Diferentemente do que a maioria de nós imagina, vamos viver no mundo um grande declínio populacional e isso vai afetar muito especificamente a América Latina e, por consequência, nós, brasileiros.
De acordo com a Fundação Bill e Melinda Gates, a população global atingirá seu pico entre 2040 e 2060 e então diminuirá para o patamar atual. Se o Brasil está hoje entre os dez países mais populosos do planeta, estará fora dessa lista no final do século, em 2100.
Em termos ilustrativos, a população global perderá o equivalente a três países do tamanho dos Estados Unidos em menos de um século.
O Instituto Brookings estima que meio milhão de bebês não nascerão nos Estados Unidos como resultado da pandemia, enquanto o Canadá acaba de relatar sua menor taxa de natalidade na história.
Segundo o livro “Empty Planet: The Shock of Global Population Decline” (Crown, Nova York, 2019), de Darrell Bricker e John Ibbitson, os agentes cruciais dessa mudança são três forças demográficas emergentes: a urbanização, a fertilidade e o envelhecimento.
Todos esses fatores se somam para determinar qual será a nova tendência mundial. A urbanização crescente está impulsionando um declínio da fertilidade – no Brasil, esse índice caiu para apenas 1,8 – por aqui, as famílias têm, em média, menos de dois filhos.
Esse número é super importante para prestarmos atenção, pois qualquer população que tenha a taxa de natalidade abaixo de 2.0 não está produzindo crianças suficientes para compensar o número de pessoas que estão morrendo e, assim, manter uma taxa de substituição.
Quando se muda do interior para a cidade, as opiniões sobre o tamanho das famílias acabam sendo repensadas. No campo, são muitas crianças; quando se muda para a cidade, o custo de vida é mais elevado e, como resultado, as famílias acabam decidindo ter menos filhos.
Outro ponto importante e diretamente relacionado: o empoderamento de nós, mulheres, nos move na direção de fazermos diferentes escolhas sobre como queremos viver nossas vidas em comparação com nossas mães e avós. Queremos estar no mercado de trabalho, investir em educação e “controlar” nossa fertilidade.
Estamos vendo uma cultura em transformação, segundo a qual as grandes famílias não são mais a regra. Agora, famílias menores são consideradas a norma.
Tudo isso se soma a uma população em rápido envelhecimento. Afinal, a expectativa de vida está aumentando em todos os lugares.
Em 1960, a média de pessoas no mundo viveu até os 51 anos. Agora, vivemos até os 73 anos. A ONU (Organização das Nações Unidas) aponta que vamos existir até os 78 anos em 2050. Está logo ali. E no Brasil, em menos de um século, aumentaremos a longevidade em quase 20 anos!
Isso significa uma população em rápido envelhecimento no Brasil, o que está gerando um monte de pessoas mais velhas que vão precisar ser apoiadas por um grupo menor de pessoas mais jovens.
Então, como será o futuro?
O mundo vai crescer menos. Não é algo bom. Não é algo ruim. É algo de suma importância, principalmente para quem trabalha com marketing ou com produtos e serviços, porque o mercado vai mudar.
A população brasileira vai crescer mais pelo envelhecimento do que pela fertilidade. O fator envelhecimento vai se tornar ainda mais importante em termos de crescimento populacional.
A razão pela qual a população continua a crescer não é porque permanecemos adicionando muitas crianças novas à população; é porque as pessoas não estão morrendo tão rápido quanto antes.
Com os efeitos da Covid-19, este declínio pode começar, inclusive, mais cedo e a população pode acabar ainda menor do que já era esperado nessa previsão tão impactante. Basta olhar ao redor: quantas mulheres que você conhece adiaram sua gravidez em função da pandemia?
Portanto, vamos assistir a uma dramática mudança em nossa estrutura populacional.
O mainstream não será mais jovem – vai ser mais velho. Eles têm os números, o dinheiro, o poder de decisão e vão definir o mercado. Como resultado, vamos precisar reorganizar a nossa economia. Teremos que harmonizar nossa sociedade com sua estrutura populacional em evolução e, especialmente, reconsiderar como serão o trabalho e a aposentadoria no futuro.
Hoje, os 50+ representam 25% da população brasileira, o equivalente a mais de 55 milhões de pessoas, que movimentam uma economia prateada em torno de R$ 2 trilhões por ano. Estou me referindo não apenas ao consumo, como também à geração de renda e produtividade, o que configura, de um lado, uma potência de oportunidades e, de outro, a necessidade de aumento da empregabilidade.
E a expectativa é que essa cifra cresça ainda mais!
As gerações mais velhas dominarão o mercado e a vida pública em qualquer país em um futuro previsível. Em uma sociedade longeva, a tendência é termos um número maior de mulheres do que de homens. Isso quer dizer que estaremos em uma sociedade na qual a mulher mais velha terá predominância.
Por isso, é hora de nos prepararmos para os perennials – aqueles que levam um estilo de vida ageless, que não se definem por sua idade, são atemporais, buscam constante atualização e contam com amigos de qualquer idade.
Esses serão os novos consumidores!
As implicações disso são enormes para todos os aspectos de demandas da vida do consumidor e do cidadão, desde onde e como as pessoas vivem até quais produtos e serviços comprarão e quais políticas públicas exigirão dos governos.
Apesar de todo o potencial desse público e do seu poder de compra, as marcas ainda não enxergaram o protagonismo dessa geração.
São os próprios 60+ que dizem não se sentirem representados pelas marcas, conforme dados levantados pela área de Insights & Inovação da FleishmanHillard Brasil: 52% têm dificuldades de encontrar produtos que atendam às suas necessidades; 65% não acreditam na adequação de marcas e empresas para atender as demandas das pessoas mais velhas; e 72% reconhecem o despreparo das lojas, das dinâmicas do varejo e do treinamento dos vendedores no atendimento aos que têm 60 anos ou mais.
Hoje, no Brasil, 64% das famílias são sustentadas por pessoas acima de 60 anos. Não tem como as marcas não olharem para essa geração de outra forma, com capacidade para se colocar no lugar deles.
E se as marcas são construídas por nós, profissionais da área, já está mais do que na hora de começarmos a desenvolver a habilidade da empatia com essa geração em nossa equipe, trazermos a relevância do tema para dentro das empresas e atualizarmos os jovens estudantes e os futuros profissionais sobre essa nova realidade de mercado.
Qualquer organização que queira ser bem-sucedida deve aprender como conversar, vender e atender as pessoas mais velhas, uma vez que já se configura no horizonte uma nova estrutura da sociedade.
Uma dica para os apaixonados pelo tema!
Se você, assim como eu, busca inspiração, conexão e conhecimento sobre o público 50+, na semana passada rolou o MaturiFest 2021, o maior festival de trabalho e empreendedorismo focado nessa geração. Vale a pena ficar por dentro desse conteúdo.
Termino este artigo com um pequeno trecho da famosa música que abriu o painel “Envelhecer sem ter medo de ser feliz”, do MaturiFest, com o professor Alexandre Kalache e a minha querida professora Marilia Berzins: “viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz…” (Gonzaguinha).
É que lindo um dia podermos cantar … “envelhecer e não ter a vergonha de ser feliz!” Esse é o meu desejo e a minha busca, por um mundo mais inclusivo, diverso e respeitoso.
Com carinho, Tati Gracia*
* Tati Gracia é professora da disciplina Comportamento do Consumidor no MBA da FGV , mentora de startups, Diretora de Excelência de Marketing na Mondelēz Brasil e autora do livro Empatia, humanização além do marketing.