A Câmara dos Deputados derrubou o decreto do Governo Federal que aumentava as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Duas horas depois, o Senado Federal também rejeitou. A negativa se deu por meio de uma votação simbólica no plenário do Congresso Nacional, que aprovou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para revogar a medida em vigor.
Em outras palavras, as duas votações representam uma derrota política para o Executivo Nacional. O governo, por sua vez, agora precisa encontrar outras formas de arrecadar ou economizar R$ 20,5 bilhões para cumprir a meta fiscal do orçamento de 2025. Vale lembrar que o governo já bloqueou ou contingenciou outros R$ 31,3 bilhões em despesas deste ano.
O cenário fiscal do governo se torna ainda mais desafiador diante dessa situação. As alternativas disponíveis para a recuperação do equilíbrio orçamentário incluem a revisão de isenções fiscais, a análise de gastos públicos e a renegociação de dívidas com estados e municípios.
IOF e consumo: o que vem pela frente?
Calil Gedeon é especialista em Direito e Administração de Empresas, com experiência na New York University. Em sua visão, o Congresso se manifestou de forma clara contra o aumento excessivo de impostos. Isso porque aumentar tributos afeta não apenas o “morador da cobertura”, mas toda a população. “Essa, por sua vez, acaba notando esses aumentos refletidos nos preços em tudo que consome. Em vigor, esse Decreto faria com que as empresas, inevitavelmente, repassassem os custos ao consumidor final. Ou seja, acreditar que apenas o morador da cobertura arcaria com essa despesa é, no mínimo, ingênuo.”
Outro perigo para o consumidor, segundo ele, estava no risco sacado, uma modalidade de crédito em que os bancos antecipam valores para varejistas que realizam vendas a prazo. Nesse caso, Calil Gedeon, que atua como CFO e diretor jurídico da Monkey, o maior marketplace de soluções financeiras da América Latina, é claro: “O Congresso reinstituiu a segurança jurídica. Não existe imposto sobre essa operação em nenhum outro país, uma vez que se trata de antecipação de receita futura, a qual já é tributada. O Decreto de 22 de maio estabeleceu um novo imposto, o que é inconstitucional. O mercado estava em compasso de espera, repleto de incertezas a respeito dos detalhes técnicos sobre o pagamento desse imposto nas operações de risco sacado“.
Votação para a derrubada do IOF
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), conduziu a votação da derrubada do Decreto do IOF.
Segundo o líder do governo no Senado, Jacques Wagner (PT-BA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o Decreto como resultado de um acordo político com os líderes do governo e os presidentes da Câmara e do Senado, e já reduziu o alcance de uma medida anterior que o próprio governo revogou para atender a exigências dos parlamentares. “Essa Casa vive de cumprir acordos. Foi feito um acordo que está sendo descumprido. Eu não acho isso bom para o Parlamento”, criticou Jacques Wagner.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou mais cedo em uma postagem nas redes sociais a decisão de pautar a derrubada do Decreto do IOF. De acordo com ele, a maioria da Câmara não concorda com a elevação das alíquotas do IOF. Isso porque os parlamentares não enxergam o aumento de impostos como solução para cumprir o arcabouço fiscal. Motta cobra a redução de despesas primárias.
IOF e outros impostos
Por outro lado, o governo argumenta que a medida é necessária para evitar mais cortes em políticas sociais e maiores contingenciamentos que poderiam afetar o funcionamento da máquina pública. Ademais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as regras do Decreto corrigiam injustiças tributárias de setores que não pagam imposto sobre a renda.
Entre as medidas propostas no Decreto estavam:
- o aumento na taxação das apostas eletrônicas, passando de 12% para 18%;
- o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para fintechs, que passaria de 9% para 15%, igualando-se aos bancos tradicionais;
- e a taxação das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), atualmente isentas de Imposto de Renda.
Impactos para MPEs
O Decreto fazia parte de um conjunto de medidas elaboradas pelo Ministério da Fazenda, acompanhado de uma Medida Provisória (MP) para reforçar as receitas do governo e atender às metas do arcabouço fiscal.
O relator do PDL em plenário, senador Izalci Lucas (PL-DF), leu um parecer contrário ao aumento no IOF. Segundo ele, a medida impactaria micro e pequenas empresas, operações de câmbio, atividades de seguradoras e entidades de previdência complementar, além de ferir os princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica. “Por sua natureza constitucional, o IOF deve ser utilizado com finalidade regulatória e não como instrumento de arrecadação primária”, destacou.
Na sua visão, o aumento do IOF sobre operações de crédito eleva sensivelmente o custo do capital para as empresas. Por consequência, esse custo se dá nas pessoas jurídicas de menor porte, afetando também os consumidores que dependem de crédito pessoal e imobiliário.
Mais sobre o IOF
O Imposto sobre Operações Financeiras é um tributo federal que incide sobre operações financeiras, como empréstimos, financiamentos e câmbio. O IOF foi criado em 1966, com a intenção de regulamentar e controlar o fluxo de moeda e as transações financeiras no Brasil.
O governo federal pode alterar a alíquota do IOF a qualquer momento, refletindo políticas econômicas e financeiras, e a alíquota varia conforme a natureza da operação.
Além de incidir sobre operações de crédito e câmbio, o governo aplica o IOF também sobre operações de seguros e valores mobiliários. Cabe ainda destacar que, pelo seu caráter regulatório, o IOF pode ser utilizado como um mecanismo para desestimular determinadas operações financeiras durante períodos de instabilidade econômica, ajustando o custo do crédito e, consequentemente, influenciando decisões de consumo e investimento.