Os últimos dois anos não foram fáceis para os brasileiros. O Produto Interno Bruto (PIB) do País encolheu na casa dos 3% por dois anos consecutivos. O fantasma do desemprego reapareceu e a inadimplência cresceu. De fato, a crise tem uma grande influência no endividamento das famílias – mas é importante frisar que ela não é o único fator determinante. No Brasil, não temos uma cultura de poupar dinheiro. Muito pelo contrário. Vivemos em um País onde quem não deve, não tem. Agora, a pergunta é: a recessão econômica nos ensinou a controlar a vida financeira?
Uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL) junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que, com a retomada da economia, apenas 22% dos consumidores entrevistados pretendem manter as medidas de controle financeiro que adotaram durante a crise. “As pessoas se acostumaram, em um passado recente, a ter muito crédito e um consumo acima das suas posses. Então, quando a economia aperta, o controle é visto como sacrifício”, explica o educador financeiro do SPC Brasil e do portal Meu Bolso Feliz, José Vignoli.
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Questão histórica
Por aqui, a educação financeira sempre foi um tema delicado. Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), Clemens Nunes lembra que, comparado a outros países, o Brasil tem um costume maior de se endividar. “O brasileiro pensa ‘quero algo agora e não tenho recursos para adquirir’. Então, ele abre mão de renda futura para antecipar o consumo. Dá mais valor ao hoje do que ao amanhã”, analisa.
Tal comportamento pode ser explicado pelos anos de economia instável. Já vivemos dias em que o preço do tomate subiu 4.492,25%. A hiperinflação chegou a 2.477,15% em 1993. Naquele momento, a desvalorização do dinheiro era rápida em decorrência da grande remarcação de preços. Por isso, os indivíduos consumiam rápido para “poupar” o dinheiro que seria investido no futuro. Além disso, o confisco da poupança, realizado durante o governo Collor, fez com que boa parte da população passasse a enxergar a poupança como algo negativo.
A partir do Plano Real, as coisas mudam. “Esse curto período de estabilidade inspirou a impulsividade”, diz Eduardo Jurcevic, superintendente-executivo de Pessoa Física e Consignado do Santander. “O emprego e a sensação do consumidor de que ele poderia comprometer a renda, somados aos anos sem a possibilidade de fazer isso, foram um prato cheio para dançar em termos de consumo”. Nos últimos anos, também observamos diversas ações governamentais que impulsionavam o consumo, como o IPI reduzido para automóveis e linha branca. “Tivemos um aquecimento exagerado da economia e estímulos excessivos à demanda. Todo mundo celebrou, as pessoas se endividaram e tivemos um grau de artificialismo enorme”, ressalta Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. “É preciso lembrar no futuro que precisamos desconfiar desse tipo de medida populista”.
Erros e acertos
De fato, não dá para ignorar o grande número de inadimplentes no País – 39% dos adultos brasileiros têm contas atrasadas, segundo a CNDL e o SPC Brasil. Ao mesmo tempo, outros dados mostram cautela. No Dia das Mães deste ano, por exemplo, as vendas parceladas caíram 5,5%. Um bom indício de controle financeiro. “Passar por uma situação difícil (de crise) traz esse tipo de ensinamento. Estamos percebendo que os clientes estão pensando duas vezes antes de consumir e não é por falta de dinheiro. É uma questão de precaução”, diz Simão Kovalski, diretor dec do Banco do Brasil.
Na visão do executivo, já existe um movimento dos indivíduos para combater a inadimplência. “Vemos, nas próprias negociações do banco, que os clientes estão procurando renegociar suas dívidas e querendo colocar a vida em ordem”. E é preciso levar em consideração outro ponto importante: o tempo é capaz de influenciar nosso modo de vida. “Muitos teóricos apontam que para mudar um comportamento é necessário um período de três a quatro anos.
Apesar de 2015 e 2016 terem ficado mais em evidência quando se fala de crise, dependendo do segmento, ela já era sentida no final de 2013”, argumenta Alexandre Horta, diretor de consultoria da área de varejo e consumo da PwC. O cenário começou em menor escala e foi se agravando. Mas, no fim de 2013, alguns brasileiros já passaram a sentir a diminuição de renda e até mesmo o desemprego. Portanto, passamos por um tempo, em tese, hábil para a mudança de visão de muitos indivíduos.
Conscientização
A educação financeira é uma forma não só de melhorar a vida dos brasileiros, mas de garantir um País mais próspero e saudável. Como lembra Zeina, o problema não é a inadimplência em si. A questão é que, quando um grande número de pessoas (e empresas) pega crédito e fica inadimplente, isso gera uma desconfiança no mercado e acaba fechando portas.
É preciso trazer uma nova perspectiva para nossa sociedade do que é e quais são os benefícios da poupança. “O comportamento relacionado ao uso do dinheiro é resultado de uma série de variáveis e está carregado de significados subjetivos”, afirma Denise Hills, superintendente de sustentabilidade e negócios inclusivos do Itaú Unibanco. “Esses aspectos, quando considerados, ajudam a orientar as pessoas a tomar as melhores decisões e melhoram muito tanto o estresse quanto o desequilíbrio na vida e nas finanças”.
Kovalski, do Banco do Brasil, recorda que, muitas vezes, o consumidor só precisa de mais informações sobre a sua situação. “Vemos casos em que o cliente entende que cair no cheque especial não é ficar endividado. Na cabeça dele, aquilo vai ser resolvido na próxima semana, mas geralmente não é e ele acaba pagando mais juros do que deveria”. Nestes casos, a empresa presta assessoria ao público para explicar as modalidades mais interessantes para cada situação. Afinal, educação financeira é isso: entender que não deve, não teme.