talento a serviço das séries, para desenvolver trabalhos mais maduros e consistentes. Viola Davis dá o contexto: “”quando você se livra do medo de falhar, você consegue fazer o seeu trabalho de modo incrível. Olhe para mim. Eu não sou exatamente o tipo sexy, que chama a atenção. Eu sempre tive medo de não me aceitarem em função da minha aparência. Fui obrigada a ser cada vez melhor no meu trabalho”.
A atriz comentou: “Hollywood ainda tem de penar muito para ser progressista. Muitas vezes o artista tem de ditar um novo ritmo para o comportamento das pessoas. Ele é quem precisa ir além e superar as barreiras impostas por uma defasagem cultural natural de um negócio orçado em bilhões hoje em dia”.
Betsy Beers veio do cinema e não tinha ideia de como iria se enquadrar na indústria da televisão. Isso porque no cinema você não pode admitir que gosta ou vê TV. Ela contou que quando viu a ideia de um seriado médico forte, produziu o piloto e apresentou ao pessoal da rede ABC. O piloto mostrava uma médica antes de iniciar um trabalho novo, sai para beber, enche a cara e depois tem uma noite de sexo com um desconhecido. Os executivos da rede perguntaram: “Quem vai se identificar com isso? “Bom”,disse Betsy. Posso dizer que a situação é real. Eu mesma fiz isso uma vez… “. A série foi aprovada e hoje é o fenômeno conhecido como “Grey’s Anatomy”
Se Samantha Morton mantém acesa sua chama criativa mantendo-se fiel aos seus princípios e estilo de vida, Viola Davis e Pete Nowalk acreditam que devem sempre buscar o aperfeiçoamento. Pete diz que se mantém em uma “bolha” para não se deixar contaminar pelos comentários acerca da série. Ele e Viola dizem que o artista devem se questionar o tempo todo.
Mas Viola defende que o comentário do público representa uma forma de colaboração com o artista. E que isso a ajuda a manter a integridade como artista. Bingo! Novamente a integridade como força capaz de dar sentido a atividade criativa.Não negociar os princípios que fazem dos personagens e da história formas de tratar a vida das pessoas. As séries de TV têm a virtude de permitir o desenvolvimento da complexidade de personagens. Isso cria identidade e abre possibilidades de criação. “How to get away…” e outras séries conseguem criar uma personalidade e não um simples personagem. Personalidades que demonstram fraquezas reais, ver cultura e vida direcionando a arte. Colocar traços diferentes de personalidade, que criam estranheza, que tornam o personagem mais complexo e não raso. Isso faz com que o artista (como os bons executivos) consigam enfrentar seu grande medo: o de estar se repetindo, caindo no clichê. Para isso, temos de ter a coragem de ser sempre autênticos. Viola disse, com emoção: “tenho medo de ser percebida como não autêntica. De não ser honesta comigo mesma. É péssimo estar nesse negócio e achar que se sabe de tudo. Tenho de achar novas maneiras de sempre fazer o seu personagem. Não existe a performance definitiva”. Uma lição válida para a maior parte dos executivos e e das empresas que querem manter acesa a chama da criatividade e da capacidade de se conectar com seus consumidores.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão
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