Cannes – França – O que significa criatividade em um momento no qual a produção digital acontece 24 horas por dia? É impressionante verificar como a revolução digital criou abalos sísmicos em praticamente todos os setores da economia e em quase todos os mercados. Anna Wintour, a poderosa, admirada, controvertida e temida Diretora Criativa da Condé Nast, gigante editorial global, sente os impactos dessa revolução em dois negócios simultâneos – no editorial, que é seu trabalho direto – e na moda – que é seu assunto.
Anna Wintour dificilmente dá entrevistas e normalmente é refratária a falar em público. Não se expõe. “Anna é uma força da natureza”, diz Christopher Bailey, o atual CEO e também Diretor Criativo da Burberry, grife inglesa que se reinventou há alguns anos. Christopher fez uma apresentação emocionada da executiva: “Anna é uma pessoa direcionada à mudança. Nunca, nunca, nunca, nunca mesmo faz nada que não busque a perfeição.”
Em sua fala, Christopher exaltou o grande coração e a integridade de Anna. “Ela doou mais de 165 milhões de dólares para o Metropolitan Museum de Nova York. E também doa sistematicamente recursos para o Partido Democrata.”
Eis que Anna entra no palco e simplesmente dedica-se a ler a sua apresentação. Quase uma profissão de fé, Anna fala de forma pausada, firme, mas com inflexões que denotam emoção genuína por uma ideia ou uma pessoa. Não usa slides, não se movimenta no palco. Não permitiu transmissão simultânea para o telão. Vista à distância, parece frágil, reservada, contida. Nem de longe lembra a mulher que atemoriza a indústria da moda e do show business com suas opiniões ácidas e sua busca insana por perfeição.
E assim, sentada no púlpito, com sua voz e suas ideias, Anna se expôs. “Christopher é flexível, o tipo de profissional que está em sintonia com esses tempos. Eu, ao contrário, não sou nada flexível. Não me considero uma pessoa criativa, mas me vejo como uma pessoa a quem as pessoas criativas recorrem.”
Anna falou sobre a ousadia de ser diferente e sobre o que criatividade significa nessa era de intensa e descartável produção digital, 24 horas por dia. “Temos mais acesso às pessoas que queremos atingir, graças à evolução das redes sociais. Como atingir as pessoas? Esse é o que vimos pensando muito na Condé Nast. Como a minha empresa pensa se estabelecer na era digital?”
Anna diz que seria ridículo ignorar a velocidade e as possibilidades da era digital. Mas é necessário obter a atenção das pessoas. “Você não pode cortar a criatividade para conseguir a atenção das pessoas.” Anna falou sobre Beyoncé, sobre John Galiano e Alexander McQueen. Sobre estilistas, moda e Apple Watch. Sobre a renovação da Balenciaga, casa tradicional que também resolveu mudar no caminho dessa revolução digital. Para Anna, o Apple Watch é um objeto estranho, mas que tem um potencial incrível.
Seu engajamento ao Partido Democrata a fez elogiar Bernie Sanders, o candidato que lançou dúvidas sobre a força real de Hillary Clinton. “que surpresa agradável! Pelo simples fato de Bernie ser como é e como conseguiu transmitir paixão e engajar pessoas”. Sim, Bernie Sanders ousou ser diferente.
Assim, camada após camada, Anna não foi simpática, extrovertida, nem divertida. Não delineou frases de efeito. Foi altiva e falou sobre como suas conversas com mentes brilhantes e influentes a ajuda a nortear seu trabalho e sua visão de mundo.
“Eu não quero sugestionar vocês, mas digo que precisam sentir a pressão de serem criativos. Vejam Alexander McQueen (estilista britânico, falecido em 2010), que foi o pioneiro à frente do movimento de fluidez de gênero. Seu trabalho era pessoal e novo. O quão longe essa disrupção poderia ir? Fugir do mainstream é assustador. Muitas vezes, a confiança se dissipa.”
Ao fim, a imagem de Anna é a de uma profissional que exige mais do mundo, que procura a criatividade para inspirar e trazer beleza e significado ao mundo. Anna Wintour não é decididamente uma personalidade convencional. Ainda bem que seja assim. É o tipo de pessoa que nos expulsa da zona de conforto e nos manda usar o máximo de nosso potencial. O melhor, para ela, nunca é o suficiente.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.