O dia a dia de uma pessoa em um quadro de depressão não é fácil. É comum que atos aparentemente simples aos olhos de outras pessoas tornem-se muito difícil. Levantar da cama é um grande desafio, ou até sorrir, trocar de roupa, preparar-se para um novo dia de trabalho… Tocar a vida, no geral, parece muito pesado. E é por isso que o apoio de amigos e familiares, além de um acompanhamento profissional é muito importante.
Além do tratamento convencional, que pode envolver diversos tipos de terapia ou o uso de medicação, existe uma outra saída que pode ajudar muito a busca da cura de um quadro depressivo. A prática da atenção plena, ou mindfulness, traz diversos benefícios para o cérebro e para a saúde mental.
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Como define Jon Kabat-Zinn, a atenção plena é “A consciência ou estado mental que surge ao se prestar atenção, de forma intencional, à experiência ou fenômeno presente, sem julgá-la, criticá-la ou reagir a ela”. Kabat-Zinn é médico, pesquisador e fundador da Clínica de Redução do Estresse e do Centro de Atenção Plena em Medicina da Escola Médica da Universidade de Massachusetts.
Atenção ao presente
A prática de mindfulness em si não é uma meditação, mas existem meditações que nos auxiliam a chegar a esse estado. “A ciência explica que quanto mais mindfulness uma pessoa fizer, maior será sua saúde e qualidade de vida. Menos será o nível de estresse, menos ansiedade, menos burnout…”, explica Marcelo Batista de Oliveira, psicólogo e instrutor de Mindfulness do Centro Paulista de Mindfulness/Mundo Mindfulness.
A prática é basicamente um treinamento para o cérebro. Porque mesmo que uma pessoa acredite que realmente está prestando atenção no momento atual, muitas vezes não está. Muitas vezes, está pensando nas contas para pagar, no horário de ir embora, em um determinado problema qualquer. Esse pensamento inconsciente leva a pessoa para aquele estado corpóreo.
“Quando nos lembramos de uma situação ruim na vida, não simplesmente temos a lembrança, nós temos a vivência biológica e fisiológica daquele momento. O cérebro não entende muito bem quando estamos vivendo algo realmente e quando estamos lembrando, portanto, lembrar-se de algo estressante é fazer com que o corpo seja bombardeado novamente por adrenalina e hormônios de estresse”, detalha o especialista.
Quando acontece um fato estressante em um dia comum – como um pneu furado no caminho do trabalho quando já estamos atrasados – é bastante provável que fiquemos o dia todo repassando aquele momento ruim na cabeça. O pneu fura, ocorre o estresse do atraso, a preocupação com o que dizer ao chegar no escritório e geralmente a história é repetida durante o dia todo para várias pessoas diferentes. Enquanto isso, o cérebro revive toda a sensação corpórea que ocorreu naquele primeiro momento de estresse – e geralmente não estamos conscientes disso.
Impactos
“Há uma explicação fisiológica e biológica do porquê nosso cérebro foca no pior e não no melhor. Evoluímos essa característica por uma questão de sobrevivência”, diz Oliveira. “Não tem problema falar várias vezes que o pneu furou, o problema é como fazemos isso. Se você não faz consciente, a sua mente te leva para um determinado lugar. Quanto menos mindfulness você for, menos você consegue se perceber e controlar, mais você fica repetindo os eventos”.
E nós não precisamos nos colar a eventos passageiros. Não precisamos reviver tantas vezes uma situação de estresse. Quando temos a mente treinada e conseguimos ter consciência dos nossos atos e pensamentos, é possível diminuir a reatividade. Conseguimos respirar em uma situação, qualquer que seja, para perceber o que realmente estamos pensando e só então reagir. Diminui aquela sensação de “não deveria ter feito isso”.
Uma pessoa em um quadro de depressão tem mais dificuldade de se descolar de seus pensamentos. A cada lembrança ruim, sua mente vai embora naquelas sensações, sentimentos, e com isso seu organismo vai se estressando, perdendo energia e pulsando apenas em volta de sensações pesadas e negativas.
Outro olhar
O mindfulness, basicamente, nos traz a habilidade de estar mais aqui, no presente, sair do automático de simplesmente reagir e, assim, ser menos destrutivo consigo mesmo. “É o que a ciência chama de metacognição, a habilidade de pensar sobre o próprio pensamento e assim não se colar a ele, simplesmente deixar ir”, resume o psicólogo.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford percebeu que mindfulness é capaz de evitar que as pessoas tenham recaídas de depressão. “A depressão é a quarta principal doença do mundo. Especialistas dizem que em 2020 será a segunda e em 2030 a primeira. Depressão já é a doença que mais incapacita trabalhadores no mundo. Os remédios mais receitados do Brasil são ansiolíticos”, lembrou o psicólogo.
O especialista garante que um treinamento de oito semanas de mindfulness é capaz de trazer grandes ganhos para o cérebro. A técnica reduz a produção de cortisol (hormônio do estresse), melhora a qualidade do sono, alivia a ansiedade, ajuda a melhorar o gerenciamento de emoções – ganhos fundamentais para uma pessoa que está tratando um quadro de depressão. Mais: de forma específica, a técnica reduz a vulnerabilidade do indivíduo a ansiedade, estresse e depressão. Fora isso, auxilia no desenvolvimento de empatia e compaixão, fundamental para a segurança pessoal e amor próprio. A cura, afinal, pode vir de muitas formas.