O avanço da tecnologia trouxe consigo novos desafios sociais, e um dos mais alarmantes é o crescimento do cyberbullying. O bullying, que costumava ser associado principalmente ao ambiente de instituições de ensino, expandiu suas fronteiras para o mundo digital, dando origem ao termo “cyberbullying”. Recentemente foi publicada a Lei n. 14.811/2024, na qual traz importantes alterações no contexto criminal, como a inclusão dos delitos de bullying e cyberbullying no Código Penal.
Para Fabyola En Rodrigues, sócia das áreas Penal Empresarial e de Compliance do Demarest Advogados, houve “uma preocupação do legislador em punir o crime de intimidação sistemática virtual (ou cyberbullying), tendo em vista o grande aumento da prática nos últimos anos, especialmente após a pandemia da Covid 19. Até então, esses crimes não eram criminalizados, o que trazia uma sensação de impunidade”.
Com a popularização das redes sociais, o cyberbullying encontrou terreno fértil para se proliferar. Jovens e adultos, em sua maioria, são vítimas dessa forma de violência, que pode deixar sequelas profundas tanto emocionais quanto sociais. Em 2023, o Brasil registrou recorde nesses casos, com aumento de 12% na média anual, registrando mais de 120 mil notificações dessa natureza. Os dados são do levantamento inédito feito pelo Colégio Notarial do Brasil, entidade que representa os tabelionatos do país.
Ao se deparar com situações de cyberbullying, a preservação de provas é uma ação de extrema importância, conforme orienta a advogada “Se a pessoa for a vítima, recomendamos que procure tirar um “print” da conversa, postagem, grupo de compartilhamento, mitigando o risco de o autor deletar a prova. Depois, é importante que procure uma autoridade policial para que a correta apuração dos fatos seja feita. Caso a pessoa tenha recebido uma mensagem, tomado conhecimento de uma postagem que contenha cyberbullying, é muito importante não compartilhar, mas sim, da mesma maneira, preservar a prova para que as devidas medidas legais sejam adotadas contra os criminosos”.
Em qualquer situação relacionada ao cyberbullying, a agilidade na adoção das medidas é fundamental. “Em qualquer uma das circunstâncias, recomendamos ter agilidade na adoção das medidas de preservação da prova e de comunicação às autoridades, sendo aconselhável a orientação de um advogado” orienta Fabyola.
Liderança ativa e transparência
O ambiente acadêmico, tanto físico quanto virtual, deve ser um espaço seguro e saudável para todos os seus membros. O bullying e o cyberbullying representam ameaças sérias à integridade psicológica dos estudantes e podem comprometer o ambiente educacional.
Para a professora Ana Cristina Limongi-França, professora da FIA Business School, desenvolver políticas internas das instituições de ensino superior são fundamentais na prevenção e combate a essas práticas.
“Os efeitos das políticas internas são mais potentes quando há cultura organizacional favorável, legislação local, nacional e internacional, regulamentação e normas de conduta na empresa com treinamento prévio e compliance, liderança ativa neste sentido, auditoria interna e externa, transparência, rapidez nas decisões, segurança psicológica e apoio aos atingidos para compreensão, diagnóstico e revisão dos fatores psicossociais e ergonômicos de risco. Enfim, há dezenas de processos, inovações que devem fazer parte da estrutura organizacional, a partir da Política da Empresa e da aplicação da Legislação vigente”, pontua a professora da FIA Business School.
“Outro procedimento importante é ter claro que deve ser uma das Competências Estratégicas de todos os líderes de times de empregados e dos próprios empregados no sentido da sua auto-proteção”, explica Ana Cristina.
O difícil caminho da denúncia em casos de intimidação
Jéssica Lanes, 30, foi uma vítima de cyberbullying, em 2013, e até hoje traz consigo cicatrizes desse crime. “Eu sabia que era vítima, mas não sabia como agir. Lembro que nas postagens do Facebook eles faziam as “zoeiras” em fotos que eu aparecia ao fundo, e sempre tinha um tom ameaçador. Na minha cabeça, qualquer passo meu seria motivo de zoeira”, conta.
Foi quando o caso chegou ao extremo que a vítima tomou coragem para denunciar. A amiga que compartilhava o mesmo apartamento a encorajou a não mais silenciar e a procurar ajuda: “Eles disseram que fariam uma imagem íntima minha, caso eu denunciasse. Porém, essa imagem nunca existiu. Como eu não tinha conhecimento dos meus direitos, e eles entendiam muito de manipulação de imagem, fiquei com medo de que criassem algo no Photoshop para me prejudicar e não quis denunciar, com receio que a situação ficasse ainda pior”, conta.
A natureza dos crimes cometidos por meio de plataformas digitais apresenta uma complexidade única, muitas vezes desafiando as abordagens tradicionais de coleta de evidências, aponta Fabyola En Rodrigues. Por isso, rastrear a autoria desses delitos exige um entendimento aprofundado das tecnologias envolvidas e uma adaptação constante às novas ameaças digitais. Para a advogada, é importante a necessidade de conscientização e capacitação de todos os envolvidos:
“Conscientização da importância de que os fatos devem ser levados a conhecimento dos pais, professores, educadores em geral e autoridades locais; capacitação – vez que a coleta de provas precisa ser feita por profissionais especializados; realização de exame pericial – relevante ter investimento do setor público na capacitação de peritos; em paralelo é necessário que ocorra a remoção do conteúdo criminoso das plataformas digitais – elas devem colaborar para mitigar os danos psicológicos às vítimas; identificação e responsabilização dos autores”, explica. A advogada também alerta que “aquele que compartilha conteúdo criminoso também deve ser igualmente punido”, finaliza.