No final da tarde de ontem, uma bomba explodiu. Uma bomba feita do material orgânico que atirou o Brasil na recessão mais tenebrosa da nossa história: corrupção, tráfico de influência, malas de dinheiro, ganância, acordos furtivos, conluios entre agentes públicos, privados, políticos e toda sorte de escroques. O país que trabalha à luz do dia e que a duras penas procurava resgatar uma certa normalidade, vislumbrando um horizonte, foi atirado novamente ao terreno lúgubre de nossas baixezas políticas.
Mesmo o mais impoluto trabalhador, o mais alienado cidadão não têm mais a prerrogativa da inocência. A crise que nos domina é parte de nossas vidas e também reflexo de nossas escolhas equivocadas, do nosso apego por soluções mágicas e ilusões embaladas pelo marketing político. Se ontem havia algum motivo para otimismo, hoje só há perplexidade e o depois traz apenas perguntas: renúncia? Impeachment – o segundo em dois anos, como a mais vil das repúblicas bananeiras? Eleição indireta como prevê a constituição? Mas quem poderia ser ungido presidente por um Congresso coalhado de suspeitos e dos suspeitos de sempre? Eleição direta? E jogar o país nas mãos de um aventureiro, sem uma discussão política mais ampla? Ou pior, devolver o país às mãos de quem estruturou decisivamente a propinocracia que fagocitou a democracia?
Em outras crises, nesses tempos inacreditáveis que vivemos desde 2003, primeiramente dopados pela ilusão de crédito farto, populismo fantasioso de um país que se tornaria potência, depois paulatinamente incomodados e por fim escandalizados com a dimensão doentia da propinocracia que remodelou boa parte das instituições, seguimos trabalhando. Essa resposta quase inevitável fez com empreendedores, executivos, cidadãos pudessem viver, tentando trazer algo de normal para o cotidiano anormal de um país em transe: inseguro, quebrado, vergado sob o peso de um Estado devorador de recursos e dominado por uma lógica de permanência de uma casta no poder. A política tornou-se profissão, seguro e artifício para assegurar poder e influência vitalícias às custas de milhões que se autoenganam.
Mas nem essa tentativa de se agarrar à normalidade nos resta. Trabalhar para que mesmo? Recolher impostos para quem? Produzir com que objetivo? Que relações de consumo podemos almejar quando todas as relações institucionais parecem contaminadas pela sanha de corromper, agiotar, blefar, mentir compulsivamente?
O fato é que o país precisa de uma solução urgente. E ela tem de partir de uma orquestração de lideranças que inclua necessariamente os agentes produtivos, empresas de todos os segmentos, grandes, médias, pequenas, startups e consumidores. Não é possível admitir a contumaz inércia de nossa classe empresarial diante desse quadro. Ou assumimos nosso papel decisivo nesse momento ou novamente ficaremos a reboque das ideologias e vicissitudes de uma agenda política que poderá mergulhar o país mais ainda no abismo.
Havia uma impressão de que caminhávamos pelo túnel seguindo uma luz – ao menos na economia – rumo a um arejamento de princípios e de busca de racionalidade. Mas a bomba clareou um abismo que parece tragar a nação. Sim, o momento é de frear essa queda, defendendo uma agenda modernizadora dos costumes políticos e da implementação de uma agenda realmente empreendedora, qualquer que seja o governo ou o arranjo político que resulte dos escombros e das ruínas do sistema atual. Uma reforma real que passa pela reconstrução de nossa própria consciência, que lance as bases para organizarmos melhor nossa sociedade, nossa política, nossa cultura e nossa economia.
Agora, você, eu e todos nós estamos colhendo as raízes da propinocracia que deixamos imperar por sobre a nossa inépcia, apatia e inação. Que nosso amanhã seja o resultado não apenas da nossa indignação, mas sobretudo da nossa ação.