No Roda Viva de 22 de fevereiro, veiculado pela TV Cultura, debateram economistas sérios e saudosistas. Dentre aqueles (dois) a quem valeu dedicar a atenção, Marcos Lisboa, atual presidente do Insper (SP), levantou uma questão importante: não basta olhar para os fatores macroeconômicos para melhorar o desempenho da economia, sendo fundamental também atentar-se aos aspectos microeconômicos que regem o meio corporativo e a economia ? em bom português, urge às empresas cuidar de tudo aquilo que afeta seu cotidiano estratégico, operacional e financeiro.
A divulgação, pelo IBGE, da pavorosa queda de 3,8% do PIB brasileiro em 2015 é reflexo de vários fatores, mas o foco desta análise é o varejo e o consumo das famílias. Este último fator é sensível ao encarecimento do crédito, à alta inflacionária e ao desemprego, e como estes processos estão ganhando força no Brasil, era esperado que o consumo puxasse o desempenho econômico nacional (ainda mais) para baixo.
Sem consumo, naturalmente piora o desempenho do varejo e dos serviços. Se há alguma dúvida quanto a isso, basta observar as estatísticas divulgadas em fevereiro. Conforme levantamento da ACSP, o volume de vendas do varejo ampliado (que inclui concessionárias de veículos e lojas de materiais de construção) no Estado de São Paulo teve queda de 5,9% em 2015, quando comparado a 2014. No caso do varejo restrito, a queda em 2015 foi de 3,5%, notando-se destarte que segmentos altamente dependentes de crédito estão sofrendo de modo mais agudo a deterioração macroeconômica em curso.
Acompanhando este movimento de retração do setor varejista e de serviços, micro e pequenos empresários sabiamente reduzem sua demanda por crédito, conforme apuração da SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Ora, estes empreendedores já compreenderam que não podem arriscar as finanças empresariais quando a geração de receitas está em xeque, posto que são muito mais sensíveis aos ciclos econômicos que grandes players que se financiam junto ao mercado. Infelizmente, esta desconfiança e austeridade por parte dos empresários reduz investimentos (queda de 4,9% na formação bruta de capital fixo em 2015) e desaquece a demanda no mercado, aprofundando ainda mais a recessão.
Apenas para ilustrar o derretimento da confiança empresarial, o índice de confiança empresarial apurado pela CNC teve forte tombo de 19,9% em fevereiro, quando comparado ao mesmo mês em 2015. O que empresários varejistas têm em seu horizonte é justamente um mercado de trabalho cada vez pior, sem previsão de melhora, e portanto uma retração sem fim do consumo.
Aliás, existe afinal alguma perspectiva de melhora para os próximos anos? Felizmente há, e a saída está no ?chão da loja?.
NÃO ADIANTA UM VAREJISTA RECLAMAR
DESTE OU DAQUELE GOVERNO SE, POR EXEMPLO,
NÃO REALIZA CONTROLES
A expressão deve ser entendida como os fundamentos de uma empresa. Não adianta um varejista reclamar deste ou daquele governo se, por exemplo, não realiza controle de estoque em sua própria loja ou em sua central logística, ou se prescinde de tecnologias de controles internos fundamentais para a transparência do negócio para os responsáveis pela gestão. Em momentos de bonança e crescente consumo, a geração de altas receitas e um fluxo de caixa cada vez maior ofuscam a necessidade de controles rígidos do financeiro de uma empresa, que urgem em momentos de aperto.
Exemplo de como a gestão financeira severa ainda é fato raro no mercado é um dado divulgado pela Boa Vista SCPC, que apurou uma elevação alarmante de 76,3% no número de pedidos de falência em fevereiro (em relação a fevereiro de 2015), um dado que fala por si. Caso as finanças empresariais fossem observadas com um apuro maior por parte dos executivos responsáveis, talvez a situação das empresas fosse menos pior.
O varejo brasileiro performou durante décadas com base na tentativa e erro, inovando como podia para sobreviver, mas isto deve parar. Os varejistas devem apontar para a disciplina empresarial e adotar métodos severos de gestão operacional, estratégica e financeira, seguindo exemplos de excelência como Magazine Luiza, Renner, ou mesmo a eficiência de uma Netshoes e das startups.
Auditoria (interna e independente), planejamento estratégico (PE): será que estas práticas são comuns? Para que uma empresa seja saudável e não seja surpreendida por crises e quedas de receita, um PE que contemple de cinco a dez anos é fundamental. Para que uma empresa identifique gargalos, perdas e riscos, a auditoria é um processo necessário. Apenas para a ilustrar, uma empresa do porte da Cnova passa por dificuldades após o escândalo das falhas no controle de estoques. Imagine o que se passa em empresas menos estruturadas, e as perdas que ocorrem e passam longe de ser mensuradas. Imagine, por fim, quantas empresas têm quebrado pela ausência de controles.
O VAREJO BRASILEIRO PERFORMOU DURANTE
DÉCADAS COM BASE NA TENTATIVA E ERRO
Há uma severa crise em curso como todos sabem, e tudo que está ao alcance dos varejistas e empreendedores é arrumar a própria casa, observar o que deve ser implementado e melhorado, como cortar custos e aprimorar a própria eficiência. É preferível investir em novos processos que melhorem a performance da empresa no longo prazo, a esperar alguma saída por parte daqueles que jogaram a economia brasileira no abismo.
Observação: eficiência e produtividade serão temas recorrentes neste espaço, uma vez que são temas ainda caríssimos às empresas e à economia brasileira.
*Eduardo Bueno, economista e analista do CIP ? Centro de Inteligência Padrão.