Uma recente pesquisa acendeu o sinal de alerta a respeito de um tema que já tem sido bastante comentado nos últimos meses: a saúde mental. De acordo com dados colhidos pela pela Universidade de São Paulo (USP), o Brasil lidera uma lista de 11 países com mais casos de depressão e ansiedade durante a pandemia do novo coronavírus.
Assine a nossa newsletter e fique atualizado sobre as principais notícias da experiência do cliente
De acordo com a pesquisa, o Brasil é o país que apresenta mais casos de ansiedade (63%) e depressão (59%); em segundo lugar ficou a Irlanda, com 61% das pessoas com ansiedade e 57% com depressão, e em terceiro aparecem os Estados Unidos, com 60% e 55%, respectivamente.
O estudo só comprava, em números, o que muita gente já suspeitava: que o isolamento social pode afetar as pessoas – com especial atenção, segundo os dados, para mulheres, jovens, pessoas que já possuem alguma condição mental e, claro, quem perdeu o emprego. “Nós concluímos que a pandemia de Covid-19 tem se mostrado um evento traumático para muitas pessoas, levando aumento exponencial de sentimento de medo e estresse”, disse Ricardo Uvinha, professor de lazer e turismo da USP, em uma entrevista para o canal de notícias CNN.
Como a pandemia de Covid-19 não tem previsão ainda para acabar de vez – e o vai e vem das escalas de mobilidade ainda deve sofrer diversas alterações ao longo de 2021 -, conversamos com um especialista em saúde mental para entender o que pode ser feito na hora de proteger o cérebro desse momento. De acordo com Kleber Marinho, psicólogo analítico e supervisor clínico responsável pela Clínica PPI (Psicologia e Psiquiatria Integradas) em São Paulo, esse aumento nos casos está sendo sentido no atendimento clínico de forma bastante impactante.
“Os atendimentos não pararam um dia sequer, seguindo online na maioria das vezes”, conta ele. Com mais de 20 anos de experiência no tema de atendimentos severos, o médico ressalta que percebeu também um agravamento e uma piora em quadros que estavam estáveis até o eclodir da pandemia.
O dado mais assustador trazido pelo psicólogo é de que, em sua própria clínica, o aumento foi de cerca de 40% nos casos: “Nos tempos atuais, pensar na ideia do medo e estresse como companhia assemelha-se a experiência de viver dentro de um filme de terror ou distópico”, explica ele. “Na verdade, quase nunca pensamos no medo ou estresse como um fenômeno ou condição positiva, sobretudo em meio a uma pandemia. Mas o fato é que sentir e ter medo ou estresse são defesas orgânicas que podem nos salvar ou prejudicar e levar ao adoecimento. Tal como um medicamento e quase todas as coisas na vida, dependendo da dose tomada ou da situação, a medida pode ser curadora ou mortal”, diz.
Como medo e estresse agem
O psicólogo explica que as reações radicais – de um lado ou do outro – podem desencadear processos mentais não tão saudáveis. “Poderíamos resgatar o conceito da ‘justa medida’ de Aristóteles, que propunha ‘as virtudes’ como caminho do meio, sendo elas o equilíbrio entre a falta e o excesso. Aquele que desdenha os efeitos da pandemia, sentindo-se indelével, destemido e corajoso pode na realidade estar imbuído de um sentimento de onipotência vivendo uma condição de inflação egoica e, por assim dizer tornando-se uma frágil presa ao inimigo invisível de nome Covid-19”, diz ele.
“Por outro lado, aquele que fica em casa, em estado de alerta e paranoico, com a cabeça a todo vapor ouvindo os noticiários e estatísticas de letalidade, deixando a fantasia o levar ao esgotamento, tem boa chance de adoecer e somatizar”, explica.
Quem é mais atingido?
Para Kleber Marinho, cada faixa entre os mais atingidos por episódios de depressão ou ansiedade tem suas razões para estar neste posto. No caso de quem ficou desempregado, por exemplo, o entendimento é mais fácil, já que a preocupação com o sustento vem em primeiro plano. “No caso dos jovens, também não é tão diferente conseguir imaginar que é uma fase da vida que o externo é muito valorizado e as relações sociais fora de casa, além do núcleo familiar ganham uma importância na construção da identidade do sujeito. A juventude geralmente é um momento de expansão, de conhecer o outro lado do muro, momento de namorar e experimentar e explorar a vida”, afirma. Portanto, segundo o psicólogo, pandemia e reclusão são o contrário desse “momento de vida”.
“Já no caso das mulheres, a situação é mais complexa, sutil e trata-se de um alerta, pois aumentaram os casos de abuso sexual, violência doméstica, feminicídio entre outras formas tóxicas e abusivas de relacionamentos”, diz o médico. Ele também ressalta a questão das jornadas duplas ou triplas de trabalho: “Soma-se a isso os cuidados com os filhos, tutoria escolar e uma série de atividades que assoberba a mulher em uma cultura histórica machista que vivemos. Ser mulher nos dias de hoje, em situação de pandemia, é um exercício de resistência, cidadania e sofrimento. Não é difícil compreender a razão de elas estarem mais doentes”, reforça o especialista.
Fique atento aos sintomas
De acordo com o Dr. Kleber Marinho, quem está próximo deve observar se a pessoa ao lado está agindo de forma “fora do eixo”: “Basta observar o exagero, o excesso e, em suma, a qualidade de vida da pessoa. Quando pautamos nossa vida exclusivamente por uma única coisa de forma desmedida é porque ali tem algo errado, mesmo que seja uma atividade considerada saudável como fazer exercícios, trabalhar ou estudar. Então, se alguém nitidamente está obsessivo por limpeza, paralisado pelo medo, sem coragem de respirar um ar fora em uma situação com segurança, devemos ter atenção”, alerta.
No entanto, vale ressaltar que se sentir desanimado, disperso e com pouca motivação nos tempos atuais não é, necessariamente, sinal de que há alguma coisa errada com a saúde mental. “Tenho dito a vários pacientes que o que eles têm trazido a respeito de irritabilidade, desânimo, falta de atenção e concentração e tantos outros sintomas é comum e, até certo ponto, saudável. Seria estranho que estivéssemos felizes a todo vapor tal como vemos posts em dezenas de milhares de mídias sociais, que aliás contribuem muito para o sentimento negativo, de fracasso ou deslocamento”, afirma.
“Estamos há quase um ano em uma condição de afastamento social, fora da rotina, convivendo praticamente 24 horas com as mesmas pessoas ou sozinhos. E, ao sair, não podemos abraçar, tocar ou sequer ver um sorriso. Portanto, o sentimento de cansaço, exaustão, desalento são legítimos e até necessários. Apenas devemos, sim, buscar recursos e atividades que nos levem também ao bom humor, ao encontro possível e qualquer ato criativo para enfrentar o cotidiano de forma mais suave”, esclarece ele.
Exercícios e terapia online
Como já tem sido dito muitas vezes durante esse período de pandemia, o exercício físico é um excelente “medicamento” para o bem-estar. “Temos já conhecimento científico por meio de inúmeras pesquisas que revelaram que a atividade física libera dopamina e endorfina, que são dois hormônios importantes ligados ao humor, emoção e sensação de bem-estar e prazer. Uma simples caminhada, duas a três vezes por semana por 40 minutos já traz benefícios significativos que combatem depressão, ansiedade, insônia e outras doenças”, reforça o psicólogo.
Já a terapia online, que antes da pandemia era algo pouco comum, se tornou importantíssima para lidar com as pressões e medos deste momento. “Com certeza que a terapia sempre será um caminho de saída. É triste notar que ainda haja resistência e preconceito das pessoas procurarem ajuda profissional para lidar com suas aflições, angústias e crises”, explica ele.
“Não podemos esquecer que a terapia é um recurso para o autodesenvolvimento em prol do equilíbrio e da saúde, que por hipótese deveria ser usada como um caminho profilático, isto é, uma ferramenta para nos tornar resilientes e, por conseguinte, para evitar o adoecimento da alma”, finaliza Kleber Marinho.
Assine a nossa newsletter e fique atualizado sobre as principais notícias da experiência do cliente
+ Notícias