Estudar os efeitos e trejeitos do consumidor é uma das mais importantes estratégias de negócio. Afinal, ainda mais em um momento no qual todos os planejamentos empresariais visam o cliente no centro, compreendê-lo é um fator que completa a equação do sucesso. E hoje, ao que tudo indica, ele deixa “pistas” sobre seu comportamento pela internet, em especial nos buscadores, como o Google.
De acordo com o livro Tendências e Contornos da Sociedade de Consumo, da autora Cinthia Coelho, resultado de uma tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), hoje, uma boa parte dos consumidores já usa o buscador do Google com o propósito de um ambiente “seguro” de desabafo.
“Em meus estudos sobre o consumo, eu delimitei como recorte espacial a França e como recorte temporal o período de 2007 a 2017/18. E foi a partir desse recorte que cheguei a pedidos de ajuda feitos pelos usuários que revelavam questões muito sensíveis e preocupações sociais”.
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Em entrevista exclusiva à Consumidor Moderno, a doutora explica ainda que, para as empresas, entender essa relação que o consumidor possui com a internet é um caminho para atendê-lo no centro, de fato.
“Constatamos que assim como os usuários/consumidores buscam encontrar produtos, serviços e afins no Google, eles também têm esperança e/ou ânsia de encontrar uma solução para aquilo que enfrentam ou algo que revele que eles não são os primeiros nem os únicos a fazer tal pedido de ajuda, ao que denominei ‘confessionário laico do século XXI: o Google”’.
Uma conexão intensa com o consumidor por meio da internet
Entender esse “confessionário” é, de alguma forma, um debate interessante: até que ponto é antiético obter essas informações de busca que são, em geral, públicas para consulta?
Como mostra Cinthia Coelho, muitas vezes esses “desabafos” e confissões são sensíveis e, até um certo ponto, pessoais.
“A ferramenta Google Trends mostra os termos mais populares buscados no Google. Mas, além disso, ela consegue nos revelar coisas inesperadas por meio dos campos: ‘assuntos relacionados’ e ‘consultas relacionadas’. Tais campos ficam disponíveis/visíveis assim que o usuário (pesquisador ou curioso) conclui uma consulta por algum termo específico no Google Trends, delimitando espaço (local) e tempo (período de busca)”, conta.
“Por exemplo, quando recorremos ao Google Trends para checar possíveis buscas relacionadas a pedidos de ajuda feitos pelos usuários, observamos no campo ‘consultas relacionadas’ pessoas pedindo ajuda para questões diversas, indo desde pedidos de ajuda para emagrecer até pedidos de ajuda para morrer”, ressalta a autora.
Ela também destaca um caso isolado no qual uma menina, com onze anos, pedia ajuda ao buscador do Google por estar grávida. Em resumo: um dado pessoal, exposto em um ambiente muito público e com acesso das empresas de maneira razoavelmente fácil.
Nesses casos, até que ponto vai a ética do marketing? Como mensurar o conhecimento do consumidor “permitido” e o que ultrapassa as barreiras pessoais de cada usuário?
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A função das empresas nesse confessionário
Um outro ponto importante abordado no livro é que, na Era da Informação, as empresas precisam aprender a lidar com o “consumidor de vidro”, que é aquele que tem os seus dados conhecidos pelas empresas, organizações, instituições e afins.
“Ou seja, é a forma como nós (consumidores), em menor ou maior escala (a depender do número de compras/aquisições que fazemos e do rastro de dados que deixamos para trás), somos conhecidos”, explica Coelho.
E ter esse conhecimento acaba sendo relevante para reconhecer o consumo moderno, aquele que muda ao longo dos anos com cada nova tecnologia popularizada, com os avanços do mundo digital. Além disso, conhecer esse novo consumidor também amplia as formas de contato assertivas com ele por meio do marketing e da publicidade.
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“Entender o conceito do consumidor de vidro, assim como o comportamento dos usuários no ciberespaço e todos os fenômenos sociais evidenciados por meio de fontes de Big Data, como o Google Trends, significa entender a ressignificação do ato de consumir em nosso tempo (início do XXI), que perpassa pela adoção da dinâmica do consumo em todas as esferas da vida, inclusive nas relações humanas. Há muito, o consumo deixou de ser entendido apenas como uma mera relação de compra e venda mediante transações monetárias”, argumenta a autora.
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O consumidor do futuro e suas intenções
Embora todo o contexto seja necessário, há de se entender também que, mesmo diante da tecnologia de ponta, o consumidor de vidro ainda não é o consumidor do futuro — mas o projeta.
“O consumidor de vidro já é uma realidade do nosso tempo, uma vez que os nossos dados já são amplamente conhecidos pelas corporações, organizações (públicas e/ou privadas) e afins, mas é também uma projeção para o futuro, posto que, com a Internet das Coisas e Internet dos Corpos, cada vez mais, mais dados dos usuários/consumidores serão coletados, armazenados, analisados e compartilhados”, comenta Coelho.
“Os dados têm se tornado o ativo mais importante, porque eles não só têm transformado o consumo e a sociedade em nosso tempo, mas é também a ‘moeda’ do futuro”.
E, dito isso, nota-se também que esse consumidor de vidro é um outdoor gigantesco de aprendizagem ao marketing digital — em especial no que tange o uso de propaganda com base nos algoritmos.
Afinal, diante dele, os resultados de impacto no cliente acabam se intensificando. “Uma das formas mais efetivas para promover essa conexão é o marketing de conteúdo exposto nas mais diversas plataformas digitais – é usar tais dados para oferecer e/ou disponibilizar aos usuários/consumidores uma espécie de serviço por meio do fornecimento de informações e conhecimento que podem ir desde ensinar o usuário a fazer algo até promover reflexões e discussões de temas complexos e em pauta”, finaliza a autora.
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