Afinal, as fabricantes de veículos têm ou não a responsabilidade de disponibilizar peças de reposição para os consumidores?
Essa é uma questão debatida em muitos países, especialmente considerando a durabilidade dos veículos e a crescente preocupação com a sustentabilidade. Em primeiro lugar, vale destacar que a disponibilidade de peças de reposição é fundamental para que os consumidores possam realizar manutenções adequadas. E ainda de garantir o funcionamento seguro de seus automóveis.
Além disso, a oferta de peças de reposição contribui para a longevidade dos veículos. Por consequência, isso reduz a necessidade de aquisições de novos automóveis. E, precipuamente, o impacto ambiental associado à fabricação e descarte de veículos. Essa prática fortalece a confiança do consumidor na marca e promove um vínculo mais duradouro entre o fabricante e seus clientes.
Consumidor versus fabricantes
Os fabricantes de veículos, por sua vez, argumentam que a disponibilização de peças de reposição pode não ser economicamente viável. Isso se dá especialmente para modelos mais antigos, e que não estão mais em produção. As fabricantes argumentam que devem equilibrar a responsabilidade de fornecer peças de reposição com a viabilidade econômica e os custos associados à produção. Algumas empresas optam por oferecer apenas peças essenciais, enquanto outras estabelecem um prazo específico durante o qual garantem a disponibilidade dos produtos.
Do outro lado estão os consumidores e os grupos de defesa do consumidor. Eles defendem que os fabricantes devem sim assegurar a disponibilidade de peças por um período mais prolongado. Isso porque a falta de peças pode forçar os proprietários a descartar seus automóveis, gerando desperdício e aumentando a demanda por novos veículos.
Peças de reposição e CDC
Mas, o que diz o Código de Defesa do Consumidor (CDC) sobre o assunto?
De acordo com o artigo 32 do CDC, as empresas têm sim a obrigação de oferecer componentes e peças de reposição.
Mas, qual é o prazo para isso?
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não se pode exigir que uma fabricante de carros forneça peças em 30 dias. A decisão do Tribunal foi que cada situação deve ser analisada de forma separada. E os juízes precisam olhar para cada caso e decidir qual é o prazo justo.
A corte concluiu que, enquanto a obrigação de fornecer peças e componentes para os carros esteja descrita no artigo 32 do CDC, os 30 dias vêm do § 1º do artigo 18 da mesma lei, que fala sobre o tempo que um fornecedor tem para consertar produtos com defeito. Esse dispositivo trata da responsabilidade do fornecedor por vícios de qualidade ou quantidade em produtos e serviços. Nesse ínterim, ele estabelece as opções de reparação para o consumidor quando o vício não é sanado dentro de 1 mês.
Em suma, a decisão do STJ foi que:
- Cada situação envolvendo peça de reposição deve ser analisada de forma separada;
- E que os juízes precisam olhar para cada caso e decidir qual é o prazo justo.
Em outras palavras, um prazo que é usado para uma situação específica não pode ser aplicado de forma igual a todos os casos em uma Ação Civil Pública (ACP), que é quando um grupo de pessoas é afetado por um problema.
Histórico do problema
A decisão da 4ª Turma do STJ é proveniente de uma Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal, contra uma montadora de veículos devido a relatos frequentes sobre a falta de peças de reposição.
Na primeira instância, a empresa foi condenada a disponibilizar a reposição de peças e componentes de sua marca aos consumidores, por meio das concessionárias. O prazo era de até 30 dias a contar de cada solicitação. Posteriormente, o Tribunal de Justiça do DF determinou que essa decisão se aplica a todo o território nacional. O prazo de 30 dias estabelecido no § 1º do artigo 18 do CDC foi utilizado por analogia, uma vez que o artigo 32 não especifica um prazo para a reposição de peças.
Esse cenário traz à tona a relevância de um diálogo constante entre os fabricantes, os consumidores e os órgãos reguladores. A construção de um ambiente onde as partes possam interagir de forma clara e transparente é fundamental para a resolução de conflitos e para a promoção de um mercado mais justo e equilibrado. É através de tais discussões que se busca não apenas a conformidade legal, mas também a ética nas relações comerciais.
Defesa do Consumidor
O Procon-SP instituirá um grupo de trabalho com representantes do segmento de veículos usados, com o objetivo de discutir maneiras de melhorar o atendimento ao cliente e equilibrar as relações de consumo entre consumidores e lojistas. A informação foi divulgada pelo diretor Executivo da Fundação Procon-SP, Luiz Orsatti Filho, durante o 2º Summit Automotive 2025, evento promovido pelo Sindiauto e Alvesp, entidades que representam o setor de veículos usados.
Seguindo o exemplo de outros grupos vinculados ao varejo e supermercados, a prática de aprimorar ações de orientação, discutir critérios e procedimentos, além de abordar os entendimentos da fiscalização, tem se mostrado a melhor maneira de os setores supervisionados pelo Procon-SP melhorarem o atendimento aos seus consumidores, minimizando danos e promovendo relações de confiança.
Quem explica melhor esse ponto de vista é Luiz Orsatti. “Nossa expectativa é contribuir para a melhoria no atendimento em um dos setores mais significativos da economia, que é o de veículos usados. Acreditamos que um amplo esforço de disseminação de informações e um trabalho de orientação direta para os lojistas são as melhores formas de equilibrar as relações de consumo e fortalecer o setor em todo o estado de São Paulo”.
Durante o evento, especialistas apresentaram dados sobre os principais temas que geram reclamações dos consumidores em relação ao comércio de veículos usados, que incluem:
- Vícios (produtos com defeito);
- Garantias (legal e contratual);
- Caducidade. No mercado de veículos usados, caducidade é o fim do prazo de garantia legal, que é de 90 dias a partir da compra, conforme o CDC;
- E direito de arrependimento. Este último tema se torna cada vez mais relevante devido ao crescimento do comércio eletrônico, que também abrange a venda de automóveis.