No fim de 2009, Warren Buffet, CEO da Berkshire Hathaway, e um amigo andavam de carro pela cidade de Omaha, em Nebraska, e observavam o comércio paralisado e lojas lacradas devido à estagnação da economia mundial. O amigo comenta que diante daquela situação, parecia difícil ver uma recuperação econômica. “Você sabe qual era o chocolate mais vendido em 1962? Snickers”, afirmou Buffet. “Sabe qual é o chocolate mais vendido hoje? Snickers”. É dessa forma que Morgan Housel, autor do livro “Psicologia Financeira”, introduz seu mais recente lançamento: “O mesmo de sempre: um guia para o que não muda nunca” (Objetiva).
O livro se propõe justamente a isso: mostrar aquilo que não muda com o passar do tempo e das transformações. Como explica Henry Coutinho-Mason, futurologista relutante que estará presente no IA+CX – evento que busca explorar as relações entre Inteligência Artificial e experiência do consumidor –, enquanto é impossível prever o futuro, lideranças e executivos podem encontrar valor e aprendizados nos fatores que permanecerão os mesmos.
Morgan Housel reúne diversas histórias em torno de 23 temas que se repetem ao longo das décadas e dos séculos da história da humanidade. São as mentes excêntricas que carregam consigo qualidades que admiramos e outras nem tanto, a forma como confiamos mais em histórias bem contadas do que em estatísticas, ou grandes ideias que, vez ou outra, se tornam propostas péssimas.
“As mudanças chamam nossa atenção porque são surpreendentes e empolgantes”, explica o autor. “Mas os comportamentos que nunca mudam são a lição mais poderosa da história, pois antecipam o que esperar do futuro. Seu próprio futuro. O futuro de todos. Seja quem você for, venha de onde vier, tenha a idade que for, ganhe o dinheiro que ganhar, as lições atemporais extraídas do comportamento humano são uma das coisas mais importantes que você vai aprender”.
A expectativa da felicidade
Um dos capítulos mais interessantes da obra possui uma relação bastante próxima dos temas de experiência e comportamento do consumidor. Segundo o autor, a felicidade depende mais das expectativas de cada indivíduo do que qualquer outra coisa. Um exemplo é a percepção que a sociedade norte-americana tem da década de 1950. Em janeiro de 1953, a revista Life começava a matéria dizendo que “o país acaba de atravessar o melhor ano de sua história em termos econômicos”, uma evidência de como o período é percebido como a década de ouro de prosperidade para a classe média dos Estados Unidos. Até hoje, boa parte da população ainda tem essa visão.
No entanto, como Housel aponta no livro, existem mais evidências que os tempos atuais são mais prósperos do que aquela época. Em 1955, a renda anual da família americana média era de US$ 29 mil – ajustada para a inflação. Em 2021, foi de mais de US$ 70 mil. Já a proporção de proprietários de imóvel era 12% mais baixa do que hoje. Além disso, a alimentação consumia cerca de 29% do orçamento doméstico das famílias em 1950, e hoje é de 13%. Por fim, a mortalidade no local de trabalho era três vezes maior do que nos tempos contemporâneos.
Em outro exemplo, Housel cita uma entrevista que o New York Times fez com Gary Kremen, fundador do Match.com, em 2007. Na época, o empreendedor tinha 43 anos e um patrimônio de US$ 10 milhões. Apesar de fazer parte do 1% mais rico dos Estados Unidos, no Vale do Silício era apenas mais um entre os vários empresários milionários que trabalhavam e viviam por ali.
“Não existe riqueza objetiva – tudo é relativo, especialmente em relação aos que nos cerca”, afirma o autor. “Determinar nosso merecimento na vida e o que deveríamos esperar é o caminho da menor resistência. Todo mundo é assim”.
Segundo Housel, esse pensamento é a chave para entendermos o motivo pelo qual, apesar das mais diversas evidências, a década de 1950 ainda é vista como os anos dourados da vida norte-americana. Isso porque, antes disso, o equilíbrio financeiro parecia impossível. Entre 1942 e 1945, período marcado pela Segunda Guerra Mundial, quase todos os salários eram determinados pelo Conselho Nacional de Guerra. Ou seja, havia pouca disparidade salarial e menor defasagem entre trabalhadores de baixa renda e de renda elevada. Como resultado, era fácil para a população manter suas expectativas sob controle, já que não havia tanta diferença entre as pessoas ao seu redor.
Já hoje, a realidade é bem diferente. Além de maior disparidade social, as redes sociais contribuem para a comparação constante com pessoas que são bem diferentes entre si, como indivíduos extremamente ricos, celebridades e artistas. Ainda por cima, podemos nos comparar a realidades fake, ou uma imagem de felicidade e prosperidade que é manipulada. “Podemos ter rendimentos maiores, mais riqueza e casas mais espaçosas – mas tudo isso é rapidamente sufocado pelas expectativas exageradas”.
Economia de expectativas
Housel traz outro exemplo. John D. Rockefeller, magnata e fundador da Standard Oil Company, nunca teve ao seu dispor itens básicos para nossa saúde e bem-estar, como penicilina, filtro solar ou analgésicos. Hoje, um cidadão norte-americano de baixa renda pode dispor desses materiais. Mas isso não quer dizer que essa pessoa possui uma vida melhor ou é mais feliz do que Rockefeller foi em seu tempo. “Avaliamos nosso bem-estar em comparação ao dos outros, e os luxos se tornam necessidades num intervalo de tempo extraordinariamente curto quando aqueles à nossa volta melhoram de vida”, explica.
Quando pensamos na experiência do consumidor, lideranças precisam sempre se lembrar que seu cliente não está apenas comparando determinado produto ou serviço com outros da própria marca ou da concorrência do mesmo setor. Pelo contrário: suas expectativas são criadas a partir de inúmeras referências, influências e acontecimentos. E assim, a felicidade do consumidor é motivada a partir dessas várias comparações.
Montesquieu definiu muito bem essa ideia, há mais de 275 anos. Segundo ele, “se apenas desejássemos ser felizes, isso não seria difícil. Mas queremos ser mais felizes do que os outros, e isso é quase sempre difícil, pois acreditamos que os outros são mais felizes do que realmente são”.