O ano de 2020 não foi de águas calmas. No âmbito profissional, sentimentos de incerteza, medo e ansiedade afetaram muitos profissionais, fazendo com que o termo “saúde mental no trabalho” fosse um dos mais procurados no Google.
Segundo uma pesquisa realizada no ano passado, conduzida por Raquel De Boni, Francisco Inácio Bastos e Jurema Mota, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% dos trabalhadores de serviços essenciais durante a pandemia de Covid-19, no Brasil e na Espanha. Mais da metade deles sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo, um cenário alarmante.
Contudo, antes mesmo da pandemia ser decretada, pesquisas vêm mostrando que a saúde mental no trabalho está sendo afetada por uma série de outras questões, como pressão psicológica, ritmo muito intenso de demandas, ambiente de trabalho negativo e carga horária excessiva.
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De acordo com um levantamento da Previdência Social, a sobrecarga mental tem sido uma das principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. Diante desses dados, agravados agora por uma crise epidemiológica e financeira pela qual o Brasil atravessa, não é difícil concluir que a saúde mental no trabalho corre perigo.
Cada vez mais esgotados?
Além da esfera fisiológica, manter-se em equilíbrio é essencial na vida do ser humano. Até mesmo quando o assunto é o estresse – que por muitos ainda é considerado um vilão da saúde – em doses equilibradas, ele é um ótimo indicador de qualidade de vida. Isso porque o estresse, em níveis adequados, pode ser estimulante e desenvolvedor do autocontrole. Quando o nível ultrapassa o limite, aí sim, essa reação do organismo pode ser extremamente prejudicial.
Sendo assim, quando há uma extrapolação desses níveis aceitáveis, sintomas como irritação, insônia, falta de energia, dentre muitos outros, acertam trabalhadores em cheio, não só em nível profissional, como também pessoal.
Quando uma pessoa atinge níveis avassaladores de estresse, médicos diagnosticam a chamada síndrome de Burnout.
A psicóloga norte-americana Christina Maslach, que cunhou o termo nos anos 80, o definiu como uma doença profissional. O conceito se popularizou na década de 90, nos Estados Unidos, significando um distúrbio psíquico causado por um nível de stress devastador capaz de deixar uma pessoa exausta a ponto de não ter condições de exercer suas funções profissionais.
Segundo pesquisas realizadas pela ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), 30% dos profissionais brasileiros sofrem com a síndrome.
A importância de manter a saúde mental no trabalho
Para Ana Chauvet, especialista em recolocação profissional e analista de recursos humanos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), quando há um ambiente de trabalho favorável e equilibrado, todos saem ganhando, elevando até a produtividade dos profissionais. “Gerir melhor o tempo e distribuir corretamente as tarefas também ajuda nesse processo”, afirma.
Outras posturas organizacionais que ajudam a construir um ambiente mais saudável no trabalho, contribuindo para a saúde mental são:
- Eliminar pressões desnecessárias;
- Combater situações de assédio e humilhação com políticas claras;
- Valorizar a colaboração e socialização no trabalho;
- Definir claramente horários de trabalho e descanso, respeitando-os;
- Proporcionar ajuda com profissionais qualificados, como psicólogos, para ouvir e ajudar funcionários em situações complexas, sejam elas profissionais ou pessoais.
Os hábitos importam
Manter um ambiente saudável, sem intrigas, com diálogos e gestão de conflitos é dever de todos. “Pode parecer difícil, mas desenvolver o autoconhecimento te faz ter mais empatia. E entender o outro é fundamental nesse processo de bem-estar”, esclarece Ana Chauvet.
O equilíbrio na vida também é fundamental: com muitas horas dentro da empresa ou em home office, os limites da boa convivência entre trabalho e vida pessoal ficam extremamente comprometidos. Apostar em atividades físicas, trabalhos sociais, seguir uma alimentação saudável e equilibrada e conectar-se com sua essência e mente refletem no desenvolvimento da parte comportamental.
Por isso, muito além de financiar as necessidades básicas de uma pessoa, o trabalho é importante para trazer senso de utilidade ao ser humano, de realização. E ter o bem-estar é o complemento ideal para isso funcionar bem.
O papel do líder na promoção da saúde mental
Ana Chauvet é enfática ao dizer que o líder com uma escuta ativa ajuda e muito na saúde mental do colaborador.
“Vejo muitos profissionais reclamando que seus líderes não os escutam, não sabem passar feedback e não mostram os pontos de ajustes. Gosto muito de falar da técnica de ‘alinhamento de expectativas’. Quanto mais alinhado for o trabalho, a conversa com a equipe e o desenvolvimento dos profissionais, maior a chance desses profissionais se sentirem acolhidos”, esclarece.
Além disso, os gestores também precisam cuidar de suas saúdes mentais. Eles precisam se desenvolver emocionalmente para conseguir cuidar de seus liderados.
Somente desta forma será possível observar de forma mais assertiva e empática os comportamentos inadequados, as necessidades e ajustes e a criação de rotas de ação de suporte para a equipe.
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E a responsabilidade das empresas?
As mudanças repentinas, impulsionadas em larga escala pela pandemia, fizeram muitos profissionais entrarem em conflitos e não saberem lidar com as situações adversas que surgiram com essa nova realidade.
Diante dessa situação, se as empresas desejam ter pessoas equilibradas, com uma história duradoura e que o ambiente seja agradável, é parte do papel da companhia cuidar dos funcionários.
“Um ser humano não é composto apenas de habilidades técnicas para desenvolver o trabalho, ele também possui sentimento, coração e uma mente que, se estiver maltratada, prejudicará os resultados”, finaliza Ana Chauvet.