A minuta do Decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) propõe alterações para modernizar o atendimento ao cliente, destacando a implementação de atendimento telefônico contínuo por pelo menos 8 horas diárias e a obrigatoriedade de atendimento humano em casos de emergência. Além disso, prevê a priorização no atendimento de idosos e pessoas com transtorno do espectro autista, ampliação de canais de comunicação, que incluem plataformas digitais e chatbots, redução de etapas na resolução de demandas, prazos mais curtos para situações urgentes e maior clareza na definição dos canais de atendimento.
Em suma, a minuta visa alterar o Decreto 11.034, de 2022, que regulamenta normas referentes ao SAC. Mas será mesmo que o Decreto do SAC melhorará o atendimento ao cliente em serviços de atendimento ao consumidor?
SAC em foco
Para responder essa e outras perguntas, a Consumidor Moderno conversou com Vitor Morais de Andrade, presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente (Abrarec), que compartilhou sua visão sobre as mudanças propostas. Segundo ele, a implementação do novo Decreto tem um potencial significativo para transformar o cenário do atendimento ao consumidor no Brasil. Contudo, tais mudanças demandam cautela: “É essencial que as empresas sejam ouvidas neste processo. Regulamentações sem diálogo podem gerar mais desafios do que soluções, impactando negativamente o mercado”.
Acompanhe na íntegra a entrevista.
Opinião – o futuro do SAC
Consumidor Moderno: Qual sua opinião sobre a nova minuta do Decreto SAC?
Vitor Morais de Andrade: Ainda estamos tratando de uma “minuta” que, quando divulgada, já recebeu inúmeras críticas, e a própria Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) declarou que ainda não se tratava de um texto final. Portanto, o primeiro aspecto a ser considerado é a cautela; percebemos que esse é um ponto de partida que requer diálogo e construção conjunta. Em diversos aspectos, as alterações propostas no Decreto podem não trazer benefícios concretos, gerando, entretanto, um impacto significativo para as empresas.
CM: Existem lacunas em relação à defesa do consumidor na minuta?
Há, de fato, lacunas e a ausência de definições claras em alguns conceitos que, se melhor esclarecidos, certamente beneficiariam tanto consumidores quanto fornecedores. Novamente, ressaltamos que várias das mudanças no Decreto podem não resultar em benefícios efetivos, implicando em custos significativos para as empresas. O diálogo construtivo com entidades e empresas do setor pode contribuir de maneira positiva. Um exemplo a ser citado é a falta de dispositivos para validação das autorregulações, uma vez que sabemos que em alguns setores esses dispositivos estão avançados, fruto de um trabalho intenso desenvolvido pelas partes envolvidas.
Lacunas
CM: Quais são suas preocupações com a minuta do Decreto SAC?
O aspecto que gerou maior preocupação no texto é, sem dúvida, o alcance de sua aplicação, que excede o âmbito dos fornecedores regulados pelo Poder Público Federal como ocorre atualmente. Por consequência, isso ampliaria consideravelmente o universo de agentes afetados pelo Decreto. Ademais, isso geraria um aumento expressivo nos custos operacionais para muitas empresas, sem evidências claras de melhorias para os consumidores, como se tenta fazer crer.
CM: O atual Decreto foi publicado em 2022. Você acha que as empresas concluíram suas adaptações? Em sua opinião, a rápida mudança nas normas pode causar instabilidade e incerteza para as empresas?
Não acredito que haja no mercado hoje muitas empresas que ainda não tenham se adaptado completamente. Entretanto, bem sabemos que toda regulação com a amplitude que o Decreto do SAC possui certamente acarretará impactos.
CM: A implementação de um novo Decreto exigiria treinamentos, revisões de processos internos e, possivelmente, a necessidade de investimentos adicionais em tecnologia ou consultoria? Isso não aumentaria os custos, que acabariam sendo repassados ao consumidor?
Toda implementação requer investimentos em tecnologia e treinamentos para garantir a adesão de todo o ecossistema envolvido. Inevitavelmente tudo isso se traduz em custos para os setores, podendo sim alcançar o consumidor. A questão é que, em muitas situações, essa onerosidade não se traduz, necessariamente, em um benefício efetivo para o consumidor.
Os excluídos do novo Decreto SAC
CM: Para empresas com limitações financeiras, essa situação representaria um obstáculo ainda maior?
O Decreto prevê alguns casos em que certas empresas são excluídas, levando em consideração o faturamento, mas talvez essa não seja a abordagem mais adequada. Uma vez mais, o diálogo com os setores pode ser fundamental, pois sabemos que investimentos em ações que geram impacto positivo e direto na experiência do cliente nem sempre requerem grandes recursos. Questões técnicas, como acessibilidade, por exemplo, também demandam uma abordagem mais qualificada, que possa incorporar diversos recursos tecnológicos disponíveis hoje, oferecendo soluções muito mais efetivas do que alternativas mais caras e com eficácia duvidosa.
CM: Como alinhar desafios e possibilidades, na visão da Abrarec, garantindo suporte às empresas e mais qualidade no SAC aos consumidores?
O atendimento ao consumidor vai além de um serviço simples; ele é a base de uma relação de confiança entre empresas e clientes. Em um cenário de expectativas em constante evolução, a busca pela qualidade no atendimento se torna um desafio contínuo. Ao fomentar uma cultura de melhoria constante, as empresas não apenas atendem bem, mas superam expectativas, transformando cada interação em uma oportunidade de encantar e fidelizar clientes. A busca pela qualidade no atendimento não tem um ponto final; trata-se de um percurso em evolução contínua, onde a excelência torna-se um diferencial competitivo e um reflexo genuíno do compromisso com o cliente.
“Satisfação do cliente não é um objetivo fixo”
CM: Proporcionar um atendimento mais humanizado pode ser visto como sinônimo de um melhor atendimento ao consumidor?
Empresas que se destacam nesse aspecto entendem que a satisfação do cliente não é um objetivo fixo, mas um processo contínuo de aprimoramento. Isso inclui ouvir atentamente as necessidades e feedbacks dos consumidores, investir em treinamentos para capacitar as equipes e adotar tecnologias que tornem o atendimento mais ágil e eficiente. A ênfase no atendimento humano é outro ponto central da proposta. Embora a ideia de um atendimento humanizado seja válida, é essencial aprofundar a discussão, pois, ao lado do atendimento humano, é crucial focar na efetividade e resolutividade do serviço prestado pelo SAC, não apenas na natureza humanizada ou eletrônica da operacionalização.
CM: Por fim, qual é a mensagem da Abrarec para as empresas diante de tantos desafios?
Reiteramos a importância da análise dos impactos regulatórios deste Decreto pelos setores e instituições. A Abrarec está atenta e disposta a colaborar para promover um diálogo que resulte em uma norma mais eficaz. A norma deve ser construída de forma a garantir a proteção dos direitos dos consumidores, além de facilitar o acompanhamento das demandas pelas empresas. Isso envolve um entendimento profundo das necessidades do mercado e a criação de mecanismos que permitam uma comunicação mais transparente entre consumidores e empresas. O diálogo proativo é essencial para assegurar que as instituições estejam preparadas para atender às novas exigências regulatórias enquanto ainda proporcionam uma experiência positiva ao cliente.