Os termos “estratégia cultural” e “tendências” tornaram-se clichês recentemente, com opiniões conflitantes em evidência. Para alguns, a monocultura está morta, ou seja, uma forma de pensar essencialmente elitista e baseada em uma visão de mundo “dominante”, não tem mais espaço na realidade atual.
Para outros, no entanto, há uma linha tênue importante entre “tendências” e “modismos”. E para outros, modas efêmeras nunca foram tão importantes. Qual será o saldo dessas visões e opiniões contrastantes? Há espaço para essas divergências em um mundo que exige posições firmes e monolíticas, no melhor estilo raso comandado pela polarização?
Essa é uma discussão que encontra muito terreno fértil para repercussão nos livros, universidades, empresas e eventos. O SXSW, fiel ao seu estilo plural, trouxe alguns painéis para discutir essa divergência. Um deles, comandado pela Brandwatch, reuniu as perspectivas de pesquisadores sociais da Meta, do Google e do Reddit, para buscar opiniões baseadas em dados, de empresas distintas e que estuda, cada qual, com seus método, o comportamento humano em grande escala, procurando identificar os vetores de sentido da mudança social e como as tendências reais devem e como devem informar as lideranças na elaboração de estratégia.
Esse painel trouxe Shayla Cole, líder de inteligência social da Meta (ex-Facebook), Matt Klein, Head de previsão global do Reddit, Carrie Stern, líder de mensuração e otimização de leads do Google, mediados por Andrew Dawson, Diretor Sênior de práticas de redes sociais da Brandwatch.
A seguir, os principais pontos do debate.
- Há uma aceleração do surgimento de tendências? Parece que surgem tendências o tempo todo. Há milhões de pessoas trabalhando com dados e análises todos os dias. Mas o que realmente define tendências e as separam de modismos. A questão é que, com tantos milhões de conversas e posts sendo publicados, minuto a minuto, há uma fragmentação absurda do que parece ser importante ou do que ganha espaço na discussão das pessoas. O que tendência, o que é modismo e o que é achismo? Para os especialistas, uma tendência reflete um momento cultural de grande alcance e amplitude, uma mudança em curso que, por sua vez, não está necessariamente expressa em mídia social.
- Tendências reais são muito difíceis de identificar, mas a repercussão do que se propaga ou se rotula como tendência ganha tamanho espaço que mesmo sem fundamento real, ganha espaço.
- Tendências não necessariamente fazem parte da cultura. Pessoas podem falar sobre determinado assunto, tornar um tópico extraordinariamente comentado, mas ele não se traduz em mudança real de comportamento. Mais ou menos como “plant based” (feito de plantas), um tema muito mais falado, que tem mais espaço do que significa uma tendência real. Mas “feito de plantas” ganhou espaço cultural, independentemente de ser um tipo de alimento com muitos adeptos.
- Uma tendência também pode retratar o que não muda no comportamento humano, pensamentos e atitudes tão consolidados que irão permanecer intocados por anos.
- “É tudo parte cultura”, como defende Michel Alcoforado, um dos mais originais e instigantes antropólogos brasileiros. A questão é que a tendência normalmente se reflete em uma vontade de pessoas adotarem manifestações culturais mais intensamente, procurando refletir um “zeitgeist” ou atitude emergente. Há engajamento real diante de uma manifestação cultural genuína e de amplitude.
- As tendências ocorrem em ondas. Isso quer dizer que não são fruto de geração espontânea, e sim, parte de movimentos de ecossistemas ativos, que, por sua vez, mostram novas formas de interferir na realidade e ressignificar o existente.
- Uma tendência nunca é linear e eventualmente não é percebida e expressa da mesma forma por pessoas diferentes. A tendência é um princípio e não uma verdade escrita em pedra. Saúde mental, por exemplo, não é uma tendência, ainda que o desespero, a depressão, a ansiedade estejam presentes na nossa vida. Mas sempre estiveram, não tão debatidas, fundamentadas e visíveis, mas são inerentes ao comportamento humano.
- Cuidado com as comunidades de redes sociais que trazem motivos de subcultura para a evidência. Nem sempre um movimento em ascensão representa uma tendência. Normalmente não são.
- Tendências derivam da observação coerente e cuidadosa do que dados e influências geram a partir da cultura em movimento. E sim, vale a pena acompanhar tendências ano após ano, para saber se elas continuam relevantes ou se estão se modificado e se adaptando em outra tendência.
- A compreensão do “zeitgeist digital”. Investigar e analisar dados para compreender como comunidades e manifestações ganham dimensão nas redes sociais, principalmente considerando elementos que possam orientar a inovação e compreender as conversas e indícios que se combinam em conjuntos maiores de dados e representações. Com a colaboração de Inteligência Artificial, a precisão na identificado de tendências a partir dessas premissas ganha escala.