Já chamada – e em busca de ser – a empresa mais sustentável do mundo fashion, a marca de roupas Patagonia deu recentemente um passo além em sua política de reparo de peças com o lançamento de um novo centro de serviços de reparos em Amsterdã, Holanda.
O local em si não é novidade para a companhia que já possui a maior instalação de conserto de roupas nos Estados Unidos, na cidade de Reno, Nevada, e uma rede de costureiros que estende a vida útil de cerca de mil itens da marca todos os meses na Europa. A mudança é que o holandês United Repair Center foi desenhado para ser compartilhado por outras marcas.
O objetivo da decisão é encorajar mais companhias a fazerem parte do movimento de reparo, tornando este tipo de serviço mais acessível para seus consumidores, tanto por disponibilidade de estrutura quanto por ser gratuito ao cliente.
Patagonia ultrapassa a questão da sustentabilidade
A visão da Patagonia nesta iniciativa, inclusive, ultrapassa a questão da sustentabilidade e é case de política ESG, uma vez que o United Repair Center foi desenvolvido em parceria com a ONG holandesa Makers Unite, que qualifica e emprega refugiados ou profissionais criativos recém-chegados no país.
Além disso, em setembro deste ano, o centro deve começar a treinar 300 estudantes como técnicos em reparo têxtil a fim de crescer a capacidade da nova instalação. A meta é consertar 300 mil peças anualmente. Serão milhares de jaquetas, calças, abrigos, calçados e outros que deixarão de serem jogados fora e substituídos.
E as perguntas que ficam, junto com as peças, é: o mercado reuso veio para ficar? Como essa lógica de consumo acaba reestruturando o mundo fashion?
Mercado de reuso está em alta, por quê?
“É fato que os consumidores estão demandando práticas mais sustentáveis, seja no setor da moda ou em outros setores”, fala o engenheiro florestal Bruno Yamanaka, especialista de conteúdos do Instituto Akatu, ONG que trabalha pela conscientização para um consumo responsável.
O instituto, em parceria com a Globescan, realizou a pesquisa Vida Saudável e Sustentável, que demonstrou justamente a tendência da busca por sustentabilidade na experiência do consumidor. Segundo o estudo, entre 70% e 74% dos brasileiros considera muito útil que as empresas forneçam produtos e serviços que ajudem a usar menos recursos e que durem mais tempo.
Os respondentes também valorizaram iniciativas diversas voltadas a práticas de ESG, como garantir que água e energia não sejam desperdiçadas no processo de produção, não prejudicar animais em testes e investir em ciência, pesquisa e desenvolvimento.
Pessoas que consideram a preocupação com o meio ambiente neste momento aumentaram de 65% em outubro de 2020 a 69% em maio de 2021.
Já especificamente no mundo fashion, uma pesquisa feita pela revista Vogue mostrou que sustentabilidade é um fator de importância crescente ao fazer uma compra de moda. As pessoas que consideram a preocupação com o meio ambiente neste momento aumentaram de 65% em outubro de 2020 a 69% em maio de 2021.
A pesquisa também mostrou o papel que a fidelidade à marca desempenha nas jornadas de compras sustentáveis dos clientes. Os entrevistados querem que as marcas que já amam se tornem mais sustentáveis, porque preferem continuar comprando delas do que mudar para marcas sustentáveis alternativas. Essa demanda tem o potencial, portanto, de alterar as lógicas já existentes no mercado.
É o caso da Patagonia, que com seu histórico de ações pelo consumo consciente tende a atrair e reter consumidores alinhados com suas políticas de reparo e extensão da vida útil dos produtos, além de influenciar outras companhias a fazerem o mesmo.
“Optar pelo durável ao invés do descartável por meio do reparo é uma das alternativas em direção a uma economia circular. Isso naturalmente beneficia o meio ambiente, uma vez que reduz o consumo de recursos naturais para a fabricação de novos itens e mantém os mesmos produtos, mais duráveis, por mais tempo em uso”, explica o especialista de conteúdos do Instituto Akatu, Bruno Yamanaka.
O case Patagonia
O centro compartilhado de reparo de roupas em Amsterdã é apenas a última ação da Patagonia com foco na sustentabilidade. Muito antes do assunto virar tendência, a marca já faturava alto levando em conta o viés ambiental como um de seus pilares.
Criada em 1973, a empresa foi pioneira em vender peças feitas com material reciclado. Hoje, 70% dos seus itens utilizam este tipo de material, mas a meta é chegar a 100% até 2025. O algodão utilizado na sua confecção é orgânico e, desde 1985, a companhia destina 1% de sua receita líquida para ONGs voltadas para a defesa meio ambiente.
A Patagonia também virou símbolo do marketing anti-consumo e a vida longa de seus produtos, assim como o incentivo ao reuso e ao reparo, estão na vitrine mais visível de suas práticas. Em um anúncio de 2011, ela chegou a utilizar o slogan “Não compre essa jaqueta”, alertando os clientes sobre o consumo excessivo e os danos que ele pode causar.
Essas – e muitas outras – iniciativas, como o projeto Sustainable Apparel Coalition, que reúne marcas de roupas e acessórios comprometidas com a preservação do planeta, fizeram com que a Patagonia ganhasse o prêmio Campeã da Terra, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. A honraria é o principal prêmio ambiental do mundo e reconhece líderes que atuam por um futuro mais limpo no planeta.
Além disso, ao contrário do que possa parecer, as finanças da empresa a acompanha positivamente. Mesmo com todo o investimento em práticas sustentáveis, de 2017 a 2019 o faturamento da marca passou de US$ 750 milhões para US$ 1 bilhão, por exemplo.
Marcas e um mundo fashion mais sustentável
Segundo dados da Fundação Ellen McArthur, a produção de roupas praticamente dobrou nos últimos 15 anos, gerando também um aumento de desperdício: em média, duas toneladas de peças de roupas são queimadas ou enviadas para aterros a cada segundo.
Enquanto o fast fashion tem gerado impactos ambientais e sociais significativos e comprovados, uma outra corrente em contraposição a este modelo tem ganhado força.
Para o engenheiro ambiental Bruno Yamanaka, diversas iniciativas estão sendo cada vez mais adotadas no mercado de moda. Além do reparo de peças, elas incluem:
– Modelos de negócios baseados no aluguel de roupas ao invés da posse;
– Mercado de usados ou de segunda mão que comercializam peças não desejadas/utilizadas por um consumidor, mas que estão em bom estado para serem utilizadas por outro;
– Modelos de negócios voltados à produção de peças de alta qualidade visando à durabilidade do produto;
– Iniciativas de upcycling, que mantêm o valor de uma peça ou até agregam mais valor, como é o caso de restos de tecido que são transformados em peças novas.
Para ele, estes novos modelos de negócios estão cada vez mais presentes nos diversos setores de mercado, não só no mundo fashion. “Isso mostra que não só devem ser feitos, mas também já estão sendo explorados de forma a transitar para uma economia circular viável, valorizando cada vez mais os recursos utilizados”, completa o especialista.
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