Qual decisão você já terceirizou para um algoritmo nos últimos três dias? Uma receita, uma busca no Google, a previsão do tempo, a execução de uma playlist ou a recomendação de uma série?
Nossas primeiras experiências com as interfaces de inteligência artificial já mostram uma tendência: uma certa acomodação em aceitar o previamente estabelecido, o mais recorrente, lógico e correto dentro de nossas escolhas.
Mas essa conveniência não poderá se tornar uma prática que reduz nossa capacidade de se surpreender, de reagir ao inesperado e de correr riscos com o imprevisto?
Seguindo esse tema, os debatedores do painel “A IA no dia-a-dia: haverá espaço para a emoção da surpresa e do imprevisto?”, do CONAREC 2020, discutiram se há ou não interferência no fator-surpresa nas empresas que utilizam IA, e se as marcas irão parar de se arriscar no futuro.
Autonomia ou preguiça?
Felipe Mendes, general manager latam da GFK e mediador do painel, inicia o debate questionando se a inteligência artificial irá mitigar os imprevistos e gerar uma certa preguiça em vez da melhoria nas tomadas de decisões.
O convidado Anthony Eigier, co-fundador e CEO da Neuralmed, conta que sua empresa fornece soluções para pronto-socorro, lugares conhecido por imprevistos. Ele explica que a ideia da IA nesses ambientes é melhorar a triagem e dar mais inteligência aos médicos. “Com a IA eles podem ter mais assertividade, diminuindo surpresas futuras em casos que podem ser mais graves que parecem”, diz. Neste caso, sim, a IA reduziria as surpresas, mas em prol de uma melhora geral para o setor de saúde.
Rodrigo Helcer, CEO da Stilingue Inteligência Artificial, cita um exemplo de como a IA pode ser aplicada no varejo para trazer mais assertividade para as marcas: “Com a Black Friday se aproximando, através da escuta ativa e das conversas com as comunidades em canais públicos e privados, conseguimos entender a performance de empresas em torno dessa data, que tem 24 horas para ser um sucesso ou insucesso”, diz. “Através da escuta nos canais privados descobre-se problemas e age-se imediatamente”. Para Helcer, seria sobre-humano lidar com tantos dados e informações, logo, a IA faz com que as empresas estejam mais “musculosas” ao encarar essa realidade.
Empoderamento nas tomadas de decisões
Felipe Mendes questiona: “Então, com a inteligência aumentada, a ideia é não deixar mais que as marcas se arrisquem?”
O CEO da Stilingue responde que é bem ao contrário: “Conseguimos trazer evidências em tempo real das iniciativas tomadas pelas marcas. Nosso trabalho é apenas medir o pulso da opinião pública, indicando se o caminho está bom ou ruim”, afirma.
Eigier concorda que a situação seja exatamente a oposta: “A pandemia nos ensinou que o sistema de saúde não aguenta o número de pessoas doentes, e os recursos precisam ser otimizados ― o que inclui os médicos.”
A visão da Neuralmed, ele diz, é devolver aos doutores a capacidade de tratar como prioridade os pacientes que mais precisam. “O médico, hoje, gasta muito tempo olhando exames normais ― praticamente o mesmo tempo que gastam olhando exames com doenças complexas. A IA serve para mandar mais rápido para casa as pessoas saudáveis e deixar que os médicos cuidem daquelas que precisam de uma atenção maior”, explica, deixando clara a importância dessa tecnologia no surgimento de doenças novas ou raras, como a Covid-19.
“Assim, não é tirado o poder decisão do médico. Ele tomará a decisão final, mas estará mais empoderado e com mais informações.”
Transparência de dados
O mediador do painel, por fim, questiona a visão dos participantes sobre ética e privacidade, e o dever das empresas de tecnologia na transparência na utilização de dados.
Ele opina, inclusive, que as empresas precisam atuar com transparência na inserção de qualquer tecnologia nova na sociedade, para a mídia não mostrar apenas o lado problemático e espalhar pânico entre as pessoas.
“Os dados podem ser usados em inúmeras melhorias. Mas, claro, temos que ter não somente ética, mas também promovê-la ativamente.”
Elser coloca que a IA muitas vezes é um bode expiatório na mídia, assim como já aconteceu com outras inovações.
“Para algumas pessoas é complicado aceitar a ideia de delegar decisões para uma tecnologia e não para um ser humano. Contudo, é preciso aumentar o conhecimento das sociedades que gravitam ao redor das marcas para entenderam as tecnologias como benéficas e não apenas maléficas”, exemplifica.
Para essa educação socioeconômica acerca da inteligência artificial, Eigier elucida que, por trás de toda máquina, existe um ser humano “Nem tudo é algoritmo. Entender isso pode mitigar um pouco do medo”, diz. “Os humanos estão envolvidos e fazem parte de toda a jornada. É o que chamamos de “machine teaching”.
O CEO acrescenta, também, a importância do entendimento sobre como os dados individuais podem ajudar o coletivo. “Vimos isso na pandemia. Se os dados são tratados de forma responsável, conseguimos mostrar ao consumidor que é possível criar um bem superior, uma sociedade melhor para todos.”
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