O Ministério Público Federal (MPF) pediu no dia 17 de julho a condenação do WhatsApp por violação dos direitos dos dados dos usuários brasileiros.
Em suma, a ação civil pública alega que o aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones realiza “compartilhamento abusivo de dados pessoais”. E esse compartilhamento de informações é feito com outras plataformas do grupo Meta, como o Facebook e o Instagram. Neste sentido, o MPF pede pagamento de indenização de R$ 1,733 bilhão por danos morais coletivos.
Considerando a gravidade das acusações e a relevância do tema em relação à privacidade e proteção de dados dos usuários, a decisão final deste caso terá impacto significativo no cenário jurídico e tecnológico do Brasil. A condenação, se for efetivada, poderá estabelecer novos precedentes legais no que diz respeito ao tratamento de informações pessoais por empresas de tecnologia. “Neste sentido, a necessidade de equilibrar a inovação tecnológica com a proteção dos direitos individuais dos usuários é um desafio crescente em um mundo cada vez mais digitalizado”, explica Ricardo Maravalhas, advogado especialista em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e CEO da DPOnet.
Autoridade de Dados
O órgão solicita também a intervenção da Justiça na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Isso por conta da resistência da autarquia federal em fiscalizar a plataforma digital.
Tal resistência compromete a segurança dos dados dos cidadãos e vai contra as diretrizes estabelecidas pela legislação vigente. “É fundamental que a ANPD atue de forma eficaz na regulamentação e fiscalização, garantindo a proteção dos dados pessoais de todos os usuários da plataforma. A intervenção da Autoridade se faz necessária para assegurar o cumprimento das normas e promover a transparência e o cumprimento das leis de proteção de dados no ambiente digital”, salienta Ricardo.
Na ação civil pública, o procurador regional adjunto dos direitos do cidadão em São Paulo, Yuri Corrêa da Luz, afirmou o seguinte: “o WhatsApp compartilha de modo ilegal informações de usuários do aplicativo com outras plataformas do grupo Meta, como Facebook e Instagram”. A legislação nacional proíbe a prática.
Dados e consentimento
Isso significa que, se perguntassem para o legislador qual seria a palavra mais importante da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com certeza ele responderia “consentimento”. De conformidade, o titular, ou seja, a pessoa a quem os dados se referem, deve autorizar explicitamente, de forma clara e inequívoca, o uso de suas informações por empresas e órgãos públicos ao ofertar produtos e serviços, gratuitos ou pagos.
Em suma, com a LGPD batendo na porta das empresas de todos os portes e segmentos, torna-se evidente que o verdadeiro proprietário dos dados não é quem os utiliza ou os armazena em bancos de dados. “Nesse sentido, o dado pessoal pertence exclusivamente à pessoa a quem se refere”, alerta Ricardo Maravalhas.
Entretanto, embora isso pareça óbvio na teoria, na prática nem sempre é assim. Em síntese, muitos dados pessoais estão sendo utilizados para fins desconhecidos de seus verdadeiros proprietários, podendo até prejudicá-los.
As empresas do grupo Meta, incluindo o WhatsApp, são categorizadas como controladoras conjuntas. Nesse ínterim, isso implica que cada uma é responsável pela proteção dos dados que compartilham entre si. Por analogia, a ação judicial destaca que o WhatsApp não apresenta uma base legal para compartilhar informações dos usuários com o Facebook e Instagram sem consentimento explícito, violando assim o direito à privacidade dos indivíduos. Portanto, a promotoria argumentou que tais práticas contrariam a LGPD no Brasil, que exige transparência e consentimento prévio para o compartilhamento de dados pessoais.
“Opacidade da ANPD”
A decisão de recorrer à Justiça baseia-se em duas questões fundamentais: as violações ocorridas na plataforma e a postura “opaca” da ANPD. O caso refere-se a janeiro de 2021, quando o WhatsApp implementou uma modificação em sua política de privacidade em escala global. Naquele momento, o aplicativo apresentou uma tela que restringia o acesso a conversas e funcionalidades caso a atualização não fosse aceita. Ou seja, por consequência, a pessoa acaba perdendo a permissão para usar o WhatsApp.
Segundo a ação, aqueles que buscavam se informar sobre os novos termos eram redirecionados para páginas com informações dispersas e insuficientes. O Ministério Público Federal alega que a empresa obrigou os usuários a aceitarem os novos termos. Entretanto, a princípio, não explicitou claramente que a alteração possibilitaria o compartilhamento de seus dados com outras plataformas do grupo.
Brasil x Europa
O MPF está solicitando ao WhatsApp a criação de uma ferramenta. Desse modo, a ideia é que os usuários possam revogar o consentimento do compartilhamento de dados de forma legal. Ademais, o órgão requer a imediata suspensão de qualquer compartilhamento de dados que não esteja em conformidade com as práticas adotadas na União Europeia. Por lá, o WhatsApp foi multado em 230 milhões de euros (R$ 1,36 bilhão).
Em conclusão, o valor da multa na Europa foi utilizado como base para o cálculo da multa em moeda brasileira pelo MPF.
A expectativa é de que a empresa tome as medidas necessárias para garantir a conformidade com as leis vigentes no Brasil. A atualização da política de privacidade do WhatsApp havia levado outras entidades a investigar sua conduta. Além do MPF e da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), outras instituições entraram com processo contra a plataforma. Neste ínterim, a Secretaria Nacional do Consumidor e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica iniciaram uma ação conjunta contra o WhatsApp em 2021.
“A resistência do WhatsApp em modificar suas práticas de compartilhamento de dados com outras plataformas do Grupo Meta, como o Facebook e o Instagram, levanta sérias preocupações sobre a segurança dos dados dos cidadãos brasileiros”, comenta Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados.
“Essa prática fere os princípios da LGPD, que exige transparência e consentimento explícito dos usuários. A ação do Ministério Público Federal (MPF), solicitando uma indenização de R$ 1,733 bilhão, busca garantir que essas diretrizes sejam respeitadas para proteger a privacidade e a confiança dos consumidores brasileiros”, comenta Coelho.
Senacon x Meta
Recentemente, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), enviou uma notificação à empresa Meta Platforms. No documento, a Secretaria solicita esclarecimentos sobre o uso de dados pessoais de cidadãos brasileiros para melhorar sua Inteligência Artificial (IA). O fato levou a uma modificação na política de privacidade da empresa. A Meta é responsável por plataformas de redes sociais como Instagram, Facebook, e WhatsApp.
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) questionou a legalidade da ação. Em síntese, o órgão levantou preocupações sobre o uso do legítimo interesse como justificativa para tratamento de dados. Ademais, outros pontos suscitados pela Senacon foram as práticas manipulativas que dificultam o exercício dos direitos dos consumidores e a ausência de informações adequadas. “As empresas de internet devem compreender que o Brasil possui leis e que estas têm precedência sobre seus termos de uso”. A declaração é do secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous.
Agora, a Meta anunciou a interrupção da utilização de ferramentas de Inteligência Artificial Generativa no Brasil. Isso se deu em resposta às objeções do governo em relação à sua nova política de privacidade para dados pessoais e IA.
Com 200 milhões de habitantes, o Brasil possui a segunda maior base de usuários do WhatsApp da Meta, logo após a Índia.