A criança está na cozinha, acompanhando a mãe preparar o almoço. Enquanto assiste, pergunta: “Mãe, por que você corta a cabeça e a cauda do peixe?”
A mãe pensa por alguns segundos e responde: “Sempre fiz assim, é como a sua avó fazia.” Insatisfeita com a resposta, a menina visita a sua avó e faz a mesma pergunta. A avó pensa um pouco e responde: “Não sei, minha neta, minha mãe sempre fez desse jeito.”
A menina vai então visitar a sua bisavó. Ao chegar a sua casa, a menina compartilha sua questão, a que imediatamente a sua bisa revela: “Ah, porque a minha forma era pequena demais para caber o peixe inteiro.”
Esta fábula tcheca, que alguns talvez já conheçam, mostra nossa tendência de seguir fazendo as mesmas coisas que estamos acostumados a fazer sempre, sem nos perguntarmos o motivo. Nem mesmo perdemos o tempo de pensar se há uma maneira de fazer melhor. Enquanto a criança sempre questiona o porquê de tudo, sendo parte do seu próprio processo de descoberta e aprendizagem. Já fomos essa criança, mas aos poucos fomos nos surpreendendo menos, aceitando mais, reduzindo a nossa curiosidade e aprendendo nada.
Em algum momento das nossas vidas começamos a deixar de nos questionar, abandonando essa criança que expande o pensamento, para o adulto que o restringe.
E durante esta jornada para a vida adulta, somos treinados na escola a encontrar a resposta certa. Não há espaço para divergir, para pensar em diferentes caminhos. Ao longo do processo racional há dois tipos de pensamento – o lateral1, que diverge, busca referências, cenários, e amplia as possibilidades; e o vertical, que converge, conclui e restringe para se aprofundar em um único caminho. Os dois são essenciais, mas em momentos diferentes. Quando passamos para a vida adulta parece que há uma pressão exigindo o pensamento vertical constantemente. Não há tempo para divagar no lateral. E, assim, vamos matando aos poucos a nossa rica capacidade de expansão, de criação.
O autor, educador e especialista em criatividade, Sir Ken Robinson, expõe neste famoso vídeo de forma clara e bem-humorada como as escolas estão matando a criatividade dos seus alunos. Já fomos alunos e sabemos como é difícil gostar de uma aula de matemática, por exemplo. Mas o problema nunca está no objeto em si, na matéria, mas no sujeito que a transmite, que segue um método, ou uma falta de didática. A aplicação da matemática pode ser muito criativa.
Por sorte, tive uma infância que me fez ver o lado lúdico da matemática, e então entender o valor por trás dela. Acompanhava a minha mãe no supermercado, em uma época em que o preço era atualizado diariamente. Minha mãe pagava em dinheiro, que nem sempre era suficiente pela alta incerteza inflacionária. Então, para que ela soubesse o valor antes de chegar ao caixa, eu ia calculando na medida em que ela ia colocando os produtos no carrinho. Dessa forma eu usava a matemática como um jogo, para ajudar a minha mãe, evitando o constrangimento de ter que descartar algum produto na boca do caixa.
A escolha pela engenharia foi consequência. Há diversão além das fórmulas, mas não se ensina assim. Por isso, as pessoas rejeitam as matérias exatas, pela falta de um olhar mais amplo que se some ao abstrato. Somos exigidos a resolver um problema que já vem com uma resposta predefinida, aquela a que temos que chegar. Assim, vamos sendo treinados a não mais questionar, duvidar, vamos perdendo a capacidade de observar para ampliar a visão, assumindo apenas a existência de uma só verdade.
Nos desafios empresariais, buscamos equilibrar a presença da criança criativa e espontânea, implementando o modelo PAC2 na formação dos grupos de trabalho.
Ao longo de um projeto há espaço para todos estes papéis, mas como frequentemente sobram Pais e Adultos nas empresas, o reforço é para que os membros assumam mais o papel da Criança, em determinados momentos. A ideia é adequar a presença do Pai julgador, que dá feedback; do Adulto racional, que se baseia em fatos; e da Criança livre, que cria sem medo de errar.
É a criança que consegue ver o que ninguém vê, pela liberdade de associações, pela lateralidade do pensamento, pela espontaneidade, pela ausência doe pudor em errar, expondo ideias que possam ser percebidas como descabidas. E procuramos dosar o volume de cada papel em um processo que começa estimulando a divergência (pensamento lateral) para ampliar a possibilidade de hipóteses e caminhos, para somente depois convergir (pensamento vertical).
Na etapa de divergência, há uma ferramenta muito poderosa que ajuda a aumentar a participação da Criança. Emulamos o que a criança faz diariamente em um esquema que pergunta o porquê sequencialmente. Diante de um desafio inicialmente exposto, perguntamos repetidas vezes o porquê dele. Daí vão surgindo ramificações de outros problemas, que se expandem até chegar finalmente na raiz do problema. Ao final do exercício, o desafio real a ser resolvido é outro bem diferente, e muito mais rico. Sem divergir, para explorar e entender realmente a questão, dificilmente se converge em boas soluções.
Em uma das cenas do vídeo que mencionei antes (alerta de spoiler), a professora se aproxima de uma aluna sentada na última mesa e pergunta: “o que você está desenhando?” A menina responde: “Deus”. Surpresa, a professora diz: “Mas ninguém sabe como Deus é!” Calmamente, a aluna finaliza: “Daqui a 1 minutinho você vai saber.”
Precisamos trazer a nossa criança de volta, aquela vozinha que acredita e que segue em frente, apesar dos muitos nãos que ouvimos diariamente. Quem convive com criança sabe o que acontece quando você pede para ela te ajudar a arrastar um sofá. Espontaneamente ela vai dizer “vamos!”, e logo depois ela possivelmente vai perguntar “e agora, o que vamos fazer?”
Em um mundo que se mostra cada vez mais incerto, temos que ser mais contagiados com a presença da criança, que traz com ela a coragem para perguntar, a disposição pelo sim, a curiosidade para observar tudo, e se surpreender, o brilho nos olhos por conseguir ver a mesma coisa de uma forma diferente, a capacidade de brincar e criar sem medo. Porque no fundo, não temos controle sobre praticamente nada e, entender isso nos abre uma liberdade enorme, que pode ajudar a despertar aquela criança que trazemos dentro.
E, para finalizar, compartilho o vídeo que me inspirou a escrever este artigo, baseado em cores mais que em palavras.
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*Por Graziela Di Giorgi, CGO e diretora Brasil da SCOPEN.
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