O coronavírus está afetando diretamente a produção cultural pelo mundo. Assim como os comércios e a indústria de turismo, a pandemia fez com que milhares de espetáculos fossem interrompidos. Diante disso, a situação da classe artística se mantém delicada.
Na Alemanha, após meses fechado, o Teatro de Wiesbadena, voltou a ter um concerto. No entanto, medidas como distância de no mínimo três assentos para separar os espectadores e a utilização de máscaras foram necessárias para acompanhar a apresentação. No Brasil, o plano para a saída da quarentena, divulgado recentemente pelo Estado de São Paulo, mostra teatros e cinemas na última fase de abertura (azul), desde que sejam respeitados protocolos de higiene e distanciamento social.
“Passaremos por um período de transição com cuidados específicos, como uso de máscaras e distanciamento entre espectadores, até que possamos retornar gradativamente ao normal”, afirma Marcelo Braga, pesquisador e coordenador do Curso de Teatro da Universidade Anhembi Morumbi.
Com essas medidas, artistas precisarão adaptar a forma que interagem com o público e com os parceiros de palco. “Os diretores e atores terão que, durante esse período, adaptar as marcações de cena para que essa distância se mantenha. Será uma nova forma de fazer teatro. Após esse período de restrições, acredito que, aos poucos, as atividades como peças e consertos possam ir retornando ao normal. Artistas são criativos e encontrarão formas de reinvenção das artes cênicas”, comenta.
UM MOMENTO DE ADAPTAÇÃO
Abílio Tavares, especialista em Teatro Brasileiro e professor de Produção Cultural da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), explica que cada teatro pode reagir de uma forma. “Quando falamos em teatro, sempre temos que pensar que ele não é uma coisa só. São muitas formas de se organizar. Um teatro de pesquisa de linguagem ou um teatro mais experimental, talvez tenha mais facilidade para se adaptar a essa nova realidade. Já o teatro mais convencional e comercial, baseado na tradicional relação do palco e plateia em forma de teatro italiano, talvez, esse, tenha mais dificuldade”, afirma.
Um bom exemplo no Brasil é o Serviço Social do Comércio (SESC). Segundo Abílio, a instituição funciona como um Ministério da Cultura no país e está fazendo um trabalho de linguagem em várias áreas artísticas, com atividades on-line e se preparando para a realidade quando as atividades presenciais voltarem. Esse mês, a entidade está lançando um edital de incentivo para a produção nacional de cultura. O investimento de R$ 587,5 milhões será destinado a 470 apresentações nas áreas de artes cênicas, música, artes visuais, literatura e patrimônio cultural, entre outras.
“Neste momento, em que não há possibilidade do contato físico com o espectador, o SESC está criando alternativas virtuais para realização de trabalhos teatrais, mas também está se preparando para a hora de retomada com as medidas necessárias como o aumento da distância e diminuição de fluxo. Provavelmente, no primeiro momento haverá espetáculos com menos atores ou monólogos, mas o SESC é uma instituição muito estruturada para isso e está se preparando, o que ainda não sabemos é como o mercado vai reagir, por exemplo, nas grandes produções”, comenta o professor.
E OS GRANDES MUSICAIS?
Espetáculos menores, provavelmente, vão ter uma facilidade maior. Já as grandes produções de musicais, que possuem um contato muito próximo com canto, dança e um elenco gigantesco, muitas vezes com um público composto por mais de mil pessoas, podem ter dificuldades e um retorno mais demorado.
“Talvez esse tipo de espetáculo realmente só seja viável quando existir uma superação total da pandemia, ou no momento em que existir uma vacina. Talvez seja isso que vá acontecer, que a gente recomece e tenha mais alternativas menores até o momento em que esteja superada essa pandemia. Muitos falam que talvez o novo normal seja esse, mas tomara que não. Se for, nos adaptaremos, mas espero que a gente possa voltar a fazer teatro com muitas pessoas no palco e na plateia em breve”, comenta Abílio.
Um espetáculo possui custos que envolvem cenários, figurinos, maquiagem, técnicos de luz e som, além dos próprios artistas. Algumas produções utilizam a bilheteria para ajudar nesses gastos e com o público reduzido, naturalmente, a renda será mais baixa. Abílio explica que esse fator não será tão impactante, já que nos últimos tempos tem sido difícil uma produção se manter totalmente com a renda da plateia, pois muitos dependem de leis de fomento, edital ou patrocínio.
“Já fazia algum tempo que o teatro dificilmente conseguia se manter só com a renda da bilheteria. Nos anos 60, 70 os artistas iam ao banco e pegavam um empréstimo, mas não existia leis de incentivo à cultura. Então, eles montavam um espetáculo e pagavam depois, com a renda da bilheteria. Isso não é mais a realidade de grande parte do teatro brasileiro. Já não se consegue manter e viver exclusivamente com o dinheiro da bilheteria. Mesmo os grandes espetáculos, como os musicais, não vivem exclusivamente com essa renda, eles possuem patrocínios por serem mais mercadológicos. Já os mais culturais, precisam de editais e leis de fomento”, explica o especialista.
Neste sentido, o ponto mais delicado será uma possível ausência de patrocínio. Com a crise, algumas empresas remanejaram suas verbas de apoio a cultura para ações sociais da pandemia. Por isso, o pós-COVID-19 pode ser um período mais limitado, caso não surjam novos apoios.
A IMPORTÂNCIA DA CULTURA
Ter consciência e clareza da importância das artes na construção da cidadania de qualquer povo é fundamental na hora de tomar atitudes relevantes para que a cultura – um grande patrimônio imaterial – não sofra prejuízos e possa continuar com suas atividades.
De acordo com Tavares, países com uma formação cultural mais sólida e difundida em sua sociedade, enfrentaram melhor a pandemia e compreenderam mais rápido a situação. “A formação cultural é muito importante, inclusive, em um momento como este, onde estamos vendo a dificuldade de adesão da população e governantes do significado da pandemia e a necessidade de isolamento”, comenta.
Há diversos espaços culturais que estão ameaçados por conta da crise, entre eles o Shakespere’s Globe, de Londres. Fechado desde 20 de março, o estabelecimento já anunciou que está vulnerável e que corre o risco de não abrir mais as portas, mesmo após a pandemia. Se perdas culturais e históricas, como essa, começarem a acontecer, a sociedade enfrentará grandes impactos.
“Será um empobrecimento da nossa capacidade de compreender a vida e o ser humano. Um espaço como o Globe, não só pelo sentido histórico da reconstrução, mas pela programação e pelo universo que ele celebra, é muito importante. É como um alimento cultural. Teremos uma alimentação mais pobre se perdermos essas coisas… Será muito prejudicial para as gerações que estão por vir”, diz ele.
Seguindo o plano de retomada, a previsão é que os teatros e concertos voltem a ter uma rotina presencial entre setembro e outubro. Para Abílio, até lá, o cenário artístico segue fragilizado e passará por muitos aprendizados, mas será capaz de superar como aconteceu em outros momentos.
“Espero que o teatro possa voltar a ser o espaço da celebração no encontro coletivo, logo. Espero que ele sobreviva a mais essa. Ele tem sobrevivido a tantas coisas, né? Quantas vezes já se falou sobre o fim do teatro? Quando chegou o cinema, a televisão, o videotape… Essa será mais uma prova, é a nossa esperança”, finaliza o profissional.
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