Gostaria de começar este artigo de uma forma diferente. Para isso, convido você a um exercício prático de empatia, em que você terá a oportunidade de se colocar no seu próprio lugar ao responder as perguntas abaixo:
- “Eu sou idoso(a) – e agora?
- Onde vou estar? Com quem vou estar? O que estarei fazendo?
- Já terei realizado todos os meus sonhos?” (Prof. Dra. Naira Dutra Lemos)
Se você foi genuinamente capaz de vivenciar a experiência proposta, um passo importante foi dado na sua compreensão sobre o conceito de empatia e entendimento de que o envelhecimento é um prolongamento da vida de todos nós, o qual precisamos pensar, conversar e atuar sobre.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. O Brasil atualmente supera a marca de 30 milhões de idosos e segundo a Projeção da População, pesquisa realizada pelo IBGE, em 2043, um quarto dos brasileiros deverá ter mais de 60 anos, enquanto a proporção de jovens com até 14 anos será de apenas 16,3%. Interessante destacar que em alguns estados já temos mais avós do que netos – ou mais pessoas acima dos 60 anos do que adolescentes de até 14 anos.
Em dezembro de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período de 2021 a 2030 como a “Década do Envelhecimento Saudável“. A Resolução da ONU expressa a preocupação de que, apesar da previsibilidade do envelhecimento da população e do seu ritmo acelerado, o mundo não está suficientemente preparado para isso.
O documento reconhece que o envelhecimento da população afeta nossos sistemas de saúde, mas também muitos outros aspectos da sociedade, incluindo os mercados de trabalho e financeiros e a demanda por bens e serviços. Portanto, requer uma abordagem de toda a sociedade.
A economia prateada
Sob essa perspectiva, a chamada “economia prateada”, uma alusão à cor dos cabelos dessa geração, definida como o conjunto dos bens e serviços gerados e consumidos por quem tem 60 anos ou mais no Brasil, já gira em torno de 1,8 trilhão de reais por ano. É certo que a maioria das empresas ainda têm dificuldade de entender esse “novo” segmento.
Você sabia que pelo menos 10,8 milhões de brasileiros dependem da renda de idosos aposentados para viver? Que mais de 4 milhões de idosos vivem sozinhos no Brasil – mais de 1 milhão em São Paulo? E que, durante a pandemia, em torno de 200 mil idosos se matricularam em universidades?
Entender os novos arranjos multigeracionais, os espaços sociais compartimentalizados e o que buscam esses consumidores em seus distintos contextos passa a ser determinante para marcas que desejam ser longevas e uma grande oportunidade aos novos empreendedores.
E fique atento pois não basta considerar a perspectiva etária apenas, uma vez que idade cronológica não é a única determinante; se faz necessário entender o curso de vida de cada um, suas motivações, propósitos e realizações!
Outro ponto de vista
Dias atrás, duas lindas histórias quase que simultâneas viralizaram no LinkedIn. A da redatora Ignez Therezinha Scotti, de 63 anos, e a da Dona Maria Cardoso, de 101 anos!
“Olá pessoal. Alguém conhece uma pessoa ou empresa que esteja disposta a contratar uma linda senhora de 63 aninhos?” Ao contar sua história através de um post, Ignez teve mais de 100 mil curtidas, 2.500 compartilhamentos e conseguiu um emprego em uma startup.
Enquanto isso, Dona Maria Cardoso que, segundo ela, tinha a intenção de não depender da filha para comprar suas carnes e vinhos, enviou seu currículo a uma empresa e acabou sendo contratada. No perfil da empresa, dona Maria Cardoso foi apresentada como influencer com experiência em tomar uma tacinha de vinho todos os dias. A idosa receberá um salário mensal e trabalhará gravando vídeos em casa, experimentando e dando seu parecer aos produtos.
Duas histórias incríveis que se fundamentam na experiência, na motivação e na possibilidade de reconhecer o quanto essa geração pode seguir contribuindo. Há muito ainda por fazer, equidade geracional é de fato um grande e importante tema, mas certamente Dona Ignez e Dona Maria Cardoso são agentes impulsionadores desse movimento.
Tópico em alta
Pulando para as películas, há um crescente interesse nos filmes sobre o envelhecimento, seus determinantes e impactos.
Dentro de algumas semanas, mais próximo da cerimônia virtual do Oscar, no dia 25 de abril, um filme inglês com certeza será motivo de muita repercussão: “Meu pai” (“The father”), estrelado pelo indefectível Anthony Hopkins (83 anos). No filme, desde o momento em que o personagem acorda até a hora de dormir, o espectador praticamente só vê o que o idoso vê. Uma narrativa de empatia!
Recém-chegado à Netflix, “Eu me importo muito” (“I care a lot”), cujo título não poderia ser mais irônico, conta a história de uma senhora que mal aparece, mas é personagem-chave na trama de uma cuidadora de idosos que encabeça um esquema de extorquir ao máximo os bens dos velhinhos. É o tipo de aproveitador que pode emergir quando o mercado dita as regras de convívio social.
E não poderia deixar de citar mais dois títulos que, como estudiosa da área, fortemente recomendo. São eles: “Viver duas Vezes” (“Live Twice, Love Once”) e o memorável “O Curioso Caso de Benjamin Button” (“The Curious Case of Benjamin Button”).
Um olhar sobre a inovação no segmento
Lá em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu três pilares para o “envelhecimento ativo”: saúde, segurança e participação.
Entretanto… Como promover hábitos saudáveis e preventivos nesse contexto sem precedentes de isolamento social? Como garantir a autonomia, a segurança e o bem-estar dos idosos?
Empatizando com esse público e seus familiares, já é possível contar com uma leva de inovações e tecnologias para dar assistência nessa área.
Fruto da parceria entre a Amazon e a farmacêutica Johnson & Johnson, a assistente virtual Alexa agora também conseguirá dar dicas sobre saúde mental e física para seus usuários. De forma simples, basta dizer “Alexa, abrir Vamos cuidar” que a assistente virtual irá perguntar ao indivíduo se ele quer uma dica de saúde física, mental, ou simplesmente um conselho para o dia a dia.
E falando em Alexa, não poderia deixar de mencionar a apaixonante, bem-humorada e super esperta Dona Jessica Silva, que tem um canal no TikTok e que vale muito a pena conferir.
Desbravando novas oportunidades nessa área estão as Agetechs!
Segundo o site The Gerontechnologist, os mercados de saúde e bem-estar digital, realidade virtual e interfaces de voz tendem a crescer nos próximos anos com adoções tecnológicas que ajudam nos cuidados médicos, nas conexões sociais e também na educação e inclusão digital dos mais velhos.
Destaco as três Agetechs globais que estão despontando e que acompanho a evolução:
- ElliQ, o Robô Amigo. A startup israelense oferece um parceiro robótico de comando por voz, simples e amigável que ajuda na leitura e resposta de mensagens, no compartilhamento de fotos, agendamento de compromissos e lembrete de medicamentos.
- Papa é uma empresa de matchmaking entre “netos e avós”, que surgiu em Miami para conectar estudantes universitários a idosos para companheirismo e assistência. Os “papa pals”, como são chamados os estudantes que trabalham no programa, podem ajudar seus “avós adotivos” em tarefas que envolvem companhia, transporte, ajuda doméstica e aulas de tecnologia.
- E a sueca Nectarine Health que criou uma pulseira programada por meio de inteligência artificial capaz de transmitir, via nuvem, dados para familiares e cuidadores de idosos, fornecendo um localizador em tempo real, atendimento remoto ou atendimentos de emergência.
Mais e mais startups, assim como grandes empresas ao redor do mundo, estão investindo em tecnologia para idosos. As soluções são projetadas para e com eles e isso não significa botões grandes e áudio alto; significa colocar os idosos no centro do processo de design, e assim empaticamente atender às suas necessidades e aspirações de uma maneira economicamente sustentável.
Uma questão de empatia
Fato é que o envelhecimento é um processo dinâmico e progressivo, afinal envelhecemos todos os dias desde que nascemos. Entretanto, para obter um envelhecimento satisfatório que preserve o bem-estar, a autonomia e a dignidade dos idosos e de todos nós que, se Deus quiser, também chegaremos lá, é preciso empreender esforços no agora.
“É triste imaginarmos que após todos os esforços empreendidos pela ciência e todo o empenho para prolongar a vida do ser humano, não sejamos capazes de oferecer as condições adequadas para vive-la com dignidade” (Prof. Naira Dutra Lemos)
Nós, profissionais do mercado, líderes de empresas e marcas temos essa responsabilidade!
Seja por meio da criação de produtos, serviços ou marcas, precisamos acelerar essa agenda, pois a longevidade, apesar de ser um grande avanço da humanidade, vem carregada de consequências e preconceitos.
Mas com o olhar positivo e esperançoso que quem me conhece sabe que tenho, vejo um caminho próspero onde há muito o que fazer!
Por isso decidi, na segunda metade da minha vida, começar uma pós-graduação em Gerontologia no Hospital Albert Einstein, onde fui muito bem recebida e terei a oportunidade de seguir aprendendo para poder empatizar com essa geração e participar da construção de um mundo melhor para todos, com mais tolerância e liberdade e menos preconceito.
É com muito carinho e admiração aos idosos e a vocês participantes dessa jornada que termino este artigo compartilhando uma das propagandas mais bonitas de uma marca que tem um propósito muito claro, humanizado e consistente com qual eu tive a honra de trabalhar por alguns anos: Natura Chronos – #velhapraisso?
Agradecimento
Muito obrigada aos meus queridos professores da pós-graduação, amigos de classe e da vida e familiares amados por me receberem, apoiarem e incentivarem nessa nova jornada! Gratidão.
Tati Gracia
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