Na semana que o mundo comemora o Dia Internacional da Proteção de Dados e o Brasil celebra os quatro anos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), uma pergunta não quer calar: o consumidor é ou não obrigado a informar o CPF nas compras?
Fato é que muitas empresas, independentemente de estarem em ambientes físicos ou virtuais, vêm solicitando o número do cadastro insistentemente. Os motivos são os mais diversos: ofertas de programas de fidelidades, futuros abatimentos, descontos ou promoções, possibilidade de resgate de prêmios etc.
Contudo, o consumidor, que tem direito ao sigilo, não é obrigado a fornecer o número do Cadastro da Pessoa Física (CPF) nas compras em ambientes físicos. O preceito consta no Código de Defesa do Consumidor (CDC), artigo 43. O parágrafo 2º afirma que o cliente deve receber a comunicação da abertura de cadastro, ficha, registro de dados pessoais e de consumo por escrito, a menos que ele solicite de outra forma.
A importância do CPF
Na prática, o Cadastro de Pessoas Físicas representa um dos registros mais importantes dos consumidores. Não é à toa que hoje em dia esse número também tem sido amplamente utilizado como fonte essencial de informações por diversos estabelecimentos comerciais que oferecem uma ampla variedade de produtos e serviços.
Assim, a utilização indiscriminada do CPF e de dados sensíveis associados ao documento tem se espalhado pelo Brasil, gerando preocupação entre as autoridades. As razões para a inquietude são duas: a incerteza quanto ao destino dos dados, e a finalidade da solicitação por parte dos comerciantes. Exemplo disso são as farmácias.
Farmácias
Nos últimos anos, os consumidores que compram medicamentos ou produtos em drogarias estão sendo obrigados a fornecer o CPF, se quiserem obter descontos. Caso contrário, terão que pagar o “preço cheio”.
A Drogaria Araújo S/A recebeu uma multa de quase R$ 8 milhões por vincular descontos à submissão do CPF do consumidor no ato da compra. O fato ocorreu em outubro do ano passado. No caso, a farmácia não informou aos clientes a informação apropriada sobre a abertura do cadastro do consumidor.
O Procon-MG, órgão vinculado ao Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), emitiu a decisão condenatória. Para agravar a situação, a empresa se recusou em corrigir tal conduta.
O Procon-MG ressaltou que essa prática viola o direito do consumidor à informação transparente e adequada sobre o serviço oferecido e sobre os riscos relacionados à segurança dos dados, especialmente ao capturar informações pessoais sem o consentimento prévio do consumidor.
LGPD
A LGPD também estabelece regras para coleta e tratamento de informações dos consumidores na hora de realizar uma compra. Dentre outras coisas, a legislação determina o consentimento do titular para qualquer tratamento de dado.
O advogado William Rocha, professor especializado em Proteção de Dados e Direito do Consumidor, destaca que o consumidor não precisa informar o seu CPF em compras presenciais, mas as compras pela internet permitem sim essa prática. “Como é emitida a nota fiscal eletrônica, é necessário confirmar quem é o comprador para a entrega do produto ou serviço”.
William Rocha, que é também assessor da presidência e encarregado de Proteção de Dados (DPO) da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerja), explica que a empresa também poderá consultar o CPF quando realizar a compra com cheque ou a prazo. “Isso se dá para pesquisa de pendência econômica. No atacado, o controle de vendas e departamento fiscal também necessitam do CPF”.
Desconto à informação do CPF
No entanto, o fato de um estabelecimento comercial condicionar desconto à informação do CPF, sem esclarecer sua finalidade, configura abuso e infração ao CDC, que prevê o direito do consumidor à informação clara e adequada do produto ou serviço, ou seja, a destinação dos seus dados pessoais. “Os tribunais entendem que o gestor do banco de dados deve comunicar previamente o compartilhamento das informações fornecidas pelo consumidor no ato de uma compra, ou até mesmo divulgadas em redes sociais, mesmo que isso não afaste sua responsabilidade.”, salienta William.
Na partilha das informações, a empresa deve observar a regra do inciso V do artigo 5º da Lei n.º 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo). Em suma, essa legislação assegura a todos os cadastrados o direito de receber informações prévias sobre o armazenamento e o tratamento dos dados.
Assim, o estabelecimento pode convidar o cliente a participar de um programa de fidelidade que concede benefícios ou preços diferenciados. Mas, para isso, é necessário que a empresa apresente previamente sua política de privacidade. Nesse termo, deve constar as especificidades sobre a intenção do recolhimento do CPF e se há proteção das informações. “Dessa maneira, é sempre decisão do titular dos dados conceder ou não o seu CPF. Obviamente, isso vale tanto para cadastro pessoal quanto para participação em programas de vantagem ou desconto”, finaliza o advogado.