Dona de marcas como Ariel, Oral-B e Gillette, a Procter & Gamble (P&G) acaba de inaugurar em Louveira, no interior de São Paulo, seu primeiro centro de inovação no País. “Vejo parte dos meus sonhos se tornar realidade”, comemora Juliana Azevedo, CEO da P&G no Brasil.
Formada em engenharia industrial pela Universidade de São Paulo e em direito pela PUC, ela assumiu a presidência da gigante de bens de consumo no início do ano passado, mas sua história com a P&G vem desde 1996, quando entrou na empresa como estagiária. Desde então, Juliana passou por diversas áreas e trabalhou com times de países como Estados Unidos, Suíça, Índia e China.
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Entusiasmada com os investimentos da matriz no Brasil, Juliana confessa que a crise fez com que a construção do centro de inovação fosse questionada. Mas ela se manteve firme. “É no momento de crise que se faz mais necessário inovar, pois é nesse momento que precisamos dar ao nosso consumidor soluções de maior valor agregado”, afirma. Em entrevista à Consumidor Moderno, Juliana fala sobre as estratégias da marca no Brasil. Confira:
CONSUMIDOR MODERNO – O QUE O NOVO CENTRO DE INOVAÇÃO DA P&G REPRESENTA PARA O BRASIL?
JULIANA AZEVEDO – Ele representa criatividade, geração de emprego, diversidade e inclusão, prosperidade e crescimento. Inovar no Brasil não é para qualquer um. Mas o nosso potencial é um dos motivos de termos esse privilégio. Somos o terceiro maior mercado da P&G, mas não somos a terceira maior subsidiária. Então, a gente espera que esse centro de inovação nos ajude a fechar esse hiato. Aqui, temos 150 cientistas com 20 competências técnicas diferentes, de dez nacionalidades. Temos brasileiros, venezuelanos, chilenos, mexicanos, suíços, portugueses e americanos; dentre eles pesquisadores, engenheiros, cientistas de dados, químicos e designers.
CM – POR QUE LOUVEIRA?
J.A – Estamos muito próximos das maiores universidades da América Latina e dentro de uma fábrica consolidada. Esse será o único centro do mundo multicategoria a possuir, no mesmo campus, toda a cadeia de desenvolvimento de produto, fabricação e distribuição, o que nos dá uma enorme vantagem competitiva. Além disso, estamos em uma região em franca expansão e geograficamente privilegiada no que diz respeito à ligação com malhas rodoviárias, além, claro, da proximidade com o aeroporto de Viracopos.
CM – QUAIS SÃO AS EXPECTATIVAS DAQUI PARA FRENTE?
J.A –Temos, aqui, a casa do consumidor, um espaço no qual a gente pode observar consumidores mais velhos e mais novos usando os nossos produtos. A partir daí, tiramos insights para desenvolvê-los, seja na oficina do futuro, seja na nova minifábrica de protótipos. Esses dados são entregues a engenheiros da fábrica, aos times do escritório, ao varejo e ao mundo acadêmico. Se antes a gente levava dois anos para desenvolver um produto, agora levamos nove meses, mas ainda não estamos satisfeitos. Velocidade é uma moeda importante hoje em dia e os nossos consumidores têm pressa.
CM – O FOCO É CRESCER EM PARTICIPAÇÃO DE MERCADO OU DENTRO DE CATEGORIAS NAS QUAIS A P&G AINDA NÃO SE CONSOLIDOU?
J.A –Hoje temos 16% de participação de mercado, enquanto a P&G tem, mundialmente, cerca de 25% em categorias comparativas. Ou seja, a gente tem uma jornada pela frente. Mas, aqui no Brasil, tão importante quanto crescer em participação é crescer nas categorias, porque aí você cresce, os clientes crescem e a economia, como um todo, gira. Então, a gente tem um olho na participação de mercado e um olho no crescimento da categoria.
CM – QUAIS CATEGORIAS AINDA SÃO UM DESAFIO?
J.A –Nós lideramos a categoria de amaciantes, creme dental (como Oral-B), fraldas, respiratórios (Vick) e Gillette. Na categoria de cuidados com o cabelo, a marca Pantene lidera mês sim, mês não. Essa, portanto, é a primeira marca que a gente quer consolidar. Agora, entre as marcas em que a gente tem uma participação menor estão: escovas, absorventes, desodorantes e sabão em pó, nas quais ainda somos pequenininhos. Nesse caso, a nossa intenção é agregar valor a uma categoria que por muito tempo ficou depreciada. Vimos muita redução de preço, muita promoção e pouca tecnologia e inovação.
CM – E COMO MUDAR ISSO?
J.A –A gente está focando bastante o consumidor jovem; aquele consumidor que está disposto a testar produtos diferenciados. Temos uma jornada longa, mas vemos um futuro brilhante para essa categoria.
CM – O QUE A P&G LEVA EM CONTA NA HORA DE DESENVOLVER UM PRODUTO CONSIDERANDO AS PECULIARIDADES DO MERCADO BRASILEIRO?
J.A –Remodelamos aqui mesmo, no novo centro, toda a linha de absorventes. Eles foram desenhados exclusivamente para a calcinha brasileira. Nós estamos crescendo aceleradamente nessa categoria e isso é fruto dessa inovação. Descobrimos também que a consumidora brasileira tem medo de que o amaciante estrague suas roupas de ginástica. Então criamos, em parceria com a Track & Field, o Downy Sports, que acaba de chegar ao marcado.
CM – DENTRO DO CENTRO DE INOVAÇÃO VOCÊS CRIARAM UMA CASA PARA OBSERVAR COMO O CONSUMIDOR SE COMPORTA. SERÁ MAIS FÁCIL DESVENDÁ-LO?
J.A –Sim. A casa nos dá a possibilidade de ver a experiência do consumidor com o produto. Mas a tecnologia vai nos ajudar a observar também o que os olhos não veem, por exemplo a forma como a pupila dele está se comportando e os seus batimentos cardíacos. Desta forma, eu posso perceber as reações dos consumidores aos estímulos dos nossos produtos. O consumidor brasileiro tende a querer lhe dizer o que você quer ouvir. Então, observá-lo é mais rico do que entrevistá-lo.
CM – A INDÚSTRIA PRECISA RECUPERAR O DIÁLOGO COM O CONSUMIDOR?
J.A –O chefe é o consumidor. Não é a Ju, não é o David Taylor (CEO global da P&G). Toda vez que a gente não ouve o consumidor e não presta atenção no que ele está falando, os resultados não acontecem. Partindo dessa premissa, posso lhe garantir que, em um mercado que muda tanto, qualquer indústria que não prestar atenção no seu consumidor não terá futuro.
“O CONSUMIDOR BRASILEIRO TENDE A QUERER LHE DIZER O QUE VOCÊ QUER OUVIR. ENTÃO, OBSERVÁ-LO É MAIS RICO DO QUE ENTREVISTÁ-LO”
CM – ONDE VOCÊS JÁ FALHARAM?
J.A –No passado, demorávamos demais para colocar em prática o que aprendíamos com os consumidores e “perdíamos o timing” do insight. O centro de inovação no Brasil e a adoção do conceito Lean aceleraram nosso processo de inovação. Isso também nos permite experimentar mais e entender a aceitação do mercado antes de aplicar qualquer coisa em larga escala.
CM – QUAL É A MELHOR FORMA DE OUVIR O CONSUMIDOR?
J.A –Não tem uma forma. Você precisa estar ouvindo a todo tempo, a toda hora. É com a mídia digital, é numa interação com o supermercado, é com seu cliente, é com seus funcionários. Hoje em dia, você precisa ser omnichannel também para conhecer seu consumidor. Pesquisa? Não. Experimento! É real time.
CM – O QUE A P&G FAZ HOJE PARA NÃO PERDER RELEVÂNCIA NO MERCADO?
J.A –Cada uma das marcas existe com uma promessa de benefício funcional e um propósito. As marcas são quase personalizadas, são quase uma persona. Você tem que mostrar seu propósito e ir além dele. No caso de Ariel, por exemplo, é óbvio que você quer lavar a roupa de uma forma mais simples. Esse é o nosso propósito. Mas a gente também quer levantar a bandeira de que as tarefas de casa não são tarefas da mulher, mas sim de qualquer um em casa.
CM – PREÇO AINDA É MAIS IMPORTANTE DO QUE PROPÓSITO?
J.A –Depende. Valor é o mais importante para esse consumidor. E aí é você achar a equação correta. Eu acho que não há essa dicotomia de um ou outro. São os dois na dose certa. Um preço lá em cima, inatingível, não tem propósito que segure. Agora, um preço que seja um pouco mais competitivo, ainda que seja premium, com uma marca que tem um propósito, tem valor. É isso que o brasileiro quer.
CM – O QUE O BRASILEIRO PODE ESPERAR DA P&G NOS PRÓXIMOS ANOS?
J.A –Muita inovação e compromisso para melhorar a vida dele todos os dias.