A pandemia do coronavírus fez o Brasil parar no final de março e, principalmente, durante o mês de abril. Mesmo com a retomada tímida das atividades, o sistema econômico do País foi e ainda será fortemente afetado. Nesse sentido, as instituições estão se organizando e estruturando a melhor forma para negociar com o cliente inadimplente – deixando as ligações telefônicas aleatórias no passado e investindo em tecnologia para a criação de uma jornada de cobrança.
Essas alternativas para cobrança de dívidas, bem como as ações tomadas durante a pandemia, os aprendizados obtidos com elas e a importância do setor para uma retomada econômica foram assunto de debate no Seminário de Cobrança Digital. Participaram do painel Jacques Meir, Diretor-executivo de conhecimento do Grupo Padrão, Solange Faria de Oliveira, diretora de cobrança do Grupo Recovery, Marcelo Scarpa, diretor de crédito e cobrança da Digio, Fabio Toledo, head CXM da Mutant, e Marcelo Augusto Souza, head de Cobrança do Banco BV.
COBRANÇA E INADIMPLÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA
O contexto da pandemia trouxe consequências econômicas danosas para todo o sistema econômico. É o que explica Jacques Meir. “O aumento do desemprego foi bastante significativo, os dados oficiais ainda são controversos, mas é nítido. Ao mesmo tempo, os programas de redução salarial, que evitam um desemprego maior, mas trazem a perda de renda para diversas pessoas. Além de tudo, muitos profissionais que desempenhavam atividades autônomas também foram afetados. Tudo isso criou um conjunto de fatores que contribuem significativamente para um eventual aumento da inadimplência.”
Nesse sentido, as empresas começaram a trabalhar para mitigar a inadimplência. O caminho foi personalizar. “As estratégias de cobrança sempre são definidas por grupos, mas a pandemia trouxe uma necessidade de ouvir o cliente de uma forma muito individual. A gente teve que entender que esse cliente que está passando por uma dificuldade faz parte do ciclo de vida dentro de uma instituição. As pessoas que perderam a capacidade de pagamento hoje vão voltar a ser clientes na retomada”, explica Marcelo Scarpa.
Solange de Oliveira corrobora e se aprofunda nessa negociação personalizada. “O desafio foi entender o contexto do cliente e nos posicionar ao lado dele. Temos uma carteira de clientes que já mantinham um acordo e vinham pagando, então foi importante ouvi-los, entender as dificuldades, para reduzir o valor de uma parcela ou levar situações de fôlego, de um, dois, três meses, até que esse cliente pudesse se recompor e voltar ao pagamento da sua negociação mantendo aquele acordo. Adaptar as condições de negociação à capacidade de pagamento foi essencial para manter tanto o volume de negócios quanto dar conforto para o cliente.”
Todo esse processo de tratamento com o cliente, de criar uma jornada de cobrança pensando que a inadimplência faz parte da experiência dele, é um legado. Para Fabio Toledo, a reflexão que fica é como manter a eficiência, as boas taxas de renegociação, sem parecer um “predador insensível”.
“Vamos ter que sair de um cenário de cobrança tradicional para uma negociação colaborativa. Colaboração passa a ser a palavra-chave para essa mudança.”
TECNOLOGIA NOS PROCESSOS
Para que essa personalização no atendimento seja possível, é preciso entender a carteira de clientes e ter os canais para chegar até ele. É o que explica Marcelo Augusto. “A humanização no processo de negociação tem muito a ver com conhecer o cliente e flexibilizar canais. Os canais digitais são fundamentais para ter diversas opções e o cliente possa se auto servir no momento e na forma que ele entender melhor. Também não tem como trabalhar cobranças se não for através do uso de estatísticas, de modelagem. É conseguir customizar as ofertas conforme a necessidade do cliente e essa necessidade sendo aferida a partir de modelos de informação de dados e na maior amplitude possível de canais.”
O Banco BV usa um modelo de collection score para discriminar a propensão de pagamento de determinado cliente e traçar uma estratégia de cobrança. Mas, Marcelo Augusto conta que durante a pandemia esse modelo foi insuficiente porque passou a ser necessário ter mais dados para entender em qual momento o cliente estava. Assim, ferramentas de geolocalização – já que a pandemia aconteceu em momentos distintos ao longo do território nacional – e até de speech analytics passaram a ser utilizadas.
A modelagem estatística também fez parte da estratégia da Recovery. Trabalhar o canal mais propenso para o cliente trouxe frutos para o digital. “Finalizamos 2019 com 35% de share de caixa vindo de canais digitais. Tínhamos o plano de chegar a 45% em dezembro de 2020, mas atingimos esse número em maio”, conta Solange. “Negociação via aplicativo, via WhatsApp foram processos que cresceram através do uso da modelagem e de colocar o canal preferencial do cliente no momento certo”, completa.
Dessa forma, o ato de ligar para o cliente aleatoriamente passou a ser visto como algo ineficiente. Para os especialistas, os resultados de individualizar a conversa e flexibilizar as negociações, deixando o cliente interagir na hora que for melhor para ele é o caminho a ser seguido.
“A inteligência artificial vem para trazer um diferencial. Vamos acabar com as famosas réguas de cobrança de manda um SMS, manda um e-mail, ligo tal hora, para realmente desenhar a jornada de cobrança. Na Mutant nós construímos um Data Lake e trouxemos um profissional para ser o Data Product Manager, ele vai construir o produto de dados para os nossos clientes e a gente vai começar a pensar em jornada”, afirma Fabio.
FUTURO DA INADIMPLÊNCIA E RESGATE DA CONFIANÇA
Para os especialistas, a inadimplência está bem controlada no momento. Porém, isso se deve às ações para aumentar carência e flexibilizar prazos por parte das empresas, e de auxílio emergencial e manutenção de emprego por parte do governo. A previsão é de aumento para o segundo semestre.
A forma como esse momento for tratado pode refletir na retomada da economia. “O cessar crédito por conta da imprevisibilidade afeta a economia como um todo. A nossa área tem um papel fundamental nesse motor da economia. O uso de inteligência artificial, de técnicas de estatística, de tecnologia para melhorar a concessão de crédito na inadimplência e ter um portifólio saudável ajuda esse motor”, afirma Marcelo Scarpa.
Solange concorda e acrescenta. “Para que o consumidor retome a sua confiança, é preciso que toda a economia se movimente. Temos que fazer a cobrança pelo resgate do cliente como um todo. Tudo que tem sido feito durante a crise permitirá que as empresas e consumidores fiquem mais forte para a retomada.”