Cannes – França – Marcello Serpa é um dos maiores criadores da história da propaganda mundial. Por volta dos 50 anos, após uma trajetória repleta de grandes trabalhos, muitos prêmios, reconhecimento absoluto do mercado publicitário e de milhões de consumidores por sua propaganda genial, resolveu se aposentar. Hoje, o grande publicitário está vivendo com simplicidade, surfando, cozinhando, acompanhando o crescimento das filhas.
Marcello Serpa era quase um menino quando, há mais de 20 anos, ganhou o primeiro Grand Prix de Cannes para a propaganda brasileira (um anúncio para o Guaraná Antarctica Diet). De certo modo, o jovem Marcello lançou uma tendência que até hoje prevalece na comunicação publicitária, mesmo em tempos de dominância digital: a ideia visual, sintética, simples, minimalista, despida de qualquer acessório ou penduricalho. Ano passado, Serpa anunciou sua aposentadoria, não se sabe se temporária ou permanente, do mundo da propaganda. Mas, nessa edição do Cannes Lions, o criativo brasileiro foi homenageado com o Glass Lion, o Leão de St. Mark, para aqueles que são lendas da atividade.
Philip Thomas, CEO do Cannes Lions entrevistou Serpa. Uma entrevista emocionante, que em vários momentos comprovou a enorme e justificada admiração que o publicitário desperta na propaganda global.
Philip de início comentou que adora o jeito que Marcello Serpa trabalha. Sua rapidez, a facilidade em desenvolver ideias enquanto recebia e conversava sobre um briefing.
Serpa comenta essa sua característica (aliás, bem própria da criação brasileira, sempre tão às voltas com prazos ridículos e imprevistos insanos): “Gosto da ideia simples, sintética, mas não óbvia. Eu gosto de trabalhar rápido, gosto de tocar o dedo no papel, não gosto de pensar muito se a ideia é legal, se o caminho é bom. Se é bom para mim, está ok. Agências hoje em dia perdem tempo com PPTs de 3 horas de apresentação. Para mim, um slide com a ideia deveria bastar”
Para ele, não há ideia que prevaleça sem execução. Exatamente por isso, ele preza a produção cuidadosa. Gosta de executar a ideia com esmero. E, por outro lado, na busca da ideia, Marcello rabisca o tempo todo. É o típico profissional da geração PC – papel e caneta.
Redes sociais e humor
Demonstrando alguma melancolia, o brasileiro considera que o mundo atual está “muito opinativo.” Opina-se sobre tudo: grandes coisas, pequenas coisas. Para ele, temos muita opinião é pouca discussão.
Esse “opinionismo” é fenômeno derivado da ascensão das redes sociais. Serpa diz que as empresas têm medo de serem punidas nas mídias sociais. Essa ligeira melancolia talvez explique porque o trabalho dele tenda menos para o humor. Ele diz que o humor é um ingrediente perigoso na propaganda. “É muito difícil de se usar um humor que seja bem aceito no mundo todo. Humor pode ser muito hipócrita. É mais perigoso do que costumava ser.”
Cliente e agência
Serpa criou campanhas geniais e construiu marcas com um brilho criativo dificilmente alcançado por outros publicitários. Volkswagen, Havaianas, Bradesco Seguros, Getty Images, Veja, Jovem Pan, Bauducco, Pepsi, são exemplos de seu trabalho à frente da Almap/BBDO, agência que praticamente refundiu em 1994 e que comandou até 2015, junto com José Luís Madeira. Para ele, confiança é a receita para grandes trabalhos: “confiança deve existir num nível que permita a você falhar. Sem confiança, não há como fazer comerciais e campanhas brilhantes.
Global X local
Serpa também defende que a propaganda tenha uma linguagem local. Ela deve falar com o seu pessoal. A sua cultura. “Fico meio desapontado com os brasileiros que criam comerciais com um acento britânico para ganhar prêmios. E Philip, na mais pura ironia britânica respondeu: “mas a julgar pelas notícias dessa manhã, não há muito o que se elogiar na cultura britânica.” (Philip refere-se ao resultado plebiscito que definiu a saída da Grã Bretanha da União Europeia.
Clientes e ideias
Philip Thomas pergunta a Serpa qual conselho ele daria aos criativos que quisessem que seus clientes pudessem entender a força da criatividade, de uma ideia, é que tornassem seus criativos mais corajosos. O brasileiro respondeu de maneira simples, minimalista e precisamente: “Traga os clientes para Cannes. Deixe-os se inspirarem pela atmosfera, para que possam ver os mesmos briefings que nos oferecem, as soluções e os caminhos criativos. É muito interessante ser o cliente e participar do festival.”
Fama e aposentadoria
A decisão de deixar a indústria. Afinal, por que Marcello Serpa decidiu deixar a agência, a fama, o trabalho? Ele disse que a publicidade é um exercício de vaidade, que realmente adorava a ideia de trabalhar intensamente, adorava fazer, desenhar, moldar, tudo, enfim. Mas…
“Tudo que eu sou, devo a propaganda. Mas, já era. Eu sou muito ambicioso. Em um certo ponto, por volta dos 50 anos, eu comecei a planejar minha aposentadoria. Eu estava cansado de fazer isso. Não me dava mais a alegria suficiente. Não estava mais disposto a fazer sacrifícios, a deixar de acompanhar o crescimento das minhas filhas. Aí, tinha de ser honesto com meus sócios. Então, planejamos uma sucessão com um grande time.”
Transformação e perda
As transformações da sociedade afetaram a indústria de propaganda, segundo Serpa. Ele destacou que a pressão de ganhar cada vez mais prêmios, de ir além, de discutir orçamentos, salários e muitas outras questões que iam além da propaganda o cansaram. E se, de repente, a agência performasse um pouco menos, ganhasse menos prêmios, mesmo mantendo a média alta, você falhou… Talento e ideia deram lugar ao negócio.
Novamente, com um quê de melancolia, o criativo disse que a relevância da indústria de propaganda se foi. A força do comercial de 30″se esvaiu: “são tantas variáveis e assuntos que impactam e afetam tantas pessoas que a propaganda se fragmentou junto. Eu sinto falta do propósito da marca. Sinto falta do “just do it” (slogan famoso da Nike) do modo como foi no princípio.
Masculinidade e diversidade
E a questão da diversidade na indústria da propaganda? “A nossa indústria é muito machista. Eu me senti muito ignorante sobre essa questão. Sou pai de três filhas e então penso que 95% dos homens que dominam a indústria da propaganda não entendem as mulheres, não estão sintonizados com as questões femininas. A indústria deve lutar em favor de ter mais gente criativa e também contra preconceitos.”
A mídia impressa e digital
Penso que a propaganda impressa é uma poderosa forma de comunicação. É conveniente e pode fazer um homem parar no caminho para olhar uma peça. Mas o fundamento do anúncio vai além do papel, defende Serpa. Para ele, o Instagram é o novo Press. É possível criar grandes histórias no Instagram. O papel como mídia está morto. Mas o jeito de se comunicar não está.
Mas Marcello nota um paradoxo: tudo agora parece caminhar para o vídeo. E toda a nova mídia digital está retornando ao vídeo, produzindo conteúdo em vídeo. Ou seja, há basicamente um retorno a Televisão.
Jovens e a propaganda
Philip, então, pergunta ao lendário criativo brasileiro sobre qual seria o seu conselho para os jovens, principalmente aqueles que hoje buscam criar usando tecnologia, Big data, e criatividade.
Marcelo compartilha a sua visão realista da atividade: “não são tempos dourados para a propaganda. Não há nada realmente novo no cenário. Mas, ao invés de um criativo jovem buscar ideias, ele desenvolve apps. “Eu estava em São Francisco, e um cara veio falar comigo sobre a criação de um app. As pessoas perderam a vontade de criar histórias. Estamos perdendo a atratividade. O motivo de estar na nossa indústria é que uma boa ideia pode sair em dois dias.”
Marcello Serpa ainda terminou o painel fazendo uma saudação especial ao Brasil e aos colegas brasileiros que estavam no teatro no momento de seu painel. Foi aplaudido de pé e com entusiasmo incomum. Após dissabores sem fim nos últimos anos, foi gratificante ver como um brasileiro pôde romper com nossos vícios culturais. O Brasil pôde aplaudir um dos seus como um líder admirado no mundo todo pelo próprio trabalho e talento.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão