Não há data para as reuniões virtuais irem embora. Na verdade, para muitos especialistas os encontros remotos vieram por causa da pandemia de Covid-19 e devem ficar por um bom tempo, já que facilitaram contatos, reduziram custos para empresas e são a única saída para a vida corporativa enquanto uma vacina definitiva contra o novo coronavírus não for acessível a todos.
O excesso de hiperconectividade, portanto, está em pauta. E com os períodos de escape da tela do computador praticamente zerados – o vai e vem do trânsito, a pausa para o café ou em um bate-papo rápido no corredor davam conta dessas paradas – quem está em casa trabalhando fica quase que integralmente online. A contrapartida é que esse superestímulo pode causar mais ansiedade, perda de foco, frustrações e até tristeza. Por isso, um hábito bem antigo está em alta e é capaz, sim, de ajudar a manter a saúde mental. Trata-se do simples ato de escrever à mão.
“Escrever, manter um diário, é uma das coisas mais saudáveis que existem e traz com ela diversos benefícios. Pesquisadores da Universidade do Texas, em Austin, por exemplo, já demonstraram que têm benefícios inclusive para a saúde física, fortalecendo células do sistema imunológico”, diz Viviane Santiago, Mestre em Clinical Mental Health Counseling e terapeuta sênior na Sam Houston State University, no Texas. Ela é a especialista consultada para compreender melhor como esse processo da escrita pode ser útil neste momento em que vivemos. Se você ainda não ficou convencido de que manter um caderno ao estilo moleskine – e lápis ou caneta por perto – fazem a diferença, principalmente em uma era cada vez mais online, acompanhe o que diz a expert:
De olho na saúde mental
A atual onda de incerteza causada pela confluência das crises econômicas e sanitárias fez o tema da saúde mental entrar em foco e não sair mais. Portanto, é imprescindível cuidar de como a gente se sente: “Escrever sobre situações em que você passou muita raiva ou tristeza, só para citar dois casos, ajuda a diminuir a intensidade desses sentimentos. E isso faz a pessoa se acalmar, estar mais presente, estar no momento. Assim, você responde às situações de forma mais equilibrada”, explica ela.
Diário pessoal x estresse
“Quando você escreve sobre o seu dia, esse ‘escrever’ se torna uma forma de gerenciar o estresse, e isso reduz o impacto dele também na sua saúde física”, explica Viviane. “Kasee Bailey, uma autora norte-americana especializada nos benefícios do que ela chama de ‘journaling’, ou seja, no ato de escrever, fala muito sobre os benefícios dessa prática e ressalta como ela ajuda a entender melhor a si mesmo e, por isso mesmo, combater o estresse já que através da escrita você vai se dando conta de como está se sentindo em relação ao que acontece contigo e ao seu redor”, explica. “Se eu perguntar a você como está agora, a maioria das pessoas provavelmente dará uma resposta automática. Mas quem parar por 40 segundos e desacelerar, notará o que está sentindo e não tinha nem consciência. Mas seguia carregando do mesmo jeito”. Comece, então, respondendo a essa simples pergunta: como você está se sentindo?
Online demais, offline de menos
Para Viviane, existe uma correlação entre o uso de internet e a depressão, em especial no caso das redes sociais: “Você pode achar que as outras pessoas são mais felizes por causa desse aspecto negativo que é a glamourização. Ela te leva a percepções alteradas sobre os outros usuários”, explica. Portanto, como se passa cada vez mais tempo no ambiente virtual, essa exposição vai além das tarefas de trabalho e ocupa as interações sociais. “O componente da validação também gera a ansiedade. Pensamentos como por exemplo ‘Troquei minha foto, ninguém curtiu. Será que sou feia?’ são gatilhos. Quando interage dessa forma, a pessoa sente ansiedade e julgamento, e já vai olhar a postagem procurando ver se conseguiu corresponder às expectativas da comunidade online”, explica Viviane Santiago. Vale refletir sobre a forma como se está estabelecendo essas relações e quanto tempo está investindo nelas.
Como criar o hábito de escrever?
Como é algo a ser desenvolvido, esse “projeto” precisa receber energia dedicada, explica a expert. “Sugiro escrever pelo menos 20 minutos por dia, três ou quatro vezes por semana. Se você puder fazer isso todo dia será ainda melhor. Faça de forma livre, sem regras, censuras e preocupação com a gramática, por exemplo”, diz. “Você pode ter um tema ou simplesmente escrever sobre o que estiver na sua cabeça.” E fazer isso à mão é melhor do que digitar, é claro. “Em tempos de internet, nos quais tudo é muito rápido; em tempos de multitasking, quando fazemos mil coisas de uma vez só, na maioria das vezes não estamos ancorados no presente momento, no aqui e no agora. Já quando se escreve, a gente desacelera e, nesse desacelerar, é possível se perceber melhor”, conta ela.
Razões para começar
Para finalizar, a Health Counseling lista razões bem práticas do porquê começar já a incorporar esse hábito na sua vida. A primeira delas é: “Escrever é um grande aliado da resolução de conflitos com outras pessoas porque no processo da escrita você consegue se conectar melhor com a percepção do outro”. A especialista também ressalta, em segundo lugar, que escrever aciona partes do cérebro bem diferentes do que o ato de digitar: “A escrita requer um movimento mais complicado dos dedos, da mão como um todo. E esse movimento estimula uma parte do seu cérebro, o córtex motor, o que causa um efeito parecido como o do Mindfulness”. E um terceiro ponto, como explica Viviane, é que escrever libera nosso potencial criativo: “Abre portas para a gente se conectar com soluções com as quais a antes não se conectaria. Cultive o unplugging, crie momentos no seu dia para desligar seu telefone e seu computador”, finaliza ela.
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