O mundo como conhecíamos mudou em questão de meses. O vírus trouxe o que está sendo chamado de “novo normal” para o dia a dia, mas evitar o contato físico, não sair de casa e ter que usar máscara não é normal. Na verdade, estamos caminhando para um período antinormal. Nesse sentido, é necessário fazer as perguntas certas para entender os novos padrões de consumo e estabelecer vínculos reais com o consumidor.
Para isso, é preciso entender o futuro, e não apenas se preparar para o que está por vir, mas sim ajudar a construí-lo. Nancy Giordano, futurista, estrategista corporativa e keynote internacional do CONAREC 2020, buscou, no painel “Anormal e antinormal: o despertar de um consumidor em reconexão”, compartilhar a sua visão sobre as rápidas mudanças que estão acontecendo e colaborar com insights.
“Estamos vivendo em tempos altamente dinâmicos nos quais as coisas estão mudando rapidamente. Já estávamos nesse caminho e muitas coisas foram amplificadas. Mas, quando falamos com especialista em tecnologias, designers e empreendedores do futuro, eles dizem que estamos a 1% do que irá substituir e mudar nos próximos 20, 50, 75 anos. Talvez a pandemia tenha acelerado isso um pouco, mas não tanto assim. Ainda estamos nos primórdios de tudo que ainda pode ser projetado, reimaginado e repensado, enquanto entramos no futuro”, afirma Nancy.
A estratégia utilizada pela futurista para pensar todas essas mudanças – que já não são poucas – e tentar elaborar planos para elas, começa por respirar fundo. “Reflita sobre onde estamos e o quanto já aprendemos, o quanto conquistamos. E limpe a mente, libere espaço para aprender mais”, diz. O entendimento passa por duas perguntas: “O que o futuro precisa e espera de nós?” e “O que somos, em uma posição única, para criar e contribuir com ele?”.
O que o futuro espera?
Ao olhar para o futuro, é preciso aplicar três lentes: a profissional, a pessoal (humana), e a da sociedade. “Nossas escolhas impactam muito mais pessoas além de nós mesmos, por um período, não só agora. Os limites entre isso estão cada vez mais porosos, o que torna o futuro um pouco mais complexo, mas também muito empolgante. Temos a oportunidade de impactar coisas maiores e com uma perspectiva muito mais humana do que jamais nos permitimos antes, reconhecendo a importância de construir uma sociedade próspera e bem-sucedida”, afirma Nancy.
Como exemplo, Giordano cita a previsão da consultoria global Boston Consulting Group feita em janeiro deste ano. Antes da pandemia chegar aos Estados Unidos, foi dito que as chances de fracasso estavam aumentando – uma a cada três empresas públicas do país deixariam de existir em seus formatos atuais nos próximos cinco anos. Também foi visto que as empresas que tinham investido e aprendido mais sobre o que o futuro precisa e espera delas, e como poderiam contribuir para isso, eram as que estavam prosperando, crescendo mais rápido e de maneira mais rentável do que as outras.
O vírus foi o chamado final para essa mudança. Nancy afirma que sofremos uma grande pausa e estamos vivendo um reinício, tomado por cinco grandes forças que estão moldando a nova economia e devem implicar no futuro. São elas:
1. Aumento da confiança digital
“Antes da pandemia, futuristas e estrategistas como eu, frequentemente aconselhavam as empresas a mudar, a tentar crescer de forma mais sustentável, mais adaptável, com soluções digitais mais inteligentes. E sempre resistiam. A confiança digital para o trabalho, bem-estar, medicina… não está começando agora, mas está marcando o início de algo que eu descreveria como a quarta revolução da produtividade. As pessoas às vezes chamam de quarta revolução industrial, mas o mundo agora é digital, e não industrial. Teremos uma explosão de inovação que virá disso quando percebermos que existem maneiras mais eficientes de se fazer as coisas. Estamos no limite do que eu chamaria de um futuro digital completamente diferente”, afirma Nancy.
A especialista acredita que essa mudança será impulsionada, principalmente, pela Inteligência Artificial. “A I.A será como a internet que mudou completamente a maneira como o mundo funcionava nos anos 2000. Isso porque ela oferece previsibilidade, soluções precisas e personalização, ajuda a impulsionar a eficiência e cria diversas oportunidades novas para gerar receita. Sou a favor dessa ferramenta feita com consciência, ética e sem ser tendenciosa. Acredito que podemos utilizá-la de uma maneira que cuida bem das pessoas.”
2. O comportamento de consumo na saúde do planeta
“Enquanto o mundo parava, nós percebemos que nossas ações realmente causam impacto. A pandemia contribuiu para uma queda significativa nos níveis de poluição. Também vemos o impacto do planeta sobre nós. Não podemos parar todas as atividades econômicas para que possamos ter um planeta saudável, então como vivemos em melhor equilíbrio? Vemos alguns movimentos como cidades prometendo funcionar como 100% de energia renovável e empresas globais se comprometendo a se tornarem 100% carbono neutro em toda a sua rede. Eu acredito que isso impactará não somente os negócios, mas nos seres humanos. Haverá cada vez mais métricas, guias e encorajamento para que isso continue. Estamos lutando por um equilíbrio melhor entre o desenvolvimento econômico, a vitalidade econômica e a saúde do planeta.”
3. Maior atenção para as desigualdades
“Nós já sabíamos que havia uma economia bipolar, que a riqueza estava cada vez mais concentrada nas mãos de pequenos grupos, a custo do crescimento de outros. Estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. E eu acho que estamos nos tornando muito mais conscientes disso. Entendemos e vemos quem tem acesso a um sistema de saúde, quem precisa ser um trabalhador essencial, quem pode trabalhar remotamente e quem não pode. Além disso, nos tornamos mais conscientes em relação à injustiça racial. Estamos prestando mais atenção e precisamos pensar em como tratamos isso. Estamos levantando questionamentos ao redor de como queremos que o capitalismo e nossas sociedades sejam enquanto evoluem.
É uma nova maneira de pensar a prosperidade da humanidade. Historicamente pensamos sobre isso apenas em termos de consumo, renda e riqueza. E agora temos a oportunidade de repensar isso para que seja mais justo, mais balanceado, mais acessível, de maneira que possamos pensar em prosperidade como bem-estar humano durável e renovável. Acredito que esteja surgindo um momento muito animador para se falar sobre o papel dos negócios na sociedade.”
4. Resiliência
“Nos tornamos muito mais conscientes da nossa própria resiliência, de nossas capacidades, da nossa rede de apoio que nos ampara. Estamos pensando muito mais no sistema de apoio externo. Existe uma conversa sobre como lidar com mudanças, sobre saúde mental e bem-estar, garantindo que as pessoas sintam que não estão sozinhas. Com certeza estamos prestando mais atenção uns nos outros. Estamos também olhando para os sistemas ao nosso redor e pensando se estão ou não nos amparando. Vemos pessoas pensando muito mais em, não apenas empregos, mas habilidades para a vida. Como garantimos que toda nossa sociedade esteja preparada para o que possa ser o ‘gap’ entre trabalhos que serão requeridos no futuro, e as habilidade que estarão disponíveis para esse futuro?
Não é apenas o trabalho futuro, é o futuro funcionando. Todos os tipos de propostas interessantes irão surgir com relação a se devemos encurtar a semana ou os dias de trabalho a fim de evitar a Síndrome de Burnout porque trabalhar com inovação é diferente de trabalhar com produção, trabalhar com produtividade é diferente de trabalho industrial. Muito se fala sobre isso e acho que nosso pensamento vai mudar, espero que as pessoas se sintam mais bem amparadas e menos estressadas.”
5. Amadurecimento da Geração Z
“O grupo da Geração Z ou ‘Millennials’ é de pessoas jovens que estão amadurecendo neste momento com uma mente social empoderada. Eles não tomam uma decisão sozinhos, estão sempre consultando seus amigos ou um grupo social. É uma era de reinvenção, de responsabilidades enormes e de, infelizmente, uma crescente ansiedade. Isso tem sido um grande problema. E só piora enquanto as crianças estão tentando descobrir como passar por esse momento tão disruptivo que estamos agora. Precisamos prestar muita atenção nisso. Eles escutam muitas coisas negativas sobre como a tecnologia virá e mudará tudo, como ela roubará empregos, como ela tomará a qualidade de vida. E na verdade eu acredito exatamente no aposto disso. São escolhas que poderemos fazer, e eles poderão fazer parte nas decisões dessas escolhas. Eu quero que as crianças sintam que o futuro é promissor e que eles têm um lugar garantido nele, pois acredito 100% nisso.”
Uma nova visão
O fato é que as tecnologias estão avançando e não saberemos exatamente como será daqui há 5 anos. Mudanças na cultura e aumento de informação crescem de forma exponencial. E tudo isso irá influenciar diretamente no futuro. Para entender o caminho a seguir, é preciso prestar atenção no cenário como um todo. “Um empreendimento do futuro próspero precisa abordar ativamente a estabilidade climática, precisa acelerar o desenvolvimento de talentos e a requalificação, e garantir que não existam diferenças tanto na organização quanto na sociedade. É sobre abordar o viés sistêmico em relação a gênero, raça, etnia, pessoas deficientes, etc. Precisamos investir na transformação digital e em novas tecnologias. Além de repensar os modelos de negócios”, diz Nancy.
Para alcançar tudo isso, as empresas devem cada vez mais cultivar uma cultura resiliente, ágil e respeitosa, além de investir em diversidade e tomar posições. Isso empodera os colaboradores e traz um tempo de resposta mais rápido. Por outro lado, os líderes precisam conseguir aprender e liderar ao mesmo tempo, o que não é fácil. Estamos todos aprendendo a navegar juntos, e devemos trocar as experiências para crescer juntos. O sucesso será redefinido.
“Estamos em posição de construir o futuro que queremos, de redefinir as coisas que não achamos justas ou humanas, de criar soluções completamente novas, que irão resolver novos problemas ou criar oportunidades para outras pessoas.” – Nancy Giordano.
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