A operação do Stir/Shaken, tecnologia de verificação de autenticidade e integridade das chamadas telefônicas ainda em fase de testes pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), deverá progredir e ser liberada para uso efetivo em breve.
Em maio de 2024, a Anatel expandiu os testes do protocolo de autenticação e identificação de chamadas. Agora, em conclusão, o objetivo é encerrar os testes para implementar definitivamente o uso na indústria.
Até o momento, 50 operadoras concordaram em adotar a tecnologia. Em outras palavras, elas estão registradas e com contrato firmado, tanto na telefonia fixa quanto na móvel. Mas, afinal, o que é o Stir/Shaken e como esse sistema impactará a vida do consumidor?
Stir/Shaken: antifraudes
Em primeiro lugar, é preciso salientar que a implementação do Stir/Shaken é um passo fundamental para combater as fraudes e golpes envolvendo chamadas telefônicas. O protocolo também visa coibir o telemarketing abusivo. Nesse hiato, o propósito é trazer mais segurança e confiança para os consumidores.
Com a adesão das operadoras de telefonia ao protocolo, tanto na telefonia fixa quanto na móvel, espera-se uma significativa redução nas chamadas indesejadas e falsas, beneficiando a todos os usuários do serviço de telefonia no Brasil.
Entretanto, engana-se quem pensa que a ideia do Stir/Shaken surgiu recente. Tudo começou em julho de 2022. Nessa época, a Anatel tornou obrigatório o uso dos prefixos 0303 e 0304. “Implementamos essa medida em resposta ao crescente número de chamadas de telemarketing, buscando padronizar o setor e fornecer transparência ao consumidor sobre a natureza das chamadas recebidas”, disse a Anatel.
Contudo, a obrigatoriedade do 0303 e 0304 não resolveu o problema do spoofing, tática utilizada por hackers e operadores de telemarketing para falsificar o identificador de chamadas. Ademais, para agravar ainda mais a situação, a ampla adoção do prefixo 0303 acabou criando uma associação negativa entre empresas e consumidores.
Isso porque houve uma mistura de ligações indesejadas de robôs com chamadas legítimas de empresas. Por consequência, a identificação de chamadas importantes de empresas, como lembretes de renovação de seguro, por exemplo, foi prejudicada.
O nascimento do Stir/Shaken
Diante desse cenário, a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) propôs uma alternativa: o protocolo Stir/Shaken. O nome é uma abreviação para “Secure Telephone Identity Revisited“ e “Signature-based Handling of Asserted information using tokens“. Esse termo, em suma, faz referência aos métodos usados para verificar a autenticidade e integridade das chamadas telefônicas, garantindo maior segurança e proteção contra fraudes e ataques cibernéticos.
Assim, o Stir/Shaken é um protocolo internacional que opera nativamente, dispensando a necessidade de instalação de aplicativo. A tecnologia empregada utiliza criptografia e tokens para identificar a empresa de origem, visando proporcionar maior segurança ao usuário.
O “Stir” representa a Identidade Segura de Telefonia Revisitada, na tradução livre. Concentra-se na proteção de chamadas ilegais realizadas através de VoIP. O Voice over Internet Protocol (VoIP) é uma tecnologia que permite realizar chamadas telefônicas usando a internet, em vez de uma linha telefônica tradicional. Essa técnica converte sinais de áudio em pacotes de dados, que são transmitidos pela internet até o destino desejado.
Já o “Shaken” foca nas chamadas telefônicas convencionais, utilizando um token de segurança.
Validador de chamadas
Em outras palavras, essa solução, embora não seja obrigatória como o 0303, oferece uma abordagem para validar e autenticar chamadas, com a promessa de resolver os desafios enfrentados pelo setor anteriormente mencionados.
O Stir/Shaken já é amplamente adotado nos Estados Unidos desde 2019, e a tecnologia conseguiu reduzir consideravelmente o spoofing.
No Brasil, espera-se que traga benefícios semelhantes, oferecendo maior transparência e segurança aos consumidores. John Anthony von Christian, diretor executivo da ABT, ressaltou: “nossa associação reúne os principais participantes do setor, e todos estão conscientes de que consumidores e o mercado sairão beneficiados com a implementação da tecnologia de autenticação e verificação de chamadas”.
Benefícios para o consumidor
Ele explicou que o Stir/Shaken permite distinguir claramente as chamadas legítimas, trazendo maior transparência na comunicação com o consumidor, que terá a opção de atender ou não a ligação ao saber quem está ligando e com qual propósito, antes mesmo de atendê-la.
Então, em suas palavras, trata-se de um marco regulatório que promoverá transparência, melhorando a experiência do cliente e, com maiores índices de atendimento de chamadas, preservando os empregos dos profissionais de call centers. “A ABT reúne os principais agentes do setor, todos engajados na evolução e melhoria dos serviços de telecomunicações. E o Stir/Shaken é um passo crucial nessa jornada, impulsionando a segurança, transparência e eficiência nas comunicações”.
Assim será o procedimento: a Anatel, juntamente com as operadoras, estabelecerá os protocolos e requisitos para identificação e autenticação das chamadas. Posteriormente, as operadoras implementarão os sistemas para viabilizar a medida. Após a implementação dos sistemas, as operadoras poderão disponibilizá-los aos seus clientes, com foco nas grandes empresas de call center.
Como funciona?
No caso de adesão da empresa de call center à medida, as chamadas de seus clientes terão a identificação exibida no visor do celular com as seguintes informações:
- Nome da empresa;
- Número;
- Logomarca da empresa;
- Assunto da chamada.
Um selo que identifica o número autenticado, ou seja, validado, também será incluído, para distinguir a chamada como legítima, e não fraudulenta.
Desafios
Por analogia, o serviço será oferecido gratuitamente para o usuário e dependerá do cadastro das empresas, que serão as responsáveis pelos custos. Para isso, a Anatel se empenha em convencer as empresas a aderirem ao protocolo e a se identificarem perante o usuário.
Um fator que ainda restringe a utilização da tecnologia é a sua dependência da disponibilidade nos dispositivos móveis. Em outras palavras, somente os dispositivos mais modernos e atualizados poderão receber essa funcionalidade.
Código 0303
O Conselho Diretor da Anatel decidiu no fim de abril que o código 0303 deve ser utilizado para atividades que gerem um alto volume de chamadas. Determinou-se, na oportunidade, que a Superintendência de Relações com os Consumidores (SRC) deve intermediar discussões entre empresas e associações do setor. O propósito é estabelecer um Sistema de Validação de Dados.
O Sistema de Validação de Dados tem por meta reduzir chamadas aos consumidores e simplificar processos de atualização de cadastros. Entidades do setor fizeram um pedido de reconsideração, e essa decisão foi tomada em resposta. Em síntese, elas se opuseram à designação do código 0304 para atividades de cobrança.
O relator da decisão, conselheiro Artur Coimbra, destacou a importância da revisão da designação do código 0304 e a implementação do código 0303. Ele ainda ressaltou a criação do Sistema de Validação de Dados e sua conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). ”Entendo que um sistema dessa natureza estaria de acordo com a LGPD e promoveria um uso mais eficiente das redes e diminuição das chamadas. Por consequência, parece-me oportuno, então, que um passo adicional seria buscar a interlocução entre os setores de interesse e envolvidos”.
Novidades que já estão valendo
Novas regras para combater o telemarkting abusivo estão em vigor desde 1º de junho. Destacam-se o aumento do tempo para considerar uma ligação como curta, passando de três para até seis segundos, e a inclusão das chamadas direcionadas à caixa postal nesse conceito.
Douglas dos Santos Ribeiro, sócio do PG Advogados e especialista em Direito do Consumidor, comentou as diretrizes. “Essas mudanças representam um avanço significativo para adaptar a legislação às práticas comerciais atuais e promover um ambiente empresarial que valorize os bons fornecedores e preserve os consumidores de chamadas indesejadas. Algumas empresas de serviços de telefonia estavam burlando as métricas estabelecidas, resultando em um volume significativo de ligações inconvenientes. A ampliação do conceito de chamadas curtas e o aumento do tempo limite visam coibir essas práticas.”
Desde a primeira medida cautelar, aplicada em junho de 2022, a Anatel já bloqueou 909 usuários, firmou 143 termos de compromisso de boas práticas com empresas de telemarketing e aplicou multas que totalizam mais de R$ 28 milhões. De acordo com estimativas da agência, essas ações evitaram cerca de 110 bilhões de ligações abusivas, o que corresponde a uma média de 511 ligações por habitante.
De acordo com os resultados das medidas da Anatel de combate às ligações indesejadas, houve redução gradativa nas reclamações de telemarketing. Registaram-se 23.030 queixas em 2022, e esse número caiu para 22.701 em 2023. “Para as empresas que realizam mais de 100 mil ligações por dia, elas poderão fazer até 85% das chamadas de curta duração, e o descumprimento dessa regra pode resultar em multas de até R$ 50 milhões, além do bloqueio do número por até 15 dias”, acrescentou.
Bloqueio em casos de irregularidades
Uma novidade é que a Anatel pode determinar o bloqueio diretamente se identificar irregularidades. No entanto, a agência pode interromper o bloqueio antes do prazo se a empresa se comprometer formalmente a se adequar às regras. A área técnica da Anatel desenvolverá um sistema para validar os números de telefone por CPF. Dessa forma, as empresas de cobrança poderão verificar nas bases de dados das operadoras se um determinado número pertence realmente ao CPF do devedor.
“Plataformas como ‘Qual Empresa me Ligou’ e ‘Não Me Perturbe’ são essenciais para que os consumidores possam exercer ativamente seus direitos”, conclui Ribeiro. “Essas ferramentas oferecem um meio eficaz para que as pessoas identifiquem e bloqueiem chamadas indesejadas, contribuindo para um ambiente de telecomunicações mais saudável e respeitoso”.