É sempre bom ficar atento para evitar repetir clichês que são ditos e repercutidos o tempo todo como verdades absolutas. O mercado corporativa está cheio deles. Quando o assunto é experiência do cliente então, os chavões se multiplicam. Um deles, clássico e repetido insistentemente é o preço. E aí a gritaria é ensurdecedora: “Empresas que competem por preço não tem vida longa”; “falar de preço e destacar preço só fazem uma empresa virar commodity”, “não adianta falar de preço se o cliente não enxerga valor na oferta” e por aí vamos.
Bom, por incrível que possa parecer, e como em tudo o que cerca a gestão e os modelos de negócios, há verdade nessas proposições, mas ela está longe de ser absoluta. Porque preço pode ser, sim, um elemento fundamental da experiência. E aqui me refiro especialmente ao preço baixo.
A audiência pode fazer uma cara de espanto: “como assim, preço baixo ser elemento de experiência?” A vida tem dessas coisas. Logicamente, preço alto é parte integrante da experiência das marcas de luxo. Quem vai contestar que a experiência da Ferrari ou da Louis Vuitton não está intrinsecamente associada ao alto preço (e coloque “alto” nesse número) de seus produtos? Mas por que então eu falo que preço baixo e competição por preço podem sim retratar uma experiência gratificante para o cliente?
Bom, essa ideia contraintuitiva pode ser resumida na frase que deu título a um anúncio muito bom, veiculado na década de 90 pela então DM9 (na fase áurea, comandada por um Nizan Guanaes inquieto e atrevido): tudo por apenas. O título do anúncio destacava a liquidação da VR, grife de moda ainda resistente e que enfatizava moda masculina de alta costura por um preço mais convidativo.
Pois bem, o “tudo por apenas” é exatamente o retrato perfeito de como qualquer empresa, que venda o que vender, pode oferecer experiência cobrando preço baixo. Principalmente em um país como o Brasil, desigual, com deficiência de letramento digital, barreiras de entrada para consumo de produtos e serviços, muito aspiracional latente e muita vontade de exercer o direito de que “Quem não deve, não tem”.
Assim, meus caros e caras usuários e usuárias, o Brasil, o CX Made in Brazil criou um fast food onde até há pouco tempo uma pessoa comia uma refeição na mesa, com prato e talher, servido por garçom, a módicos R$ 10,00. E digam que o Alberto Saraiva, que concebeu o Habib’s estava errado na sua ideia.
Ou então, andamos mais para o lado e vemos trufas de chocolate, que no início dos anos 2000 eram vendidas em bacias, a R$ 1,00 cada. Sim, você deve ter lembrado da Cacau Show em seus primórdios. E ainda hoje, ela é sinônimo de uma experiência agradável, cheia de memória afetiva, açúcar e sabor a preços ‘beeeeem’ módicos. Até motivou a Kopenhagen a criar a sua marca “popular”, Brasil Cacau.
“Ah, mas isso só funciona com comida”… Bom, então começamos a pensar em preparação física e bem-estar a R$ 80,00 por mês. Você na academia, bonitona, cheia de aparelhos novinhos, luz neon suave, música de balada, treinadores, e tecnologia de ponta. Receita da Smartfit, maravilhosa.
Moda? Nem falo de Renner, Marisa ou C&A, vamos dar uma passadinha no Brás para ver o Lojão do Brás, Nicoboco, Sawary Jeans e por aí vai… E não, essas empresas e negócios não são exclusividade do Brasil. A Índia está cheio deles, assim como o México, vários países emergentes e outros mercados até mais desenvolvidos.
O fato é que para os clientes desses negócios, a máxima do “tudo por apenas” vale e compensa. Eles podem ter tudo aquilo por apenas um punhado de reais, são negócios inclusivos e acessíveis. E esses são elementos da experiência.
São negócios com propósito. E isso tem significado e faz os clientes sentirem gratidão. Os bancões são rígidos na concessão de crédito, mas as fintechs e, sobretudo, as Casas Bahia, são incrivelmente inclusivos para permitir acesso a recursos aos mais humildes.
Quanto vale a experiência de uma loja que oferece crédito para um trabalhador realizar um sonho de comprar uma geladeira com uma parcela que cabe no bolso?
Independentemente das tramoias fiscais de governos passados que resolveram endividar a população às custas de créditos irreais a juros ridículos cobrados pelos bancos oficiais, o fato é que sim, em países como o Brasil o preço é componente da experiência, se o negócio for baseado em volume, em acesso, em recorrência.
Mas é claro, é necessário muita competência para manter um negócio baseado em margens estreitas, altos volumes, eficiência operacional sempre incremental e giro veloz.
Sempre é possível surgir um competidor ainda mais agressivo e disruptivo, como a Amazon em relação ao varejo americano, para quebrar esses modelos.
Mas é evidente que a experiência do cliente se baseia na calibragem de vários fatores, combinados que criam a personalidade, a assinatura particular de cada empresa. Encarar a experiência como um jogo de escala de valor para fazer uma empresa cobrar como se fosse uma Hermés é simplesmente ilusório, ainda mais em mercados como o nosso, onde a renda sempre é fator decisivo.
Sim, é preciso refutar lendas e mitos corporativos e olhar para a realidade, realmente entender quem é o cliente, suas aspirações, necessidades e expectativas e aí definir qual tipo de valor sua empresa quer entregar. Mas o fundamental é responder à essa formulação singela, notavelmente elegante e complexa: tudo por apenas. Qual é o tudo que você pode entregar por apenas o dinheiro máximo que seu cliente consegue pagar e ainda se sentir gratificado, agradecido, valorizado e feliz?
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