Quentin Tarantino é um diretor de cinema de estilo inconfundível. Conta histórias baseadas em uma literatura popular, vulgar, escrachada, com personagens caricatos. Mas faz desses elementos a matéria-prima para construir histórias envolventes sobre o absurdo das decisões e das emoções humanas. Mestre dos diálogos rápidos e cortantes, Tarantino mostra o excêntrico para comentar o comezinho. Seu último filme, ?Os 8 Odiados?, colocou como tema justamente o relacionamento impossível entre 8 personagens rigorosamente odiosos (daí o título original em inglês ? The hateful eight). Os executivos do varejo brasileiro poderiam chamar o talentoso diretor americano para contar a história dos 8 odiados elementos que tanto mal causam aos negócios. São eles:
1. Tributação
Rancoroso, vingativo, injusto e cruel. Poucos adjetivos são capazes de definir à exatidão o que Tributação significa no enredo do varejo brasileiro. Suas armas de tortura são indizíveis: ICMS, IR, IRPJ, CSSL, IPI, PIS, COFINS… Sob a cobertura de uma inocente sopa de letras, a Tributação no Brasil esfola, escalpela, drena todo o sangue (expresso em margens, lucros e capacidade de investimento) existente nas empresas de nosso varejo.
2. CLT
De personalidade dúbia, CLT veste-se de bom moço, mas é letal ao extinguir empregos e a tentar regular o mercado de trabalho altamente dinâmico do século XXI com exigências anacrônicas de 70 anos atrás. CLT desperta paixões por onde passa no território brasileiro, mas é desconhecido mundialmente. Além de consumir recursos e ceifar talentos, é um personagem que coloca sempre uns contra os outros, no caso empresas e colaboradores. Incansável, não pode nem pensar na ideia de deixar trabalhadores pensarem por si e optarem por trabalhar meio período.
ALÉM DE CONSUMIR RECURSOS E CEIFAR TALENTOS,
A CLT É UM PERSONAGEM QUE COLOCA SEMPRE
UNS CONTRA OS OUTROS
3. Juros
Implacável, praticamente imortal, nada parece deter o poder destrutivo de Juros no Brasil. Com o apoio de Dívida Pública, Inflação e Déficit Público, os Juros estão presentes em todo o cenário econômico, inibindo investimentos, sufocando empresas, reduzindo a produtividade. O grande inimigo de Juros é a Poupança, mas no Brasil esse herói anda muito subnutrido.
4. Meios de Pagamento
Um personagem ambivalente. Importante para a história do varejo, normalmente facilita a conclusão das subtramas nos ambientes das lojas, ao permitir que consumidores façam pagamentos da forma mais simples possível. Infelizmente, Meios de Pagamento costuma cobrar caro pelo serviço e nem sempre dá o retorno esperado. Seu papel vai crescer nos próximos anos e pode inclusive mudar a história toda. Para o bem (esperamos) ou para o mal.
5. Estoque
Quase sempre imprestável, o Estoque gosta de trabalhar pouco. Quer ficar sempre na base da sombra e água fresca, fora do campo de ação, gastando tempo e ocupando espaço sem fazer nada de útil. Muitas empresas odeiam tanto o Estoque que procuram eliminá-lo de todas as formas. Mas em tempos de crise, o estoque transforma-se numa praga difícil de ser combatida.
QUASE IMPRESTÁVEL, O ESTOQUE GOSTA
DE TRABALHAR POUCO
6. Perdas
Uma espécie de ?Zika vírus? que atinge o varejo há décadas. Toda empresa sofre com Perdas, mas a grande maioria não dá bola. Mas assim como o vírus que causa pânico entre mulheres, principalmente as grávidas, Perdas pode causar efeitos devastadores no caixa, por conta de uma espécie de ?microrrendite?, doença que reduz margens e lucros ao ponto de causar morte. O problema é que as empresas de varejo em geral assumem que é melhor sofrer com Perdas, principalmente quando elas proliferam no espaço ocupado pelo Estoque, do que combatê-la, mais ou menos como o governo brasileiro fez durante décadas com o Aedes Aegypti e há alguns anos faz com a inflação.
7. Logística
Um inimigo mortal do varejo brasileiro. Logística é adepta do road movie, no qual cada jornada é uma corrida de obstáculos quase sempre intransponíveis, por terra, estradas, mar e ar. Logística sempre conta com a ajuda da incompetência do governo para seus planos maquiavélicos, principalmente quando ele coloca Tributação em cena ? vejam o imperdível drama e-commerce x ICMS, já em cartaz no mercado brasileiro ? uma combinação tão letal que é capaz de dizimar populações inteiras de novos e experientes empreendedores.
8. Tecnologia
Outro personagem ambivalente, Tecnologia é meio ingênua, quer sempre fazer o bem, mas é volúvel e manipulável e acaba sendo forçada a fazer o mal, dificultando processos, elevando custos, provocando animosidades entre o varejo e os clientes. Contudo, é a personagem com interesse genuíno em melhorar, mas precisa urgentemente amadurecer.
Com estes personagens, Quentin Tarantino teria material para compor uma trilogia inesquecível, recheada de ação, sangue, emoção e drama, sobre a saga de ser varejista no Brasil. Mas certamente nessa história, Tarantino não optaria por um final feliz.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.