O mundo digital fez setores tradicionais verem, de repente, seus modelos de negócio passarem por otimização e inovação – muitas vezes pelas mãos de startups e empreendedores digitais. É mandatório que adaptação seja uma palavra chave para estas empresas. Portanto, em um ambiente de alta complexidade e baixa diferenciação como o do setor de seguros, faz mais sentido para seguradoras e insurtechs unirem-se a concorrerem entre si.
“Tê-las como nossas parceiras de negócios nos ajuda a incorporar a atitude de inovação, de fora para dentro, o que é fundamental no contexto de transformação da sociedade e dos modelos de negócios”, diz Fernando Barbosa, presidente do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre nas áreas de Vida, Rural e Habitacional. O Grupo firmou uma parceria com a aceleradora ACE para ter apoio na busca por startups. “É preciso ressaltar que a ameaça às organizações mais tradicionais não está nas startups, mas sim no comodismo e na falta de visão de futuro. Somar a tradição das empresas com a agilidade das startups em prol do desenvolvimento do mercado segurador faz todo o sentido”, diz Barbosa.
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No caso da Porto Seguro, a saída foi criar sua própria aceleradora. Entre as 24 startups aceleradas pela Oxigênio estão empresas que complementam os seus negócios, como é o caso da Trackage, que faz rastreamento de bagagens (serviço que faz sentido quando se contrata um seguro viagem). Outros exemplos são a Evnt – uma plataforma on-line que conecta clientes corporativos a hotéis e espaços de eventos – e o Psicologiaviva, um assistente psicológico remoto que promove consultas a distância entre psicólogos e funcionários de uma companhia. “Empresas grandes têm questões de compliance e de gestão muito mais travadas. Ter contato com as startups gera uma vontade de fazer diferente e sacode o modelo de negócio”, diz Italo Flammia, diretor de inovação e digital da Porto Seguro. A Oxigênio já mapeou 130 oportunidades e fez deslanchar 35 projetos.
Com milhões de segurados em segmentos como auto, seguro-saúde, capitalização, seguros de vida e previdência privada, o Bradesco acaba de inaugurar o Habitat, um espaço de coinovação de 22 mil metros quadrados na Avenida Angélica, em São Paulo, para conectar empresas, startups, investidores, mentores e empreendedores. O intuito é buscar soluções tanto para o banco como para a seguradora, seja por meio da inovação de produtos, seja por meio de serviços, formas de contratação ou cálculo de risco. O Grupo também disponibiliza capital de R$ 100 milhões para rodadas de investimento em startups.
Expansão
Na área de saúde – um setor com infinitas possibilidades para inovar –, outras iniciativas vêm sendo incorporadas às seguradoras, como o Pediatra em Casa, da SulAmérica. A medida permite agendar, pelo app, atendimento pediátrico em domicílio na cidade de São Paulo para dependentes até 12 anos. Líder no segmento de assistência odontológica, a Odontoprev adotou como estratégia a incorporação de duas startups: a BoaConsulta, que disponibiliza agendamentos on-line, e a EasyDental, uma empresa de software.
Outro exemplo de inovação digital é a integração entre o banco de dados da empresa e do A.C. Camargo Cancer Center. Neste acordo, médicos recebem imagens da cavidade bucal dos pacientes via aplicativo em caso de suspeita de câncer. Para os dentistas, a empresa também desenvolveu um app que permite que eles enviem imagens via celular para comprovar tratamentos, dispensando a necessidade de radiografia. Segundo Rodrigo Bacellar, CEO da OdontoPrev, 86% das imagens geradas pelos dentistas já são digitais. “A postura disruptiva, a agilidade, o pensamento fora da caixa e a coragem em assumir riscos são características de startups que precisam ser incorporadas por qualquer organização, de qualquer setor da economia”, diz Bacellar.
Para Hugo Assis, líder de Seguros da Accenture para o Brasil e a América Latina, a tendência é de que as insurtechs complementem, de fato, cada vez mais o setor em vez de ameaçá-lo. “Essas empresas, em sua maioria, atuam em partes específicas do ecossistema, não com foco em substituí-lo e sim em modernizá-lo”, prevê o especialista. Segundo ele, com o crescimento exponencial do uso de celulares, as oportunidades são vastas. “A compra de uma passagem aérea para férias, a revisão do carro, entre outras tantas ações simples são exemplos de micromomentos que despertam uma série de oportunidades para o mercado de seguros. E já existem tecnologias suficientes para a detecção desses acontecimentos em tempo real e para uma oferta customizada ao cliente”, diz Assis.
Risco reduzido
A economia compartilhada, o avanço de veículos autônomos, drones, a popularização da internet das coisas e o uso de wearables e de sensores cada vez mais avançados prometem sacudir o mercado de seguros nos próximos anos. Algumas tecnologias estão em fase de prototipação. Outras, como a telemetria, já são usadas por seguradoras como a Youse, a Thinkseg, a Porto Seguro e a Liberty para prevenir riscos e personalizar a contratação. A tecnologia permite que a seguradora acompanhe, por meio da instalação de um device no automóvel, o comportamento do motorista ao volante. Aceleração, frenagem, regiões por onde transita, onde estaciona. Tudo é registrado.
“Lançamos o aplicativo Direção em Conta no ano passado para oferecer uma precificação mais justa ao consumidor, focando menos os estereótipos de motoristas e mais o comportamento de cada indivíduo”, diz Carlos Magnarelli, CEO da Liberty Seguros. Condutores que instalam o aplicativo recebem, no fim de cada viagem, um diagnóstico que, após 60 dias, pode lhe render até 30% de desconto no valor do seguro. Na Porto Seguro, a telemetria faz parte de um projeto voltado a jovens entre 18 e 25 anos. Neste caso, o segurado recebe o desconto no ato da renovação caso tenha tido um bom comportamento.
Em outros países, a telemetria já é usada, inclusive, para recompensar bons motoristas. O Drivewise, da americana Allstate, analisa o comportamento do condutor e, a partir dele, o recompensa. A também americana Metromile emite apólices mais em conta para quem só usa o veículo nos fins de semana. É o chamado Pay-as-you drive. “Como a cada dia estamos mais conectados a dispositivos que possuem o poder de monitoramento, a indústria de seguros precisa levar em conta esse fator individual para sua definição de regras de preços, descontos e recompensas”, diz Assis, da Accenture.
Novo olhar
Nos seguros-saúde, são os wearables que prometem ajudar as seguradoras a ficar de olho na saúde do usuário. Conectados a aplicativos, relógios, pulseiras e medidores são capazes de monitorar a saúde do paciente e até mesmo fazer recomendações. No fim do ano passado, a Samsung firmou parceria com a seguradora americana UnitedHealthcare para que ela passasse a monitorar – e remunerar – os consumidores por meio dos passos dados e registrados pelos relógios da marca. Neste caso, o cliente pode escolher entre o Gear Fit2 e o Gear Sport. Já na seguradora nova-iorquina Oscar, os segurados recebem até US$ 1 por dia quando as metas de caminhada forem batidas. O valor é revertido em compras na Amazon.
Segundo a empresa, o segurado pode receber até US$ 240 por ano. Por aqui, algumas seguradoras começam a dar os primeiros passos rumo ao monitoramento da saúde dos segurados. A SulAmérica, por exemplo, fechou parceria com a Sharecare no ano passado, uma plataforma digital focada em gestão de saúde. Entre outras funcionalidades, o app identifica qual é a idade real do usuário e sugere o que ele pode fazer para evitar envelhecer mais depressa. A ferramenta também avalia o nível de estresse pelas características da voz e faz recomendações para um estilo de vida mais saudável.
Outro segmento que deve ser bastante impactado é o de seguros residenciais. Sensores como os de incêndio, presença e vazamento de gás prometem dar mais segurança ao usuário e economia para as seguradoras. “A grande tendência é sair do modo proteção e partir para o modo prevenção. Prevenir riscos é algo que veremos casa vez mais nos seguros de carro, casa e vida”, diz Mattiuzzo, da Youse. Com acesso a tantos dados, os especialistas alertam que as empresas devem se preparar para um universo no qual os produtos irão se tornar cada vez mais simples para os usuários e complexos para as seguradoras, que caminham rumo a apólices muito mais individualizadas. “As seguradoras tradicionais estão se transformando em empresas digitais. O próximo passo prevê uma ruptura rumo à seguradora individual”, alerta Domeneghetti. O desafio está lançado.
*Esta é a segunda parte do Especial Seguros. Confira a primeira parte aqui.