Nos últimos anos, o aumento expressivo das doenças psicossociais no ambiente corporativo tem acendido um alerta para empresas e profissionais. Diante desse contexto, como a neurociência pode ajudar a compreender os impactos do estresse crônico na produtividade e na saúde mental? Como as empresas podem equilibrar alta performance e bem-estar, criando um ambiente de trabalho mais saudável e equitativo?
“O estresse crônico ativa de forma constante o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), liberando altos níveis de cortisol. Isso prejudica a memória, a tomada de decisões e a criatividade, além de comprometer o funcionamento do córtex pré-frontal – a região responsável pelo pensamento crítico e planejamento. A longo prazo, essa hiperativação pode levar à exaustão mental e emocional, impactando diretamente a produtividade e a saúde geral dos profissionais”, explica Ana Volpon, especialista em bem-estar por meio do ayurveda, neurociência, psicologia positiva e mindfulness e autora do livro “Autenticidade – O melhor tempero da vida“.
Hiperprodutividade vs. Bem-estar
A cultura da hiperprodutividade e a busca incessante por resultados têm impactado a saúde mental dos trabalhadores. Em setores altamente competitivos, como finanças, tecnologia, advocacia e saúde, esse problema é ainda mais evidente, levando ao esgotamento profissional. No entanto, segundo a especialista, o fator determinante não é o segmento em si, mas a cultura organizacional e o modelo de gestão adotado pelas empresas.
“Pode ser qualquer empresa que valorize a cultura da hiperprodutividade, sacrificando o descanso, o equilíbrio. São ambientes que trazem impactos na saúde mental dos colaboradores”, afirma Ana. “Quando a exaustão é vista como sinônimo de dedicação, de eficiência, de produtividade e de resultado, o cenário para impactar negativamente a saúde mental dos funcionários está armado”, acrescenta.
Ao mesmo tempo, cada vez mais, empresas buscam soluções baseadas na neurociência para melhorar o bem-estar dos colaboradores. Estratégias como pausas, ciclos de produtividade baseados no ritmo ultradiano (como a técnica Pomodoro), mindfulness e ambientes que promovam segurança psicológica têm se tornado essenciais.
“Além disso, flexibilizar a carga horária, oferecer apoio psicológico e criar um ambiente de confiança entre líderes e equipes são práticas essenciais para reduzir o estresse e melhorar a performance sem sacrificar a saúde mental”, destaca.
Ainda segundo a especialista, o equilíbrio entre performance e bem-estar depende de uma mudança de mentalidade. “As empresas precisam abandonar a ideia de que mais horas de trabalho equivalem a mais resultados. Pesquisas mostram que profissionais mais descansados, com tempo para recuperação mental, são mais produtivos e inovadores”, frisa.
Para equilibrar esses aspectos, Ana ressalta ser essencial estabelecer metas realistas, valorizar a qualidade do trabalho acima da quantidade e incentivar pausas estratégicas ao longo do dia. “A liderança tem um papel crucial nesse processo ao modelar comportamentos saudáveis e incentivar um ambiente que valorize a saúde integral”, pontua.
O papel da tecnologia
A tecnologia tem sido uma ferramenta poderosa na organização da rotina de trabalho. Ao mesmo tempo, se mal utilizada, também pode ser uma das maiores fontes de estresse. A especialista reforça que, hoje, vivemos hiperconectados: as notificações não param, os e-mails chegam a qualquer hora, inclusive nos finais de semana, e a linha entre o que é pessoal e profissional ficou cada vez mais borrada. Com o trabalho literalmente na palma da mão, muitas pessoas sentem que nunca conseguem, de fato, se desconectar.
“Mas não é a tecnologia em si que causa o problema, e sim a forma como nos relacionamos com ela. Quando usada com consciência, ela pode trazer mais equilíbrio à vida profissional. Ferramentas com Inteligência Artificial já conseguem identificar padrões de sobrecarga, sugerir pausas, organizar tarefas por prioridade e até medir sinais de estresse por meio de comportamento digital”, explica.
Além disso, assistentes virtuais e plataformas de produtividade podem ajudar a otimizar o tempo, reduzir tarefas repetitivas e liberar espaço mental para atividades mais estratégicas e criativas. O segredo, de acordo com Ana, está em usar a tecnologia como apoio à saúde e à eficiência – e não como instrumento de pressão por desempenho constante. “Em vez de sermos controladas por ela, precisamos aprender a usá-la a nosso favor”, reforça.
Com o avanço da Inteligência Artificial (IA), muitas empresas estão utilizando ferramentas para medir o bem-estar corporativo. Essas soluções podem identificar sinais precoces de burnout e fornecer insights personalizados para melhorar a saúde mental dos colaboradores.
“No entanto, os riscos existem: o uso inadequado de dados sensíveis pode invadir a privacidade dos funcionários e gerar desconfiança. É fundamental que as empresas sejam transparentes, obtenham consentimento claro e priorizem a segurança da informação. A tecnologia deve ser usada para apoiar, não controlar”, pontua.
O papel dos líderes na saúde mental corporativa
Transformar a cultura corporativa não significa perder performance. Pelo contrário, trata-se de alinhar o ambiente organizacional ao bem-estar dos colaboradores para sustentar resultados no longo prazo. Esse é o princípio que norteia as boas práticas de gestão voltadas para um modelo mais saudável e produtivo. Entre as principais recomendações para promover essa mudança, está a escuta ativa da equipe.
“A cultura começa com empatia. Pergunte, observe e esteja aberto ao que emerge. Cuide da saúde mental como parte da estratégia, não como apêndice. Pessoas saudáveis produzem mais, inovam mais e permanecem na empresa. Seja o exemplo. Líderes que praticam equilíbrio inspiram confiança e engajamento. Implemente micro mudanças consistentes: pausas intencionais, metas claras e feedbacks construtivos já geram impacto. Avalie o sucesso por múltiplos indicadores, não apenas performance. Engajamento, clima, pertencimento e saúde são métricas que fortalecem resultados sustentáveis”, finaliza.