LEGO e IKEA são exemplos de como o varejo físico pode se reinventar para atender às demandas do consumidor em mutação. Longe de serem apenas espaços de transação, as lojas dessas marcas se consolidam como hubs de interação, onde experiência, conveniência e inovação se unem. A estratégia dessas marcas prioriza a experiência na loja física e traz ensinamentos valiosos para o varejo brasileiro. Nos mercados europeu e norte-americano, tanto LEGO quanto IKEA são reconhecidas pelos espaços inovadores e pela característica de serem lojas que funcionam sempre como alternativa de refúgio para uma realidade complexa (“Síndrome de Nárnia”, tendência que a CX Brain mapeou há cerca de um ano).
Ao explorar a humanização e o uso estratégico de tecnologia, LEGO e IKEA mostram que as lojas físicas continuam sendo fundamentais no varejo em plena era digital. Esses dois casos foram explorado na NRF 2025 em um painel que reuniu Javier Quiñones, CEO da IKEA USA, Martin Urrrutia, head global de Retail Experience and Innovation da LEGO Group, mediados por Adam York, principal da consultoria Deloitte nos Estados Unidos.
A mudança no papel das lojas
As lojas físicas têm assumido um papel multifuncional, combinando interação, logística e descoberta de produtos. Esse conceito, largamente difundido como “phigital” (físico + digital), une a conveniência do mundo online com a experiência imersiva do presencial. Além do mais, a experiência de loja traz os elementos de humanização e os marcadores sociais que suportam a escolha dos consumidores.
As flagship stores da LEGO, como a icônica unidade da 5ª Avenida em Nova York, exemplificam essa abordagem ao transformar a loja em um “playground criativo”. Os clientes podem interagir com os produtos, participar de workshops e explorar o legado da marca de forma prática e imersiva. Já o formato compacto “IKEA City” em áreas urbanas é outra resposta às novas demandas. Com espaços otimizados e soluções rápidas de compra, essas lojas mostram como a conveniência e a personalização podem coexistir em espaços físicos menores.
Essas transformações refletem a expectativa crescente dos consumidores, que buscam nas lojas um espaço para viver a marca, e como fonte de dopamina, para resgatar a sensação de bem-estar. Elas também funcionam como polos de conexão com a comunidade e de reforço a elementos de memória afetiva, que se traduzem em momentos de conforto e acolhimento.
A reinvenção constante da experiência
No mundo do varejo, manter-se relevante exige adaptação constante, e tanto LEGO quanto IKEA têm mostrado excelência nesse quesito. LEGO é uma marca que aposta na inovação tecnológica com recursos como Realidade Aumentada, permitindo que os clientes visualizem virtualmente produtos montados antes de adquiri-los. Além disso, a LEGO promove eventos sazonais, como os famosos “build days”, que incentivam os consumidores a se engajar com a marca de forma divertida e criativa.
Por outro lado, a IKEA oferece um app, chamado IKEA Place, que também tem a função de Realidade Aumentada, que permite aos clientes projetarem como os móveis se encaixam em seus espaços antes mesmo da compra. Além disso, as lojas oferecem áreas interativas para que os consumidores criem ambientes personalizados com o suporte de especialistas no local.
O papel do time e da liderança
Embora a tecnologia desempenhe um papel essencial, são as pessoas que tornam as experiências memoráveis. Como iremos demonstrar no CONAREC 2025, “CX Super-humano”, LEGO e IKEA priorizam equipes empoderadas. São elas que asseguram o sucesso das experiências, a partir de muito investimento em treinamento e engajamento. Na IKEA, por exemplo, colaboradores recebem treinamento contínuo em empatia e uso de ferramentas digitais para oferecer atendimento diferenciado.
Esse nível de comprometimento só é possível com liderança estratégica: ela é crucial para criar experiências consistentes e impactantes. A combinação de tecnologia e equipes humanas reflete a capacidade dessas marcas de atender às demandas contemporâneas sem perder a essência da interação pessoal.
Importância de métricas e objetivos
Para que essas estratégias funcionem, é essencial definir métricas claras e mensurar resultados. Tanto LEGO quanto IKEA mostram que a experiência vai além de vendas, priorizando indicadores de engajamento e impacto. Por exemplo, LEGO, monitora quantos clientes participam de áreas interativas em loja e quantos retornam para novos eventos. Esses dados ajudam a calibrar estratégias futuras e a adaptar experiências. A IKEA, por sua vez, avalia o impacto de suas lojas nas comunidades locais, com iniciativas como programas de transporte sustentável que reduzem emissões em áreas urbanas.
Tecnologia e inovação como aliadas
A inovação tecnológica é um dos pilares das transformações e atualizações da LEGO e da IKEA, mas sempre com um uso consciente e focado no cliente. O esforço da LEGO para conectar suas lojas globalmente com tecnologia que complementa a experiência física, foi notável. Dessa forma, foi possível criar figuras personalizadas em quiosques digitais, que reforçam o senso de exclusividade e interação.
Já para a IKEA, programas de recompra e economia circular são viabilizados por tecnologias que rastreiam o ciclo de vida dos produtos, incentivando a sustentabilidade. Além disso, a IKEA adota uma abordagem cuidadosa em relação à Inteligência Artificial (IA), utilizando-a para prever estoques, mas mantendo o foco na interação humana no atendimento.
Storytelling no centro da experiência
Tanto LEGO quanto IKEA utilizam o storytelling para criar conexões emocionais com seus clientes. Vejamos a campanha global “Rebuild the World” da LEGO, que celebra criatividade e resiliência, enquanto eventos temáticos em lojas físicas reforçam o legado da marca como símbolo de inovação e diversão. Enquanto isso, a IKEA foca em narrativas que conectam seus produtos a histórias reais, mostrando como seus móveis transformam a vida de famílias e indivíduos. Essa abordagem fortalece a identificação emocional com a marca e inspira consumidores a projetarem seus próprios espaços.
Sustentabilidade como valor central
Ambas as marcas integram a sustentabilidade efetivamente como um dos pilares de suas estratégias. Por conta de ambas as empresas serem de origem do norte da Europa, respectivamente da Dinamarca e da Suécia, o estágio de consciência e maturidade dessas populações permitem estabelecer padrões elevados de atividades sustentáveis. LEGO Investe em peças feitas de plástico reciclado e embalagens ecológicas, com a meta de zerar emissões em suas operações até 2025. Por sua vez, pioneira em energia renovável, a IKEA compromete-se a operar com 100% de fontes sustentáveis até 2030. Programas de economia circular, como recompra de móveis usados, reforçam o compromisso com o meio ambiente.
Lojas como espaços de comunidade
Por fim, LEGO e IKEA mostram que o futuro do varejo está em criar espaços que vão além do consumo, promovendo senso de pertencimento e interação. Enquanto a LEGO realiza competições e eventos que transformam as lojas em pontos de encontro para fãs e entusiastas, a IKEA convida os consumidores a participar de decisões de design e sustentabilidade, promovendo uma relação de cocriação.
É evidente que reproduzir as ações e os compromissos da LEGO e IKEA em operações de varejo no Brasil não faria o mesmo sentido. Mas é possível e desejável que as nossas lojas aprendam como criar mecanismos de conexão com a comunidade, procurando soluções criativas que as transformem em algo além de centro de compras. É sempre necessário fazer uma pergunta incômoda: “se minha loja deixasse de existir amanhã, ela faria falta? Por que para quem?”. Em tempos digitais, a loja é um dínamo capaz de reafirmar o melhor do que nossa humanidade tem a oferecer.