Margaret Atwood é uma das mais bem-sucedidas autoras de romance e ficção da atualidade, com mais de 50 livros publicados. Nascida em 1939, no Canadá, Margaret é também contista, poetisa e criadora da premiadíssima obra distópica “O Conto da Aia” que transcendeu as páginas impressas e ganhou as telas com a série do mesmo nome, com a atuação impressionante de Elizabeth Moss. Seu último romance, “Os Testamentos”, sequência de “O Conto da Aia” situa o enredo 15 anos após os acontecimentos do livro anterior. No Collision, Margaret Atwood conversou com David Remnick, editor da New Yorker sobre o cenário atual, distopias, expectativas e até mesmo sobre o poder transformador da tecnologia.
Mas de que forma essa notável escritora canadense vive e produz? “Eu moro em Toronto, um tipo horizontal de cidade repleta de casas. Eu vejo que ainda existem muitas casas residenciais e gente chegando e saindo. Moro nessa mesma casa há muito tempo e fiquei aqui durante a quarentena, como o mundo inteiro ficou em suas casas nesses últimos dois meses”, falou Margaret.
Sair de casa e encarar a vida parece muito estranho agora. As pessoas andando de máscara – ao menos aquelas mais conscientes, medidores de temperatura na porta de lojas e de shoppings, ninguém abraçado, cinemas fechados. Para Remnick, sua experiência ao sair de casa, em Nova York, após semanas de quarentena foi chocante: “quando saí, quase todo mundo estava usando uma máscara e parecendo muito ansioso e se esforçando para não ficar muito perto de você.”
Sim, há um quê de distopia, de algo fora do normal nessa realidade que vivemos. Margaret conta que vai a uma mercearia em um horário específico pela manhã especialmente dedicado às compras de idosos. Para quem passou anos e anos fazendo compras rotineiras de forma quase automática é estranho chegar e às vezes ficar esperando em uma fila, por que a loja permite apenas um certo número de pessoas internamente, e as posições de distanciamento social estão claramente marcadas, as pessoas estão sendo muito cuidadosas.
Pandemias e vacinas
“O Canadá como um todo está sendo bastante cuidadoso”, comenta a escritora. Ela lembra de uma época em que não havia muitas vacinas. Muitas pessoas morriam de doenças que hoje estão controladas ou quase erradicadas. Varíola, poliomielite, sarampo… Então começaram a surgir as vacinas e as campanhas de vacinação frequentes. Talvez isso tenha influenciado Margaret a escrever sobre pragas e pandemias há muito tempo.
O comportamento das pessoas diante desses infortúnios tendem a revelar muito sobre a sociedade e isso atraiu para pensar sobre esses fenômenos sob uma perspectiva literária. Mas seu pai, que era cientista, também a influenciou, ela leu sobre piolhos e história, a peste negra e bruxas, sobre a gripe espanhola que levou a morte de muitas pessoas e ficou marcada na memória coletiva daquela época no princípio dos anos 40, já em plena Segunda Guerra Mundial.
E então no início do século XXI, Margaret assistiu aos surtos de gripe suína e de Ebola, epidemias distantes, um tanto assustadoras, mas que eram vistas como males que não nos afetariam, orgulhosos moradores da civilização ocidental. A chegada do novo coronavírus fez as certezas e o orgulho desabarem. “Ninguém estava preparado para isso, mas no Canadá tivemos uma abordagem mais pacífica e menos polarizada do que a vista nos EUA. Os prefeitos das províncias têm atuado bem. Eu acho que estamos menos divididos em alguns aspectos do que os EUA estão, ou talvez mais divididos, já que temos cinco partidos políticos em vez de apenas dois”, observou a romancista.
A escritora também comentou que as doenças vêm de outros lugares, vêm de animais e da forma irracional com que a humanidade manipula esses animais, juntando diversas espécies e as colocando em um mercado onde se misturam e combinam partículas e vírus, obviamente.
Sim, é o caso de repensar a maneira como estamos interagindo com os animais até certo ponto.
Muros e meteoros
Margaret se recorda de muitos acontecimentos históricos. Ela morava em Berlim em 1984, e o muro estava lá. Todos os domingos o regime comunista fazia voos supersônicos todos os domingos, para mostrar que estavam lá. Parecia que seria eterno e então, cinco anos depois, isso se foi. Da noite para o dia. “Eu estava em Berlim novamente naquele momento e eu vi o muro caindo aos pedaços. O que quero dizer é que achamos que as coisas nunca mais serão as mesmas, mas elas não vão mudar necessariamente na direção que pensávamos”, explica.
No curso da história, sempre há espaço e o impacto do imprevisto. Um “meteoro que vem do nada” que ninguém vê ou espera. Repentinamente antigas estruturas desmoronam e essa dinâmica da história humana fascina Atwood. Nascida em 1939, justamente no ano que deu início à Segunda Guerra, com o totalitarismo espalhando sua sombra sobre a humanidade, Margaret teve essa experiência e esse legado como forças que a interessaram e a levaram a escrever obras de ficção que mostram o horror totalitário.
Já adulta, ela viu o furor causado por Marshall McLuhan, e seu conceito clássico “o meio é a mensagem”, enfocando todo tipo de novas tecnologias. O aprendizado, para a escritora, foi compreender não o que se transmite com a tecnologia, mas como ela funciona e como interage com o cérebro no nível neurológico. É mais difícil lembrar as coisas que lemos na tela, do que lembrar as coisas que fazemos, uma ideia que McLuhan explorou que a levou a olhar para as mudanças, para compreender como tecnologia de impressão mudou a maneira como as pessoas absorviam conteúdo, da mesma forma que a chegada da TV alterou a forma como as pessoas viam a realidade.
Nesse sentido, David Remnick, trazendo o conceito de McLuhan para os dias atuais, com toda a discussão acerca do uso das redes sociais para disseminar conteúdos ultrajantes e preconceituosos e que estimulam ódio e brutalidade, questiona se ambientes como o Twitter e o Facebook devem ser vistos apenas plataformas ou como mídias de fato e, portanto, devem estar abertos a controles e ações judiciais.
Na opinião de Margaret, geralmente as pessoas que são processadas pelo que colocam no Twitter são justamente aquelas que publicam conteúdos ultrajantes e repulsivos nesta e em outras redes sociais.
Cada usuário deve ter em mente que ao publicar um tweet está tornando público esse conteúdo, por isso ela considera que um cidadão pode ser processado por isso não apenas na Europa, mas em qualquer nação que tenha legislação que defina os limites da liberdade de expressão. Os tipos de conteúdo que podemos usar no mundo real não têm um líder que possam indicar claramente o que deve ser contido. A questão da informação em uma pandemia vê a verdade como vítima frequente. Por isso, todos têm que confiar em cientistas reais e mostrar a pandemia como uma guerra é um erro de viés. “Não, eu acho que não, não é realmente uma guerra. É uma doença, ainda que a pandemia possa ser explorada por líderes políticos perniciosos e por qualquer pessoa oportunista”.
Terapia para o clima?
Margaret também abordou a relação entre pandemia e mudança climática. Ela acredita que a maioria das pessoas espera que venham medicamentos terapêuticos desenvolvidos ou vacinas, e que esses produtos químicos em particular possam controlar o vírus e levar todos de volta às rotinas normais. Mas se pensarmos seriamente sobre as mudanças climáticas, é fácil verificar que não há terapêutica para isso. É até possível que as pessoas vejam o que aconteceu com suas vidas e maneira como a economia foi destruída nesses poucos meses, e como seu dia-a-dia foi alterado tão severamente e que a mudança climática pode ter efeitos ainda mais devastadores em algum momento da história próxima. Parece um assunto recente, que ganhou ressonância há 5 anos, mas que já era discutido em 1973, por exemplo.
Ainda assim, cabe sermos otimistas. É provável que no futuro, como afirma David Remnick, muitas e muitas pessoas leiam os livros e os diários de Margaret Atwood. Todos nós devemos ser gratos pelas histórias que ela nos legou, bem como por sua presença luminosa no mundo da literatura. Sua imaginação criativa e talento permanecem sempre prontos a encantar novas gerações de fãs.