Você já parou para pensar nos seus hábitos de consumo? Avaliar o que você tem consumido, de que forma e por quê? Essas são algumas das perguntas que têm norteado os planos e estratégias de muitas empresas que perceberam a necessidade de fazer mudanças em seu portfólio, e até mesmo na forma de se comunicar com o público, diante da “revolução politicamente correta”.
Em tempos nem tão distantes, como a década de 90, o consumismo era uma prática comum, principalmente entre adolescentes e jovens. A vontade de possuir algum produto falava mais alto do que qualquer preocupação com as consequências disso. Mas a evolução da teoria do consumo consciente mudou essa realidade. E isso tem influenciado o mercado de forma significativa e decisiva.
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“Vivemos um momento em que parte da sociedade já se deu conta de como o consumo desenfreado é nocivo pra o planeta e para o seu bolso. Contudo, entre compreender a importância de consumir de forma sustentável e de fato conseguir colocar isso em prática, há uma distância considerável – inclusive porque, muitas vezes, consumir produtos que sejam sustentáveis demanda maior investimento de dinheiro ou de tempo, coisas que nem todos dispõem de sobra. Nesse sentido, vemos as marcas cada vez mais adicionando em seus portfólios produtos que tenham os atributos buscados por aqueles que já têm uma maior preocupação com questões relacionadas ao consumo consciente. Mas infelizmente, ainda mais em um Brasil em crise, essas alternativas não estão disponíveis para todos”, diz Fernanda Kraemer, diretora de Planejamento da W3haus, empresa do Grupo Stefanini.
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Consumo consciente: um desafio de toda a cadeia produtiva
Em meio a essa mudança de comportamento do consumidor, que se tornou ainda mais presente nas duas últimas décadas, a impulsividade passou a ser inimiga do consumo consciente. Com isso, líderes empresariais se viram diante do desafio de mudar para “competir” com os hábitos desse modo de vida adotado por um número cada vez maior de pessoas mundo afora.
“Adaptar o portfólio, ‘limpando-o’, é algo que as empresas mais conscientes estão fazendo aos poucos. Não se trata de mudar todos os produtos, serviços e fornecedores da noite para o dia, mas de uma mudança que deve acontecer lentamente, porque envolve processos complexos”, observa Fernanda Kraemer.
Essa nova forma de encarar o consumo deu lugar a conceitos como o de estimular as pessoas a avaliar os impactos ao meio ambiente e à sociedade antes de adquirir produtos ou serviços. A tradução disso para o setor produtivo é: precisamos nos adaptar.
“Vemos muitas empresas concebendo produtos cada vez mais ‘verdes’ e com uma cadeia produtiva mais limpa. Contudo, essas alternativas frequentemente custam mais do que os produtos tradicionais, o que coloca muitas indústrias em um desafio de, além de achar soluções com menos impacto ambiental, encontrar formas de produção que também sejam acessíveis para as pessoas”, aponta a diretora de Planejamento da W3haus.
E o que as empresas têm feito – ou deveriam fazer – para conquistar esse público adepto do politicamente correto? “Acredito que, assim como a sociedade tem se tornado cada vez mais consciente acerca das injustiças e desigualdades sociais, o mesmo tem acontecido com as empresas. Nesse sentido, vemos um cuidado maior com a cadeia que envolve os produtos fornecidos, com a comunicação (que não pode, de forma alguma, reforçar estereótipos ou oprimir grupos sociais) e com a composição da própria equipe”, afirma Fernanda Kraemer.
Inovações e fricções
Segundo ela, alguns setores da economia têm se sobressaído no atual cenário do consumo consciente. “Empresas do ramo da moda, por ser uma antena cultural e responder a demandas sociais, e de tecnologia, em função da possibilidade de rápida atualização, têm trazido inovações importantes nesse sentido. Além disso, marcas esportivas, como a Nike, também têm se posicionado e inovado com produtos agênero e se expressado abertamente sobre questões políticas, raciais e sociais.”
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Mas não é uma realidade simples de modificar. De acordo com a especialista em planejamento estratégico, muita gente – dentro e fora das organizações – ainda não entendeu que, não é porque algo sempre foi assim que precisa continuar sendo da mesma forma. “Além disso, aqueles que se beneficiam de alguma forma por meio do racismo, machismo ou da desigualdade social sempre tendem a ser contra movimentos que buscam libertar grupos da opressão.”
Contra o preconceito de gênero
Continuar estimulando a divisão entre homens e mulheres – seja em relação a direitos e deveres, de espaço na sociedade, de posição social ou qualquer outra forma de discriminação – é um conceito que deve ser abolido por empresas que querem crescer junto com a evolução do pensamento de uma sociedade que prega a justiça (em seu mais amplo significado).
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“Mais do que mudar a forma com a qual se comunicam, é fundamental que as empresas tenham mais mulheres no quadro de liderança, tomando decisões que não reforcem uma lógica machista. Temos visto muitos avanços também na comunicação de empresas que atuam em segmentos tradicionalmente machistas, como o de produtos de limpeza. É muito positivo quando vemos marcas como a Ariel e a Mr. Músculo fazendo campanhas que falam da importância da divisão de tarefas domésticas. Na verdade, é um compromisso de todos, agências, anunciantes e veículos de comunicação, pensar em formas de combater os estereótipos de gênero e outras maneiras de opressão, afirma Fernanda Kraemer.
Experiência do cliente
Nesse sentido, segundo a especialista, é fundamental alinhar a comunicação para melhorar a experiência dos clientes e atender os mais diversos públicos. “Ouvir as pessoas em geral e a comunidade que gosta da marca é o primeiro passo – e o mais importante – para uma marca tomar decisões acertadas. Mas é fundamental para uma empresa tomar decisões estratégicas: escolher com quem vai falar e como. Tentar agradar a todos os tipos de público com uma mesma marca e produto pode ser, muitas vezes, a melhor forma de não agradar ninguém”, alerta a diretora de Planejamento da W3haus.
“Quanto mais nos digitalizamos e consumimos conteúdos já segmentados e recomendados para nós, mais esperamos que nossas experiências com as marcas, em qualquer plataforma, sigam essa lógica, encurtando caminhos e poupando tempo. Mas a personalização só é bem feita se for antecedida por um trabalho sólido de pesquisa”, acrescenta Fernanda Kraemer.
Pergunta do presente, resposta do futuro
Diante de tantas revoluções dentro de um mesmo conceito e da necessidade de mudanças sólidas de comportamento, o que é possível esperar sobre os produtos no futuro? Para a diretora de Planejamento da W3haus, produtos que não reforcem estereótipos ou a opressão de minorias serão bem-vindos.
“No setor de moda, esportes, beleza e cuidados, roupas e acessórios que não sejam criados pensando em uma divisão de gênero tendem a ser bem recebidos. Itens de maquiagem, por exemplo, podem ser criados e anunciados pensando em um público feminino, masculino ou não binário. Além disso, as marcas devem ser cada vez mais cobradas por seu posicionamento político. Ficar em cima do muro em situações extremas e de polarização, pode ser uma opção arriscada”, conclui.
*Por Patrícia Suzuki.
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